Ontem, partindo da ordem dos desfiles, comecei a analisar aqui os sambas-enredo da Série A, a segunda divisão das escolas de samba do Rio de Janeiro, para o Carnaval de 2017 – no final do ano passado, escrevi aqui e aqui sobre os sambas-enredo do Grupo Especial. Depois de analisadas as sete obras que passarão pela Sapucaí na sexta-feira, hoje falo, também a partir da ordem dos desfiles, das sete canções que embalarão as escolas do desfile de sábado.

O padrão das análises será o mesmo. Parti das gravações que fazem parte do CD oficial cuja produção, por sinal, não me agradou. Acho as faixas simples demais e a opção pela primeira passada sem bateria muito me incomoda. Até ajuda os sambas mais simples, mas os de melodia mais rebuscada acabam sendo prejudicados. Enfim, os critérios usados são os mesmos do Manual do Julgador: a nota varia de 9 a 10, dividida em décimos (9,0, 9,1, 9,2, etc), e resulta da soma entre os subquesitos letra do samba e melodia, ambos com notas de 4,5 a 5,0. Em letra do samba, avalia-se a adequação ao enredo, a riqueza poética, ou seja, a beleza e o bom gosto, e também a adaptação à melodia. Nesta, por sua vez, são levados em conta o ritmo do samba, a beleza e o bom gosto dos desenhos musicais e a capacidade de adaptação ao canto do componente.

Obviamente, não tenho a pretensão de ser jurado, nem tampouco de antecipar o julgamento oficial, uma vez que na Avenida algumas virtudes ocultas aparecem e outros defeitos que passaram batidos se tornam explícitos. Acho apenas que esse é o método mais justo de fazer uma análise já que, noves fora a relevância cultural e artística do samba-enredo, ele é feito a partir desses critérios estabelecidos pelo julgamento oficial. Para esclarecer melhor, já que no caso do Grupo Especial algumas pessoas interpretaram de outra forma: vou descontando pontos a partir dos erros, como manda o Manual. Não gosto desse sistema, mas é assim que funciona. O samba parte do 10 e vai perdendo ponto a cada erro, sem a possibilidade de recuperar esses pontos por seus acertos. Isso posto, o fato de um samba receber nota 9,0 não significa que ele é um desastre ou que não poderia ser pior. Significa apenas que houve pelo menos 10 ocorrências ao longo da obra. Como o intervalo de notas atual é muito pequeno, um 9,2 dá a impressão de que o samba é um completo horror, que de zero a dez ele merece um 2, o que não é verdade.

Acadêmicos da Rocinha: “No Saçarico da Marquês, Tem Mais um Freguês: Viriato Ferreira”

Compositores: Flavinho Segal, Fadico, Anderson Benson, Renato Galante, Dudu, Mauricio Amorim, Leandro RC, Octavio Vasconcellos, Wagner Rodrigues e Guilherme Cruz.

Intérprete: Leléu.

Da grande e merecida homenagem ao saudoso carnavalesco Viriato Ferreira surgiu um dos sambas mais agradáveis de se ouvir no Carnaval de 2017. A Acadêmicos da Rocinha traz uma obra que, a despeito de alguns tropeços aqui e ali, é para se ouvir uma, duas, três, quatro, duzentas vezes sem enjoar. Até porque é um samba leve, alegre, com o balanço que a escola tem apresentado nos últimos anos – melhor ainda se lembrarmos que a Borboleta abrirá a segunda noite de desfiles. É um samba criativo. Usa os elementos da sinopse quase sempre com boa amarração e aposta em variações que a todo momento surpreendem quem ouve – por isso mesmo não enjoa. Típico samba que não te conquista de cara, mas vai crescendo a cada audição.

O que ainda não me agrada, mesmo ouvindo exaustivamente, é o refrão principal. O “Quero ver segurar… Rocinha” é batidíssimo (-0,1 em letra). Além disso, apesar de correta, a melodia não contagia como no resto do samba. O destaque vai para a passagem “Olha a estrela no céu, é Viriato a brilhar / O grande artista da cultura popular”, que além de apresentar o homenageado ainda permite que ele “assuma” o posto de eu-lírico a partir da estrofe seguinte sem que haja uma quebra de sentido ou que o entendimento fique prejudicado. Infelizmente não posso dizer o mesmo do começo da estrofe em questão. Apesar da melodia ser linda, com desenhos muito inspirados e melodiosos, a passagem “Quando a minha Escola cruza o alvorecer / A borboleta me faz renascer / Nessa Avenida colorida” é extremamente confusa. A “Escola” não pode ser a Rocinha porque o desfile vai abrir a noite, de modo que o “alvorecer” não faz o menor sentido. Também não pode ser uma outra Escola qualquer pela qual o Viriato tenha desfilado no alvorecer porque a Rocinha está o homenageando (e o fazendo renascer) décadas depois. Enfim, vejo uma quebra nítida de sentido aí (-0,1 em letra).

Por outro lado, gosto muito do trecho “As luzes de um sonho iluminaram meu caminho / O teatro de revista traçou meu destino”. Além da letra ser bastante poética, especialmente no primeiro verso (acho esse “as luzes de um sonho”, uma referência ao próprio teatro de revista que encantou Viriato no início da carreira, lindo), a melodia foi muito bem desenhada com um prolongamento muito feliz na palavra “sonho” e uma subida de tom extremamente contagiante em “traçou”. Essa passagem se encerra de maneira muito boa em “Apoteose da ilusão” (por sinal, uma expressão muito agradável da brilhante sinopse que foi bem incorporada no samba), mas a transição para o desenho melódico seguinte ficou muito prejudicada pela repetição do “ilusão”. Além de ser um recurso pouco criativo, ele se encaixa melhor em sambas menos cadenciados, ou até mesmo naqueles mais “trash”. Em uma obra tão melodiosa, incomoda (-0,1 em melodia). É apenas um leve deslize em uma estrofe praticamente perfeita.

A passagem “É ordem do rei brincar sem parar / Do circo encantado / Às maravilhas do mar / Ao som dos tamborins, cheguei pra convidar / A sereia pra sambar” é inspiradíssima. Já que o samba é “cantado” pelo Viriato, ele mesmo apresenta alguns de seus Carnavais marcantes: “Hoje tem Marmelada” (Portela 1980) no segundo verso e “Das maravilhas do mar fez-se o esplendor de uma noite” (Portela 1981) no terceiro e no quinto. Ou seja: a partir de uma ordem de um rei carnavalizado ele mostra os seus trabalhos cheios de encantamento em meio a elementos próprios de um desfile como os tamborins. A melodia também é muito bonita: mais cadenciada e em tom mais baixo no primeiro verso, subindo no segundo, explodindo no terceiro, tendo uma leve queda no quarto e se encerrando com muita correção no último. São duas variações muito bem feitas em cinco versos. Como eu disse, é um samba que não cai na monotonia de jeito nenhum.

