Essa é a pergunta que faço e acho que muitos fazem, mas nem todos tiveram coragem de expor.

Duas situações na última semana mexeram com o imaginário dos concursos de sambas de enredo. A primeira: a polêmica e instigante disputa de samba do Salgueiro, que será em sistema de mata-mata. O concurso será normal até chegar a 16 sambas e aí ele serão divididos em chaveamentos como, por exemplo, a Copa do Brasil e a Copa do Mundo até definir os finalistas.

O Salgueiro alega que diminuirão os gastos dos compositores com menos apresentações, por outro lado acho que as mesmas apresentações, mesmo em menor escala, acarretarão maiores gastos. Explico: em um concurso normal o compositor de ponta se preserva até um momento mais agudo do concurso e nesse caso ele de cara passará por momentos agudos, de risco de eliminação.

Mas vamos esperar. Toda novidade é bem vinda.

A outra situação é da Renascer de Jacarepaguá, que anunciou que mais uma vez seu samba será encomendado e, se eu não me engano, é a terceira vez seguida. A Renascer não tinha um histórico de sambas ruim. Fez bons sambas ao longo de sua trajetória, mas optou por esse lado e não podemos dizer que se deu mal. Só ver o espetacular samba de 2015.

Com certeza será outro grande samba já que terá assinatura de Cláudio Russo, um dos maiores da atualidade, e provavelmente de Teresa Cristina e Moacyr Luz que dispensam comentários.

Torcidas_DisputadeSamba2-300x300Quem é a favor usa esse argumento. Dos grandes sambas, com tempo e tranquilidade para fazer esses sambas, que um samba não passa de uma encomenda e pelo menos a escola está jogando “às claras”. Não começa um concurso com parceria já campeã, bicampeã ou tricampeã como sabemos que ocorre em algumas situações.

Quem é contra diz que isso mata a ala de compositores da escola.

Aí eu volto à pergunta inicial.

Ainda existem alas de compositores?

A pergunta soa estranha, mas é pertinente quando voltamos no tempo. Antigamente ouvíamos um samba e nem precisavam citar nome da escola – como se faz hoje em dia em todas as letras – que respondíamos “esse samba é do Salgueiro, esse da Mangueira”. Hoje nós ouvimos um samba e falamos “Esse samba é de fulano, esse de cicrano”.

As escolas perderam suas identidades sonoras para ganhar a dos “sambas de escritórios”. Compositores de talento que se reúnem, formam um grupo e pegam sinopses de várias escolas para compor e colocar “laranjas” assinando.

Todo artista tem sua característica, seu jeito de praticar a arte que tem o dom e naturalmente que esses artistas fazem os sambas com sua cara, a sua maneira. Já disse que não sou contra sambas de escritório: o melhor tem que vencer sempre. Sou contra a “bolha” criada hoje em dia, que encarece um concurso e tira a chance dos menos abastados. Mas essa é outra história. Hoje quero tocar em outra questão.

A partir do momento que temos vários desses escritórios agindo. Em algumas escolas dominam a principais parcerias das mesmas e em alguns CDs de carnaval com mais de 50% dos sambas eu volto à pergunta.

Ainda existem alas de compositores?

Amigo. No samba nem tudo parece o que é.

Aquele compositor renomado de sua escola, que nem consegue contar nos dedos às vezes que venceu em sua agremiação e você todo orgulhoso faz selfie com ele para depois contar aos amigos pode ser tão compositor quanto você. Não são poucos os que estão com nome em cd, são compositores campeões, muitas vezes consagrados e são “laranjas” de escritórios ou assinam samba por terem dinheiro, política, torcida ou fama.

Eu já vi parceria de medalhões ser montada e diretor dizer “Grande parceria, só não sei quem vai fazer o samba”. Já vi compositor de verdade, tarimbado, famoso, aceitar ser laranja para poder voltar a ganhar samba. Amigos, eu já vi tanta coisa no samba. Já vi até compositor de verdade.

Compositor de samba-enredo e que escreva um dia estará no zoológico junto com mico leão dourado e tamanduá bandeira como espécies em extinção ou então em um museu. Um boneco de cera sentado em uma mesa, um copo de cachaça, uma caixa de fósforo na mão e a guia dizendo “Esse era um compositor de samba-enredo”.

Gramado_Porto Alegre 01_2012 247Repare numa parceria. Aquele mais maltrapilho, cara de pobre, sem cordão de ouro, relógio, sem uma super gata do lado e mais tímido geralmente é o cara que escreveu o samba. Nem sempre ele está assinando. Às vezes ele até usa a camisa da parceria e tem seu nome nela. Geralmente escrito errado e escrito “apoio”.

Infelizmente alguns muito bons se afastaram. Maior exemplo que vem à minha cabeça é Paulo Travassos, meu parceiro de Orun Ayé. Podia não ser brilhante, mas era um bom compositor, talentoso letrista, guerreiro e que se afastou do samba por não ter dinheiro pra continuar. Enquanto isso temos que ver “Zé Ruelas” ganhando sambas e status. Tirando onda fazendo sinal com a mão de quantos sambas ganhou e todo mundo sabendo que não fez uma vírgula.

Arrisco a dizer que o Rio de Janeiro não tem 60 compositores de samba-enredo. Digo compositor, não “descrevedor” de sinopse. Aquele cara que com a caneta, apenas isso, pode fazer a diferença em um concurso.

No meu bairro não tem 10 e estou sendo bacana nessa afirmação.

Repito.

Ainda existem alas de compositores?

Deixo a pergunta e me despeço.

Twitter – @aloisiovillar

Facebook – Aloisio Villar

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