Na semana passada, o Império Serrano e o Paraíso do Tuiuti receberam seus sambas concorrentes para o carnaval de 2016, dando início àquela época pela qual os amantes do samba sempre esperam ansiosamente: as disputas de samba.

Para 2016, o calendário foi antecipado devido à exigência da Lierj (entidade que organiza e coordena os desfiles do Acesso) de que todas as agremiações do Acesso A escolham seus sambas até o dia 30 de agosto. Isto tem como objetivo antecipar a produção do CD e sua distribuição, mas terá o efeito colateral de deixar as quadras vazias entre setembro e novembro – vamos ver como as escolas irão se adaptar a este panorama.

Das 14 escolas deste grupo, três ainda não apresentaram enredo no momento em que escrevo: Acadêmicos da Rocinha, Acadêmicos de Santa Cruz e Império da Tijuca. A não ser que alguma destas aposte em reedição – o que parece pouco provável – ou encomenda (a Rocinha, talvez?) teremos 13 das escolas fazendo disputa de samba enredo aos moldes tradicionais – a exceção será a Renascer, que mais uma vez fará uma encomenda aos compositores Cláudio Russo e Moacyr Luz.

Esta revista eletrônica já debateu aqui os problemas atuais deste modelo de escolha de sambas em outras oportunidades. Estes problemas vinham se refletindo no número de sambas inscritos, de forma mais acentuada nas escolas deste grupo de Acesso: nem todo mundo tem fôlego financeiro para uma disputa deste porte, ainda mais tendo a concorrência dos chamados “escritórios” de samba de enredo.

Curiosamente, tanto o Império Serrano como o Tuiuti tiveram para 2016 mais sambas inscritos que em 2015. O Império Serrano teve 24 (contra 15) e o Tuiuti, 14 (8 em 2015). No caso do Império pode-se até alegar que o bom desfile de 2015 e o enredo anunciado tenham motivado um aumento do número dos concorrentes, mas o Tuiuti teve um aumento percentual semelhante.

Obviamente, precisamos esperar os demais concursos, mas parece que a antecipação das disputas propiciou um aumento de forma geral no número de concorrentes.

Cabe, então, a pergunta: por quê?

Uma resposta que me parece óbvia é que, com os calendários desatrelados do Grupo Especial e as alas de compositores “abertas” – ou seja, qualquer pessoa pode concorrer desde que atenda aos requisitos da disputa, parcerias mais atuantes tenham resolvido atuar de forma mais intensa no Grupo de Acesso.

Um bom exemplo é o compositor Serginho Sumaré, um dos expoentes da Beija Flor, que está assinando um samba no Império Serrano. Ou o próprio Cláudio Russo, voltando – pelo menos assinando – com um ótimo samba no Tuiuti.

Porque esta pode ser outra explicação: escritórios de samba enredo que acabavam priorizando certas escolas dada a sobreposição de datas acabam ampliando seus “mercados” dado o descasamento temporal existente este ano. É complicado você cravar que parceria A ou B são, na realidade, “pombos” dos escritórios, mas esta é outra explicação que é plausível para este aumento.

Vale lembrar que o regulamento dos desfiles não proíbe que um mesmo compositor assine um samba em mais de uma escola: o próprio Cláudio Russo, caso vença no Tuiuti, irá assinar em duas escolas haja vista a encomenda da Renascer.

O que é certo, contudo, é que este fenômeno está matando o que se chamava de “alas de compositores”. O colunista Aloisio Villar escreveu recentemente sobre o assunto e ele é muito mais versado no tema que eu para analisar este fenômeno. Recomendo.

Outro fenômeno interessante é que a interação entre as disputas de samba e a internet acabou gerando algo que não existia anteriormente: o resgate e a lembrança de sambas eliminados.

Como lembrou recentemente o leitor Marcelo Moutinho, antigamente existia um código não escrito de que os perdedores não fossem gravados por seus autores, a fim de “preservar” os vencedores da comparação. As exceções mais evidentes são o “Estrela de Madureira” – perdedor no Império Serrano em 1975, gravado por Roberto Ribeiro – e o “Mulher à Brasileira”, concorrente de Luiz Ayrão para o carnaval de 1978.