O refrão do meio também é bastante contagiante e a letra é linda. A passagem “Quando a bola rolou, a chuva caiu / O mundo aplaudiu o gênio João” é deliciosa de cantar com uma subida de tom bem costurada e que valoriza a melodia. Além disso, é uma homenagem muito bonita a Joãosinho Trinta, amigo de Viriato e de quem ele foi assistente por muitos e muitos anos até alçar voo solo na Portela. A citação ao desfile “O mundo é uma bola” (Beija-Flor 1986) não vem por acaso. Primeiro porque de fato “o mundo aplaudiu” já que a bola utilizada no abre-alas foi utilizada na cerimônia de abertura da Copa do Mundo do mesmo ano. Depois, porque é como se o homenageado apresentasse um dos muito desfiles marcantes do “gênio João” para “explicar” a passagem também muito inspirada: “A arte nas asas de um beija-flor / Do lixo ao luxo, o talento do professor”.

A referência à Beija-Flor de Nilópolis é nítida e o último verso destaca o talento de Joãosinho a partir de sua maior marca: o contraste entre o luxo que apresentou durante toda a carreira e o lixo genial de “Ratos e urubus: larguem minha fantasia” (Beija-Flor 1989). De certa forma, os compositores resumiram em quatro versos a carreira de J30. E fizeram isso com competência extrema. Vale também destacar a belíssima melodia desse trecho. Foi acelerado na medida certa e a estrutura é irretocável.

A entrada da terceira estrofe também tem letra e melodia de grande felicidade. No trecho “Embarque no trem que vai te levar / Eu vi na história a coroa brilhar / O que a banana tem? Cai nessa festa / Vista a fantasia, é Carnaval, meu bem” usa-se o mesmo recurso do final da primeira estrofe e o resultado novamente é muito satisfatório. Com um outro elemento mágico (o embarque no trem), ele convida o público a relembrar sua história na Imperatriz Leopoldinense (daí o “coroa brilhar”) com o desfile de 1991, “O que a banana tem?”. E sempre com uma carnavalização muito agradável representada através de expressões como “cai nessa festa” e “vista a fantasia”. A melodia também é muito boa. Os versos são muito melodiosos e agradáveis e são cantados no tom exato. Nem mais alto a ponto de atrapalhar a melodia, nem mais baixo a ponto de cansar. Melodicamente, o samba atinge um clímax fantástico em “Amor… De Ramos vi brotar a linda flor / E hoje colhe os frutos que plantou / É a “rosa” mais bela desse meu jardim”.

É uma linda homenagem à gigantesca Rosa Magalhães, com ótimas sacadas herdadas da sinopse como o “linda flor” em referência ao nome “Rosa” e a ideia do “meu jardim”. A melodia, como eu disse, atinge o clímax com versos empolgantes e ao mesmo tempo muito bonitos. Mas a letra derrapa levemente duas vezes. Primeiro (e mais grave): nem com toda a boa vontade do que chamamos de “licença poética” dá pra fazer vista grossa para o “De Ramos vi brotar a linda flor”. Rosa Magalhães passou por Salgueiro, Portela e Beija-Flor e se tornou carnavalesca do Império Serrano antes de chegar à Imperatriz, de modo que essa flor não brotou de Ramos (-0,1 em letra). Além disso, o uso do “e hoje colhe” apresenta um erro de concordância. O correto seria ou “E hoje ela colhe” ou “Que hoje colhe” (-0,1 em letra). Nada que atrapalhe muito o desenrolar do samba, mas é um erro que pode ser descontado por partes dos jurados.

O final do samba tem um quê de apoteose, como sugere a sinopse: o verso “No “saçarico” do Marquês, a Sapucaí vai levantar”, referência ao desfile de Rosa Magalhães “Marquês que é Marquês do Saçarico é freguês” (Imperatriz 1993), que homenageou o já falecido Viriato em seu final, tem uma melodia fantástica (sobretudo em “No “saçarico””, quando a melodia é quase um convite pra invadir a avenida e brincar o Carnaval) e introduz o grande momento do enredo que é a saudação do público ao homenageado, evidenciada em “Pra aplaudir de pé, eu sou mais um freguês”. O último verso, “Oh, mestre… Aonde estiver…”, até se destaca como se o público assumisse a função de eu-lírico, mas a letra pede um complemento a esse “aonde estiver” (-0,1 em letra).

Letra do samba: 4,5. Melodia: 4,9. Nota: 9,4.

Acadêmicos do Cubango: “Versando Nogueira nos Cem Anos do Ritmo Que É Nó na Madeira”

Compositores: Gabriel Martins, Ronaldo Mello, Rafael Coutinho, Robson Ramos, Sergio Careca, Dema, Alessandro Falcão, Vinicius Xavier, Thiago Farias, Duda, Lequinho, Fadico, Jr Fionda, Neyzinho do Cavaco e Igor Leal.

Intérprete: Hugo Júnior. Participações Especiais: Diogo Nogueira e Thais Macedo.

Talvez nenhum dos enredos do Carnaval do Rio de Janeiro tenha facilitado tanto a vida dos compositores quanto esse da Cubango. Falar do centenário do samba tendo como fio condutor o grande João Nogueira é quase que suficiente para garantir uma obra de alta qualidade. Por outro lado, a expectativa também passa a ser maior. Fazendo uma analogia com o atletismo, o sarrafo fica mais alto. Isso posto, é dever destacar que a Cubango passou tranquilamente por esse desafio e superou as melhores expectativas com esse sambaço que figura tranquilamente entre os melhores do ano no Carnaval carioca. É uma obra que atinge um mérito cada vez mais raro em tempos de sinopses que engessam ao máximo o compositor: fala de amor. Amor pelo samba, amor por uma morena, amor por uma escola… É uma letra que o próprio João Nogueira assinaria, talvez. Serve como samba de enredo, serve como samba de meio de ano, serve como qualquer coisa. É uma declaração de amor que ultrapassa a mera descrição de um tema.

Já no curtíssimo refrão principal aparece um verso de felicidade rara: “Ôô… Eu sou o espelho do espelho que não quebrou”. Repare que bonito. O samba é cantado em primeira pessoa por João Nogueira, que tem em “Além do Espelho” um dos seus grandes sucessos. Nessa música, ele diz que no espelho vê o olho de seu pai que já morreu. Diz também que o seu maior medo é que o espelho se quebre. Depois, conclui que o seu filho é o espelho do seu próprio espelho. Portanto, esse verso destacado diz que João Nogueira também é o espelho do espelho de seu pai e que esse não se quebrou, como ele temia. Muito bonito.

A Cubango também é exaltada no verso “Cubango é nó na madeira”, se aproveitando de um termo usado por João em outro de seus sucessos, “Nó na madeira”, e que significa algo marcante, forte, que resiste e persiste a tudo. A melodia deste refrão também é magnífica por sua ousadia. O verso final não parece encaminhar o final da estrofe, mas um criativo prolongamento na palavra “madeira” criou um desenho melódico muito bonito e diferente. Foi uma aposta de risco porque poderia ter ficado esquisito, mas felizmente não ficou. Pelo contrário.

No primeiro verso da segunda estrofe o poeta clama por sua inspiração e se apresenta com uma simplicidade digna de seu perfil: “Com prazer sou João / Um certo Nogueira”. Do primeiro para o segundo verso há uma ótima variação melódica decrescente. O samba começa lá em cima e vai caindo ao mesmo tempo em que a melodia vai ficando mais rebuscada, com desenhos muito bonitos e que apresentam perfeito entrosamento com a letra. Também acho muito forte e muito bela a passagem “Sou resistência a correr nas veias / E poesia feito “lenha na fogueira””, que apresenta mais uma referência a “Nó na madeira” (“sou nó na madeira, lenha na fogueira que já vai pegar…”) para destacar a resistência do samba.

O momento mais belo do samba é logo na sequência, quando o homenageado passa a contar a história do ritmo. Os versos são simplesmente maravilhosos, com destaque para “Em tempos de versos açoitados / Batuque acorrentado / Meu samba não se calou”, que evidencia a gênese do samba a partir dos escravos açoitados e acorrentados. A melodia ganha uma aceleração de ótimo tom e joga o samba “pra cima” outra vez. Ao destacar a popularização do samba e as celebrações pelo seu centenário, o samba tem outra tirada genial: “Quebram-se as correntes do passado / Hoje o samba é magistrado / Tem diploma de doutor”. Ou seja: o samba deixou de ser coisa de escravos acorrentados e virou intelectual, ganhou a classe média.

O mais incrível é que é uma passagem que pode ser interpretada tanto como uma celebração, quanto como uma crítica. Porque, como quase tudo nessa vida, essa transformação tem seu lado bom e seu lado ruim. A única coisa que me incomoda muito levemente é que as células melódicas desses três versos são praticamente idênticas às dos três versos anteriores, o que passa uma sensação incômoda de que o samba está se repetindo (-0,1 em melodia). O final da estrofe é muito bom, se aproveitando de outra canção de João Nogueira (“Poder da criação”) para mostrar a capacidade desse ritmo em ser “A cura da mente e do coração”.

Com uma melodia extremamente ousada, que consegue ser bastante densa e criativa mesmo com um tom mais alto, a estrofe central é mais um dos falsos refrãos que passarão pela Sapucaí em 2017. É muito bonito, já que é uma homenagem à cantora Clara Nunes, o que fica evidente no verso “Nesse terreiro tem Clara guerreira”. A religiosidade da cantora é demonstrada com uma poesia singular. Primeiramente relembrando o “batucajé”, uma dança afro-brasileira que virou título de música de João Nogueira. Depois, por um dos versos mais bonitos desse Carnaval: “Firmei o ponto no canto de um “sabiá””. Firmar o ponto significa cantar coletivamente um cântico da umbanda, religião de Clara Nunes. “Sabiá” é o apelido que ela recebe na música “Um ser de luz”, feita em sua homenagem por João e Paulo César Pinheiro, àquela altura já viúvo da cantora.

A melodia também recebe uma “pegada afro” que se desenvolve até o verso “Tem axé para iluminar”. Sendo axé uma força para os iorubás, a passagem “Tem axé para iluminar / A força do meu caminhar”, destaca Clara Nunes iluminando o caminho de Nogueira. Nesse último verso a melodia já retoma um caminho mais suave e em seguida a letra fala da religiosidade do próprio João através do verso “E de joelhos saudei o meu orixá”.

Já disse aqui algumas vezes que rechear o samba de músicas famosas de um homenageado não é necessariamente sinônimo de falta de criatividade. E aqui vai mais um exemplo. Na música “Maria Rita”, Nogueira fala sobre uma cabrocha pela qual se apaixonou e a quem nunca mais viu. Em “Retrato de saudade”, da nostalgia com a juventude.  Pois agora veja o início da terceira estrofe: ““Por onde andarás”, morena / Cabrocha que roubou meu coração / “Restou essa saudade” da pequena / E o “consolo do antigo violão””. Veja que coisa fantástica!!! A desilusão pela partida da cabrocha misturada ao consolo provocado pelo violão. A melodia é densa, quase dolorida, como pede a letra. Por essas e outras digo que seria um ótimo samba de meio de ano.

E o complemento? “E é por isso que eu vivo no clube do samba / Em terreiros de bambas a cantar”. É um verso que está justamente na música “Clube do Samba” como uma cura para as dores no amor. A melodia passa a subir, subir, subir e quando tudo sugere uma explosão… Vem uma outra célula melódica lindíssima, em perfeito casamento com a letra. Foi difícil, mas elegi essa passagem como a mais bonita da obra: “Num beijo apaixonado de Oswaldo Cruz em Madureira / Nascia um verdadeiro amor / Nas asas de uma águia altaneira”. A ideia do beijo apaixonado de Oswaldo Cruz em Madureira é absolutamente brilhante e arrebatadora. E é ele quem faz nascer a paixão do cantor por sua Portela. Fantástico. Por mim, o samba se encerraria ali, mas os compositores optaram por mais quatro versos que parecem mais uma estrofe à parte. Não chega a me incomodar, mas também não brilha em termos melódicos. Mas vale o destaque para outra linda homenagem à Portela: “Vou viver pra sempre nesse manto / Existir nesse azul, repousar no teu branco”.

A gravação não ficou boa. A presença de Diogo Nogueira, filho de João, dá um charme especial (e ele canta muito bem). A ótima Thais Macedo, rainha de bateria da escola, também valoriza muito a obra. Mas a presença dos dois acabou escondendo o intérprete oficial, Hugo Junior, e deixou a gravação um pouco confusa com essa “salada” de vozes. Hugo, por sinal, parece ter evoluído de maneira assombrosa do ano passado para cá, mas ainda está um pouco abaixo da média. Precisa se conter mais nas reverberações.

Letra do samba: 5,0. Melodia: 4,9. Nota: 9,9.

Inocentes de Belford Roxo: “Vilões, O Verso do Inverso”

Compositores: Samir Trindade, Júnior Trindade, Beto Rocha, Ribeirinho, Gilberto Oliveira, Thiago Alves, Domingos do Peixe, Dilson Marimba, Girão, Elton Babu e Neyzinho do Cavaco.

Intérprete: Nino do Milênio.

Simplesmente não funcionou. A ideia do enredo é legal, a ideia de fazer um samba mais despojado me agrada, mas não deu certo. Acontece, mas mesmo assim é para se lamentar. Mesmo com um grupo talentoso de compositores, o samba é de uma infelicidade gigantesca e desponta como o pior dos sambas-enredo que passarão pela Marquês de Sapucaí nesse Carnaval. Com uma letra pobre, com erros claros de concordância, e uma melodia cansativa, que não deu ao samba a alegria que ele pretende passar, a obra tem raríssimos momentos de inspiração e nem mesmo parece ter chances razoáveis de surpreender no desfile – sobretudo porque a posição de desfile é pra lá de ingrata, com grandes escolas e grandes sambas vindo antes e depois.