A propósito, ambos bem superiores às composições que foram efetivamente à avenida.

Recentemente Martinho da Vila gravou em seu cd “Enredo” algumas de suas composições derrotadas para a Vila Isabel – entre elas o belíssimo samba para o carnaval de 1978. Mas são iniciativas isoladas.

Com o advento da internet, as composições já são conhecidas e debatidas antes mesmo de chegarem à primeira apresentação na quadra. Com a possibilidade do armazenamento em MP3, vemos colecionadores formando amplos acervos de composições concorrentes, desde finalistas até aqueles que não passam da primeira apresentação. Eu mesmo tenho muita coisa da Portela de 2003 para cá arquivado.

Ironicamente, ao mesmo tempo em que torna mais conhecidas as composições, este fenômeno acabou por inflar ainda mais os custos. Hoje uma boa gravação, em estúdio de primeira, acaba se tornando indispensável – um samba mal avaliado na internet dificilmente irá se recuperar nas apresentações durante o concurso.

Vale lembrar que aquele que muitos – eu inclusive – consideram como o maior samba de enredo do Século XXI só venceu a disputa devido ao impulso dado pela internet e as redes sociais. O samba de 2012 da Portela causou um frisson tal no público carnavalesco quando de sua divulgação que muitos foram até à quadra torcer por ele e até prestaram auxílio financeiro, carregando o samba no colo até a vitória.

Por outro lado, temos fenômenos como o do compositor Paulinho Direito. Seus sambas sempre chamam a atenção pelas gravações toscas e composições, digamos, “limitadas”. Mas talvez por isso mesmo Direito se tornou uma espécie de “cult” na comunidade carnavalesca; sempre se está curioso em saber onde ele irá “atacar” – a última escola foi o próprio Império Serrano…

A propósito, fazendo um parêntese não deixa de ser curioso ver que Paulinho Direito escreve (ainda que com limitações) mais que 80% dos “compositores” vencedores do Rio de Janeiro.

Na prática, a internet mostrou que toda escola tem seus “Paulinhos Direitos”, ou, como prefiro denominar, seus “móveis e utensílios”. São aqueles compositores que concorrem todo ano, com sambas ruins e gravações improvisadas, sempre caem cedo mas garantem sua roupa para virem garbosos na Ala de Compositores. Talvez seja o maior “escritório” do carnaval carioca atualmente…

A experiência me mostra, aliás, que quando aparece um “móvel e utensílio” destes com um sambão, do nada, pode ter certeza que é “pombo” de escritório. Já vi diversos casos. É até natural: acaba sendo a chance de um compositor destes de integrar uma parceria vencedora.

Outra possibilidade que a internet trouxe é a de se ter uma visão geral do quão a safra final contemplou realmente os melhores sambas nas disputas ou se composições melhores ficaram pelo caminho. Ainda que se saiba que a visão proporcionada pela internet é incompleta, ficam mais claras aberrações como em uma certa escola do Acesso em 2015: haviam pelo menos seis sambas melhores que o vencedor, que fracassou inequivocamente no dia do desfile.

Outra possibilidade que a internet nos proporcionou nos últimos anos é a disponibilização de vídeos das apresentações em diversas quadras. Isso permite uma avaliação ainda melhor das disputas mesmo sem estar presencialmente nas quadras. Aliás, uma pergunta: por que a acústica e o som das quadras, em média, é tão ruim?

Finalizando, vale dizer que mesmo com tudo apontado acima, samba na internet é uma coisa, samba na quadra é outra e na avenida, uma terceira. Um samba pode ser ótimo em apenas duas passadas na gravação e se arrastar na quadra. Um outro pode não chamar a atenção em disco e se sustentar em mais tempo. E ainda há os que vão bem nas duas primeiras arenas e fracassam na avenida, ou vice versa.

Mas uma coisa é certa: para samba mal nascido não tem quadra ou avenida que dê certo…

Imagem e Vídeos: SRZD Carnaval

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