O refrão principal, apesar da melodia excessivamente convencional e sem nenhuma variação que dê à obra o respiro que ela pede após o arrastamento das estrofes anteriores (-0,1 em melodia), tem uma letra que me agrada. É despojada, solta, pra cima. Acho que derrapa apenas no “Vou virar pelo avesso, de trás pra frente / De baixo pra cima, sou Inocentes”. Essa subversão total da ordem é ótima (e é grande sacada do enredo), mas faltou dizer o que é que vai ser revirado. Claro que fica subentendido ao ler a sinopse, mas a letra precisa fazer sentido para quem não conhece o tema tão profundamente (-0,1 em letra). Por outro lado, o verso “O vilão na avenida “é vencedor”” conseguiu sintetizar toda a essência da proposta de Carnaval da Inocentes sem precisar fazer um grande esforço.

A primeira estrofe tem uma melodia apenas correta. Linear, sem nenhuma variação, tem uma regularidade que chega a me incomodar (-0,1 em melodia). Sobretudo quando ouvido várias vezes, o samba cansa. A primeira estrofe não termina. E, mais uma vez, há um contraste com uma letra que parece implorar por uma melodia mais solta. Falando em letra, a descrição do enredo até me parece satisfatória, mas vejo duas falhas. Uma é bem grave: “O bem e o mal virou o jogo” apresenta um erro claro de concordância, já que o correto seria “viraram o jogo” (-0,1 em letra).

A outra eu nem sei se dá para chamar de falha, mas é algo que me incomoda. O samba-enredo tem função social. Tem a obrigação de entender o contexto e o momento em que está inserido. Por isso, por mais que esteja clara, nítida e evidente a ausência de maldade, não consigo aceitar o verso “Beijo roubado não é pecado”. Vou repetir: não há maldade nenhuma. É apenas uma brincadeira antiga, que está dentro da proposta do enredo, com um vilão cujo crime é sair roubando beijos em bailes carnavalescos. É “roubado” no sentido de ser surpreendente. Eu entendi tudo isso. Mas vou repetir também: há de se respeitar o momento em que se vive.

Beijo roubado pode não ser pecado, mas é crime. Em 2017, acho que é preciso brincar com responsabilidade. E isso faltou nesse trecho. Estamos todos nessa batalha para que as pessoas sejam respeitadas, para que o consentimento seja a regra número um e no Carnaval essa é uma missão complicada já que as pessoas teimam em passar da conta. Por isso, considero esse verso de extremo mau gosto apesar de, mais uma vez, reconhecer que não há maldade (-0,1 em letra). Diferentemente do saudável e bem sacado “Vem desse jeito, amor / Que hoje eu tô que tô / Deixa a serpente te abraçar”. Outro trecho ótimo é o “Eu não sou marginal, sou marginalizado”, quando o vilão sugere que sua vilania está muito mais na cabeça de quem o vê do que propriamente em seus atos. É uma mensagem interessante, criativa e que abre margem para muitas interpretações. Diria até que é a veia do enredo que os compositores não encontraram no resto do samba.

O único momento em que o samba foge um pouco do lugar comum em termos melódicos é no refrão do meio. Os desenhos são agradáveis e, embora não cheguem a provocar uma explosão, são bem animados. A letra, porém, derrapa feio em “Cobriu a cabeça e o bumbum de fora / Eu também quero, é minha hora”. Primeiro, não se sabe quem cobriu a cabeça. Depois, fica nítido que não coube o “ficou” em “e o bumbum de fora”. Por fim, não fica claro o que é que o eu-lírico quer (-0,2 em letra). Há ainda uma crítica social que, embora meio deslocada do resto da estrofe, é bem interessante: “Por onde andam os heróis do meu Brasil? / Ninguém sabe, ninguém viu”. É o vilão da Inocentes procurando um herói brasileiro para entrar em conflito e não encontrando. Bem legal.

A entrada da terceira estrofe também é bem interessante. A passagem “Oh! Seu moço, foi essa vida que me fez assim / Quando a máscara cair, por favor, olha pra mim” também me sugere uma crítica social muito bem feita e dialoga com aquele verso da primeira estrofe sobre o marginal que na verdade é marginalizado. No primeiro verso, o vilão quase que se desculpa e tenta justificar a sua posição de vilão a partir de sua condição (de marginalizado, podemos supor). No segundo, clama por atenção quando a sua máscara de vilão enfim cair. Excelente. A melodia também é boa. Densa, com um prolongamento bem feito. Mas dura pouco.

A partir do verso “Desculpe, amor, se um dia fiz você chorar” o samba afunda completamente. Nesse verso, o “se um dia fiz você chorar” é praticamente impossível de se cantar tamanha a descida de tom (-0,1 em melodia). No verso seguinte, o problema é o inverso: a subida em “Foi ilusão, um personagem pra te encantar” é complicadíssima e torna o conjunto muito estranho (-0,1 em melodia). E, por fim, a transição para “Vou levar a chave do seu coração” foi muito mal feita. Esse “vooooooooou” me incomoda demais e também é difícil de ser cantado sem que o samba se arraste (-0,1 em melodia).

Por outro lado, gosto muito da letra. Na passagem do “Desculpe, amor, se um dia fiz você chorar / Foi ilusão, um personagem pra te encantar”, o vilão volta a aparecer humanizado e ainda esbanja uma enorme segurança na sequência, quando tem a certeza de que roubará corações. O final do samba também é ótimo e tem casamento muito bom entre letra e melodia. Até pela história recente da escola, que até hoje é injustamente marcada por ter subido ao Grupo Especial quando fez um desfile competente, mas inferior ao do queridinho Império Serrano, é muito legal ver esse sambista vilão vestindo a camisa da escola e alertando que é um bom sujeito, dá a resposta no samba e vem da Baixada, que também é terra de gente bamba. Uma pena que o resto do samba não acompanhe esse momento de inspiração.

Nino do Milênio mais uma vez fez a pior gravação do CD. O estilo “tenor” não me agrada para a gravação de um samba-enredo. Para piorar, como esse samba tem uma melodia muito “reta”, a tentativa de tentar criar variações que não existem de fato acabam tornando a gravação ainda mais cansativa.

Letra do samba: 4,5. Melodia: 4,5. Nota: 9,0.

Império Serrano: “Meu Quintal É Maior do Que o Mundo”

Compositores: Tico do Gato, Andinho Samara, Victor Rangel, Jefferson Oliveira, Ronaldo Nunes, Totonho, André do Posto 7, Vagner Silva, Vinicius Ferreira e Rafael Gigante.

Intérprete: Marquinhos Art’Samba.

Pelo menos para o meu gosto pessoal, esse foi o samba que mais cresceu em relação ao período das disputas – nas quais, por sinal, nem era o meu preferido em uma safra que tinha dois sambas melhores no meu julgamento. A justíssima homenagem ao centenário do poeta Manoel de Barros, que já havia gerado um samba dos mais aclamados no ano passado com a Acadêmicos do Sossego, rendeu uma obra de letra bastante inspirada e melodia valente, como pede o Império Serrano. É um samba que deve tocar o coração do imperiano, já que reúne também uma exaltação à agremiação que completa 70 anos em 2017.

O refrão principal é dos mais fortes do ano. É pra todo imperiano bater no peito com força e cantar “A minha história já fala por mim / Sou resistência, orgulho sem fim”. É forte, de melodia valente, para o samba de fato explodir. O enredo também é bem contextualizado através da expressão “Tem poesia no ar” e a estrofe se encerra com outra bela auto-exaltação, que é dizer que o público já sabe quem vem por aí só de ouvir o toque do agogô. A primeira estrofe começa apresentando o enredo com extrema competência nos versos “Abre a janela, vem ver ôô / Poesia brotar do quintal / O carnaval florescer / Menino Bernardo em meu ser / Reinvento o meu Pantanal”. O contexto da poesia de Manoel de Barros, com a janela aberta e o quintal servindo de inspiração, é apresentado com clareza.

A ideia do Carnaval florescendo também é uma boa sacada, misturando o “florescer” que tem a ver com o ambiente pantaneiro ao nascimento de um desfile. O eu-lírico fica um pouco indefinido, mas é possível interpretar como o próprio Manoel, já que trata-se de um nativo da região. Além disso, “Bernardo” é o nome de um amigo do poeta e que muitas e muitas vezes em sua obra foi também o seu alter-ego, simbolizado como um deus guardião das matas. Assim, o “Menino Bernardo em meu ser” indica que a letra é conduzida pelo próprio homenageado. Muito bonito. A melodia também é muito boa, com o desenho do terceiro verso ganhando uma repetição muito agradável no verso seguinte.

A estrutura dos versos em toda a primeira estrofe é muito parecida (eles começam mais lentos e vão acelerando), mas não se torna cansativa. No verso “Reinvento o meu Pantanal”, o Manoel-Bernardo passa a descrever a paisagem local através da sua própria obra. Daí surgem versos muito bonitos como “O som do apito a tocar anuncia a cor / Um canto verde do índio enfeitiçou”, que representa o apito do índio Terena. O final da estrofe também é muito inspirado.

A melodia ganha contornos mais densos e atinge perfeito entrosamento com a letra na passagem “Guardando o segredo das águas / Regando o Mar de Xarayés / O Eldorado reina aos meus pés”, que passa a ideia do Menino Bernardo vendo, interpretando e cuidando do seu lugar. É linda a imagem do alter-ego de Manoel de Barros regando o mitológico e fictício mar de onde por muito tempo se acreditou ter nascido o Pantanal – o que explica inclusive a expressão “segredo das águas”. O Mar de Xarayés, inclusive, tem forte relação com outro mito, o do Eldorado, uma cidade de ouro no meio da selva.

A estrofe central nem chega a ser propriamente um falso-refrão. A melodia fica mais animada, com tons mais altos e o samba empolga. A letra também tem sacadas ótimas como “O som que salta do brejo / Empresto à viola”, que simboliza a música local a partir dos sons vindos da mata. O trocadilho de “A paz do meu lugar “aflora”” com a palavra “flora” não chega a ser brilhante, mas também não incomoda. O desenho melódico, por sua vez, é ótimo. Ele dá uma leve caída para explodir novamente na fantástica sequência de quatro versos que se seguem. Primeiro, porque a paz pantaneira é comparada ao Império em procissão, o que é bem bonito. Depois, porque a declaração de amor ao Pantanal ganha mais versos inspirados como “Enfeito meu coração, morada do meu viver”.

As rimas diretas nos versos 1 e 3 (“procissão” e “chão”) e 2 e 4 (duas vezes “coração” e “viver” e “entardecer”) dão uma sensação de repetição que permitem com que o samba recupere o fôlego mesmo sem um refrão de fato. O último verso, “Bandarra é meu coração, que voa no entardecer” é outro achado. “O bandarra” (que quer dizer homem vadio, preguiçoso) é um poema onde Manoel exalta um homem “desorgulhoso” que “só pelo olfato descobria as cores do amanhecer”. Dizer que seu coração é “bandarra” e que este voa no entardecer, então, é uma homenagem das mais bonitas.

A transição melódica desta estrofe central para a terceira é magnífica e a passagem um pouco mais travada do verso “Menino do mato, o nosso verde fez o céu emocionar” é deliciosa de cantar. O “nosso verde” representa a união entre o verde das matas e o verde da escola. Também é muito boa a passagem “E o branco então floriu meu chão / Atento a um feroz olhar”, que usa de um certo lirismo para falar dos riscos do Pantanal. A melodia atinge um novo pico de explosão na sequência, em “Luar que me traz a lembrança” e depois segue com tranquilidade até aquele que é o momento mais emocionante do samba, mas também o momento onde ele derrapa levemente. “Reizinho… De tantas vitórias / Cantando eu declamo esse amor por você / Eu sou Império / Abra meu livro, pois tu sabes ler”. Olhando verso a verso, é lindo. Sobretudo o último verso, retirado do histórico samba de 1992, “Fala, Serrinha! A voz do morro sou eu mesmo sim senhor”.

O problema é que o eu-lírico fica extremamente confuso em um conjunto. A minha primeira interpretação é que nessa estrofe o eu-lírico passa a ser o Império Serrano, já que o “menino do mato” passa a “ouvir” e não mais a falar. Nesse caso, a estrofe mudaria de eu-lírico três vezes. De Manoel para o Império no começo, do Império para Manoel (ou para um terceiro eu-lírico, veja que confusão) em “Reizinho… De tantas vitórias / Cantando eu declamo esse amor por você” (até poderia ser a escola falando já que o Menino Bernardo também é chamado de “Reizinho”, mas nesse caso o “de tantas vitórias” perde o sentido) e depois volta de Manoel para o Império nos dois versos finais, quando a escola fala dela em primeira pessoa. Se interpretarmos que durante toda a estrofe o eu-lírico é Manoel de Barros, a única mudança é nos dois versos finais, o que seria mais aceitável. Porém, além de faltar clareza nessa construção, o “Cantando eu declamo esse amor por você” ficaria bastante forçado , já que o poeta nunca teve uma relação das mais próximas com a escola. Enfim, uma grande confusão (-0,1 em letra) que compromete justamente a grande apoteose do samba.

Marquinhos Art’Samba tem a melhor interpretação do CD. Valente, como pede a escola e o samba, valoriza a melodia e emociona com a voz potente que parece ter nascido para o Império Serrano.

Letra do samba: 4,9. Melodia: 5,0. Nota: 9,9.

Unidos de Padre Miguel: “Ossain – O Poder da Cura

Compositores: W. Corrêa, Samir Trindade, Cláudio Russo, Marquinhos, Alan Santos, Jr. Beija-Flor, Ribeirinho, Dilson Marimba, Carlinhos do Mercadinho e Cabeça do Ajax.

Intérprete: Pixulé.

Dizem que enredo afro não dá samba ruim. Eu discordo. Acho que samba bom e samba ruim saem de qualquer lugar, sendo os enredos responsáveis apenas por aumentar ou diminuir a probabilidade de uma coisa ou outra. Agora… Enredo afro na mão de compositor bom em uma escola como a Unidos de Padre Miguel… Dificilmente não vai dar certo. Aliás, que coisa impressionante a discografia recente dessa escola. Cinco anos de Série A, nenhuma reedição, e o samba mais fraco desse período é muito bom. Impressionante. No caso do samba de 2017, trata-se de uma obra pesada como pede o enredo em homenagem a Ossain, o orixá das folhas sagradas e ervas medicinais. Apesar das expressões complicadas em iourbá, a letra é impressionantemente didática e é possível compreender o enredo com perfeição mesmo sem conhecer a história (como eu não conheço, por exemplo). Convenhamos, é um mérito raro em enredos desse tipo.

Eu gosto muito do refrão principal justamente por isso. É didático e apresenta os elementos do enredo de maneira simples. Está certo que muita gente não vai entender o “Vai ter xirê, ogans e alabês / Ossain motumbá” (em uma tradução livre, xirê é a festa do candomblé para os orixás, ogans são os responsáveis por proteger as casas de culto e alabês são os tocadores de atabaque, uma espécie de tambor menor; motumbá é um pedido de bênçãos), mas a mensagem do enredo se torna cristalina nos versos “Hoje a Unidos de Padre Miguel / Tem o poder de curar”.

A melodia também é bastante alegre, em perfeito entrosamento com esse clima de festa e exaltação para Ossain. A métrica também é irretocável: nenhuma sílaba é atropelada, nem precisa de um prolongamento que prejudique o canto. Perfeito. Na saída desse refrão, a melodia já ganha desenhos mais pesados em outro trecho bastante simples de entender: “Os tambores da floresta / São clamores pela cura / A raiz se manifesta / Onde a seiva se mistura” (seiva, pra quem como eu já esqueceu das aulas de biologia, é o líquido encontrado no interior das árvores e onde repousam os seus nutrientes).

Na sequência, há outra transição irretocável para um trecho um pouco mais acelerado em “Cai a tarde vai cruzando o céu eye” – eye significa pássaro em iorubá. Depois, nova transição para um trecho mais melodioso: “O olhar sagrado vai resplandecer / A quem foi um dia escravo, senhor do axé”. Repare como a letra praticamente não faz uso de termos complicados até enfim iniciar a história de Ossain propriamente dita, com o olhar sagrado resplandecendo sobre ele. Repare também que eu citei três variações melódicas. Suficiente para não deixar o samba cair na mesmice e, melhor ainda, sem nenhuma gambiarra melódica entre uma mudança e outra.

O samba começa a ficar um pouco mais complicado a partir da passagem “Ossain massera nas folhas a fé / Ossanha prepare o pilão” e aí tem uma coisa que me incomoda. Ossain e Ossanha são, na verdade, a mesma coisa. Então, o uso de dois nomes diferentes confunde, pois passa a impressão de que são diferentes (-0,1 em letra). Eu, por exemplo, sou completamente leigo no assunto e cheguei a pensar que Ossanha fosse a mulher de Ossain, o que agora sei ser algo completamente absurdo. À parte isso, a letra segue irretocável, com Ossain “macerando”, ou seja, preparando as folhas dentro de um pilão para extrair seus poderes medicinais. Outro verso extremamente didático é o último, “A sua missão é legado de olodumare”, que explica como o seu talento para a cura foi reconhecido por Orunmilá, o enviado divino de Olodumarê.

À época da disputa, considerava a passagem desta estrofe para o refrão do meio o melhor momento do samba. Era forte e ao mesmo tempo alegre, gostoso de cantar. Agora, com uma subida de tom e um prolongamento na melodia, não me agrada mais o verso “Êh katende, lá na mata da Jurema” (-0,1 em melodia) – Katendê é o senhor das florestas e Jurema uma cabocla guerreira que conhece cada palmo das matas. No conjunto, porém, o refrão é espetacular ao incorporar uma frase conhecida em relação a Ossain: “Kosi ewe kosi orixá”, que significa “sem folhas, sem orixá”. Neste verso há um outro prolongamento melódico, mas agora com efeito totalmente contrário: é maravilhoso! Em “Abô, abô” (“abô” são águas de talhas de barro que se misturam à folhas maceradas), idem.

O final da estrofe tem outra variação melódica bem construída: o verso “Preto Véio ensinou, hoje eu quero me banhar” recebe uma leve aceleração e contagia. Mas acelerada mesmo é a entrada da terceira estrofe, que depois da mudança no refrão do meio se tornou o melhor momento do samba em termos de melodia. Falo da passagem “A lua de prata clareia / Babalossain na aldeia” – Babalossain é o sacerdote encarregado de recolher as ervas que serão preparadas para o ritual.

O samba também mostra os conflitos de Ossain com Xangô, que não aceitava não deter o conhecimento sobre as folhas. Esse conflito é muito bem explicado no trecho “Xangô tentou se apoderar / Clamou aos ventos de Yansã / Mas o mistério sempre estará / Nas mãos dos filhos de Nanã”. É uma história longa. Xangô, irritado por não ter o conhecimento sobre as folhas, pediu para Iansã preparar uma forte tempestade para derrubar a cabaça (como são chamados os frutos de algumas árvores) onde Ossain guardava suas folhas mais poderosas. Deu certo e cada orixá pegou uma folha.

No entanto, só Ossain, o filho de Nanã, tinha conhecimento sobre cada uma delas, de modo que seguiu reinando absoluto. Longa, mas que foi muito bem resumida em quatro versos e com uma melodia linda. Ossain também é filho de Oxalá, o que explica o verso “Oxalá ao seu herdeiro minha devoção”, onde o samba volta a atingir notas mais altas com muita competência. O final do samba também é absolutamente apoteótico. A passagem “O samba é o remédio da alma / O sassayn que vai além” é magnífica. Sassayn é um ritual que confere às folhas o seu poder de curar. Ou seja, o samba é esse sassayn, mas um sassayn que vai além e cura não só o corpo como também a alma. Espetacular! O último verso é sugestivo: “Chegou o dia, na tribo da Vila Vintém”. Chegou o dia… Do desfile? Ou o dia de finalmente ser agraciada com o acesso que vem merecendo há tantos anos? A conferir. Se depender da melodia animada, que leva para a apoteose do refrão principal, não vai ser nenhuma surpresa.

Pixulé canta um samba que é a sua cara. A voz fantástica agrega valor à obra, mas em alguns momentos ele se empolga demais com os tons mais altos e acaba tirando um pouco a beleza de melodia.

Letra do samba: 4,9. Melodia: 4,9. Nota: 9,8.

Renascer de Jacarepaguá: “O Papel e o Mar”

Compositores: Cláudio Russo, Moacyr Luz e Diego Nicolau.

Intérpretes: Diego Nicolau e Evandro Malandro.

Que escola necessária vem sendo a Renascer de Jacarepaguá… Diante de uma situação financeira e estrutural desfavorável, a escola bem que poderia ter recorrido aos enredos patrocinados ou a alguma temática que lhe permitisse reciclar materiais e ideias infinitamente. Mas, não. Preferiu mudar radicalmente a linha de seus enredos e, de 2014 para cá, vem dando um banho de cultura na Marquês de Sapucaí. Em 2017, leva para a Avenida o melhor enredo de sua história e um dos melhores enredos que o Carnaval já viu. Leva no palco maior da cultura popular uma mensagem de reverência a dois dos personagens mais importantes de nossa história.

Simbólicos, viscerais e tristemente esquecidos: Carolina de Jesus, a catadora de papelão que virou escritora best-seller, e João Cândido, o líder da Revolta da Chibata, deveriam ser heróis nacionais pelo que representam. Mas são esquecidos na maior parte do tempo. Não para a Renascer, que faz de um encontro fictício entre ambos, idealizado pelo cineasta Luiz Antônio Pilar em um curta-metragem de 2010 homônimo ao enredo, a base para aquele que é o melhor samba inédito do ano em todo o país em 2017. A partir da encomenda de samba, recurso este que não me agrada, a escola chega ao que talvez seja também o melhor samba de sua história.

O que dizer desse refrão principal? João Cândido, chamado de “Mestre-sala dos mares” em música de João Bosco e Aldir Blanc, é questionado pela escritora: “Oh mestre-sala quem te ensinou a bailar”. A resposta é simples, singela e, ao mesmo tempo, arrebatadora: “Um marinheiro sabe o balanço do mar”. E é então que eles se permitem, juntos, celebrar: “A chibata não estala mais”, sem esquecer, no entanto, que aos negros como eles ainda falta muita coisa: “Quantos sonhos guarda o velho cais”. É uma letra magnífica, acompanhada por uma melodia lenta. Não é um samba que quer cair no oba-oba e nem pode. É samba para ser desfrutado aos poucos. Para, a cada audição, descobrir algo diferente na letra ou na melodia. É forte como João Cândido e poético como Carolina de Jesus. Como ambos, desafia padrões, rompe com convenções e luta para que sua condição distante dos holofotes não lhe faça cair no esquecimento. E esse refrão acaba sintetizando tudo isso. Além, claro, de ser gostoso demais de ouvir e cantar (a levíssima subida de tom em “A chibata não estala mais” é espetacular).

A primeira estrofe começa com uma apresentação: “Almirante João / Sou Carolina de Jesus / Carrego papelão, você navega sua cruz”. Olha que coisa bonita. O “carrego papelão” vem da profissão de catadora de lixo que Carolina seguiu por muitos e muitos tempo. Bonito, mas até normal perto da força deste “você navega sua cruz”. A cruz que João e tantos outros marinheiros negros tinham que carregar eram os castigos físicos e as humilhações da vida de escravo que levavam na Marinha do Brasil, já mais de duas décadas depois da Lei Áurea. E navegando carregavam todos suas cruzes. Fantástico.

A melodia é forte, te cativa, te faz prestar atenção em cada palavra como se te desse um tapa na cara e te despertasse para a importância dessa história. O samba brinca muito inteligentemente com as semelhanças e diferenças na trajetória de vida dos dois personagens. O “eu” e “você” são muito usados, como se percebe pela passagem “Na correnteza, a sua voz foi mergulhar / Eu fiz dos versos a fortaleza pra morar”. Outra pancada. “Na correnteza, a sua voz foi mergulhar”… É o grito de revolta liberado por João Cândido invadindo o mar. Enquanto isso, a imaginação e o talento com as palavras se tornam a fortaleza de uma negra pobre e guerreira para suportar as dores da vida. Melodicamente, o destaque fica para o prolongamento no início da melodia de cada um desses dois versos.

Há, na sequência, duas estrofes com a mesma estrutura: dois versos e um pequeno refrão também de dois versos. Na primeira, o começo faz mais uma comparação: “Sou a filha da miséria / Você nasceu pra guerrear” – o que é a mais absoluta verdade. A melodia, não sei se propositalmente, tem uma pausa razoavelmente longa, como se estivessem ambos raciocinando para encontrar um ponto em comum, o que é alcançado no refrão: “Nós somos a liberdade / Eu sou papel, você é o mar”. Magnífico! Cada um à sua maneira, ela escrevendo sobre sua realidade e ele liderando um motim contra as condições cruéis contra as quais era submetido, representam a luta e a conquista da liberdade por parte dos negros. É letra que deveria estar em todos os livros de história desse país…

Na estrofe seguinte, Carolina fala sobre o período de cerca de três anos em que ficou sem escrever. A analogia da falta de inspiração com a escuridão completa não é inédita, mas é válida. E o refrão é arrebatador: “Ôôô desatando os nós / Hoje a renascer fala por nós”. E o que está fazendo a escola de Jacarepaguá se não desatar nós da nossa história? Em termos melódicos, esse “ôôô” tem ótimo efeito e a estrofe não cai no oba-oba que contrastaria com a tristeza da letra.

Na penúltima estrofe, o samba homenageia os dois personagens. João é lembrado pelo apelido de “Negro feiticeiro”, que também é usado na música de João Bosco e Aldir Blanc. Já Carolina de Jesus, ganha uma abordagem poética como sua obra merece: “Carolina é alforria / Poesia da alma que se libertou”. Espetacular imaginar que os versos de uma escritora negra foram libertados de sua alma, como se fossem fruto de uma carta de alforria. Quanta sensibilidade teve esse trio de craques a quem foi incumbida a tarefa de compor o samba da Renascer. A melodia não só tem um entrosamento perfeito com a letra como também os versos dialogam perfeitamente um com o outro. É, como eu disse, um samba visceral, que pega na veia e emociona a cada verso. E chega a entristecer: “Na luta contra a tirania / Na ressaca da agonia, rubro oceano”. Depois de dias de revolta, houve a “ressaca da agonia” – vejam que maravilhoso o uso do “ressaca”, que pode ser interpretado tanto no sentido literal, que é a ressaca do mar, ou num sentido mais coloquial, que é o que vem depois de alguma coisa muito importante (no caso, a agonia dos marinheiros). A tristeza é por causa do “rubro oceano”. Um oceano manchado com o vermelho do sangue dos marinheiros que foram fortemente reprimidos. Muitos morreram e outros tantos foram torturados em uma das páginas mais tristes e importantes da nossa história.

Em seu final, o samba passa algum otimismo tanto pela melodia, que fica um pouco mais pra cima, quanto pelos versos “Dragão dos mares / Segue a costeira ganhando lares”, que simboliza a Revolta da Chibata e as reivindicações dos marinheiros ganhando enorme repercussão – “dragão dos mares” é outro dos termos usados pela dupla João Bosco e Aldir Blanc em “Mestre-sala dos mares”.

A maior explosão melódica vem nos dois versos finais. Uma exaltação forte como todo o samba, mas que de certa forma se orgulha de ter recuperado páginas lindas da nossa história que infelizmente foram esquecidas (primeiro por ordem da Ditadura Militar, que ocultou a Revolta da Chibata e marginalizou a cultura popular da qual surgiu Carolina de Jesus e depois por essa ignorância mortal que toma conta do país mesmo após a retomada da democracia): “Salve a negrura, salve a bravura / Resgatada do porão”. Foi isso mesmo que fez a Renascer. Resgatou do porão uma história absolutamente necessária. Só nos resta agradecer, apreciar e relembrar tanto quanto seja possível.

A dupla Diego Nicolau e Evandro Malandro fez uma gravação brilhante como de costume. Com a valentia que o samba pede, valorizaram cada palavra e cada célula melódica. Irretocável!

Letra do samba: 5,0. Melodia: 5,0. Nota: 10,0.

Unidos do Porto da Pedra: “Ó Abre-Alas Que as Marchinhas Vão Passar! Porto da Pedra É Quem Vai Ganhar… Seu Coração!”

Compositores: Bira, Márcio Rangel, Alexandre Villela, Eric Costa, Paulo Borges, Adelyr, Oscar Bessa, Rafael Raçudo e Bruno Soares.

Intérprete: Anderson Paz. Participação Especial: Cordão da Bola Preta.

Um desfile de uma escola de samba, qualquer que seja ela, é uma enorme peça teatral. Seja um drama, uma comédia, uma mistura, é uma peça. O produto desfile de escola de samba como um todo, porém, me parece mais uma ópera porque reúne tudo isso. E acho, de verdade, que esse é o grande barato. Existe uma parte da crítica carnavalesca que insiste em exigir de todo samba que ouve uma apoteose. Exige que sejam todos Silas de Oliveira. E aí quando vem um samba correto, gostoso de ouvir, mas sem algo absolutamente genial e digno de figurar na história da música brasileira, como é o caso desse samba do Porto da Pedra, torcem o nariz.

Com todo o respeito, que chatice! Sejamos mais razoáveis. Só aqui nesta noite de sábado, antes do derradeiro desfile do Tigre de São Gonçalo, teremos a Cubango com um samba-quase-partido alto dos bons, o Império Serrano com um samba denso, a Unidos de Padre Miguel com um samba que é um verdadeiro culto a um orixá e a Renascer com uma aula de história. Depois de tudo isso, que mal há em se deixar levar por essa marchinha safada (no melhor sentido da expressão) que parece ter sido feita para arrastar a Sapucaí ao final dessa maratona de desfiles? Não se trata de negar algumas limitações técnicas da obra, mas sim de admitir que a obra foi feita com uma finalidade: divertir. E diverte. O samba flui com imensa facilidade e não cansa.

O refrão principal, por exemplo, é de enfartar os mais puristas. Fernando Pamplona certamente daria murros na mesa comentando o desfile porque é muito mais uma marchinha que um samba de enredo. Mas não são as marchinhas o enredo? Então que aproveitemos. A melodia contagia, lembra os carnavais dos salões e as marchinhas que até hoje tocam em todo lugar. A letra também nos traz esse espírito, com direito a um verso muito bonito: “Cantando versos de amor”. Só acho, sendo mais chato que os chatos que critiquei no parágrafo anterior, que há uma leve contradição. No terceiro verso, diz-se “No esplendor do amanhecer”, já que a escola é a última a desfilar e possivelmente pegue céu claro. No último, diz-se “Tem marchinha até o dia clarear”. Ora, se já amanheceu, como pode ter marchinha até o dia clarear (-0,1 em letra)? É um pequeno deslize, nada que comprometa muito, mas fica o registro.

A primeira estrofe também tem uma melodia reta, bastante própria das marchinhas. É linear, sem grandes pontos de explosão ou variações, se destacando o samba mais por sua letra, que brinca de maneira criativa com canções de sucesso. Gosto da passagem “Vai chover… Confete e serpentina / Sou pierrot, você é a colombina” e “Linda morena, no meu cordão vem sambar / O bonde está lotado, pode festejar!”. Mais do que citar uma infinidade de marchinhas, o samba faz uso criterioso de algumas delas para transmitir uma veia comum a todas elas. Um grande acerto.

A melodia tem sua primeira variação, e muito bem costurada, no verso “Olê, olá, de noite Maria é outra”, que é complementado por um trecho ótimo: “O careca está a solta e o vovô ficou pra trás / Oh! Que beleza, a cabeleira do rapaz”. Acho que todo mundo captou as referências à “Maria Sapatão”, “Nós, os carecas”, “Olha a cabeleira do Zezé” e “A Pipa do vovô não sobe mais”. Só acho que no trecho “O careca está a solta” a melodia atropela levemente a letra. Fica até difícil de acompanhar (-0,1 em melodia).

O refrão do meio também é muito legal, retomando a lembrança à “Olha a cabeleira do Zezé” e tendo ainda um trecho muito inspirado: “É nesse embalo que hoje vou me acabar / O carnaval do povo ninguém vai calar”. É realmente um samba que tem um embalo próprio para se acabar de sambar e que relembra o verdadeiro carnaval popular. Melodicamente, gosto muito do verso “Será, meu bem, que Zezé vai revelar?”, mas considero que o fato de três dos quatro versos serem terminados em “ar” prejudicou a fluidez do samba (-0,1 em melodia).

A crítica social ficou meio deslocada no enredo, mas foi encaixada com criatividade na terceira estrofe através da passagem “Desde os tempos de Cabral / Ê ê ê me dá um dinheiro aí… Se não der, pau vai comer”, que misturou essa mensagem mais crítica à marchinha “Me dá um dinheiro aí”. Se a letra agrada, a melodia destoa pela transição melódica muito ruim entre o primeiro e o segundo versos (-0,1 em melodia).

O melhor casamento entre música e letra acontece no decorrer dessa mesma estrofe. A procura do eu-lírico pela amada a partir de sucessos como “Touradas em Madri” e “Allah-la-ô” ganha uma melodia muito bonita na passagem “Cadê você? Foi brincar em Madrid / Ou pensou em fugir pro calor do Saara?”. Depois, há uma passagem melodicamente menos inspirada, com variações muito próximas e um pouco cansativas. Primeiro, uma subida de tom em “Me abraça, amor… Nesta folia sou um sonhador”. Depois, o samba se recupera com um verso com ótimo entrosamento entre letra e melodia: “Bebo até cair porque o rei mandou”.

Depois, as notas voltam a ficar mais altas para fechar a melodia em “Na cidade de encantos mil”. Esse sobe-desce é responsável pelo único trecho mais cansativo da obra (-0,1 em melodia). No final, o samba volta a atingir um momento de clímax. Os versos “Quando a saudade invade meu peito / Revivo grandes carnavais” sintetiza a ideia do enredo de relembrar a folia de um tempo cada vez mais distante. A partir de “Bandeira branca”, o último verso aproveita as cores da escola (vermelho e branco) para passar uma bela mensagem: “No branco da minha bandeira celebro a paz”.

Anderson Paz conduz o samba com correção. Não brilha, mas não compromete. O início da faixa com participação do Cordão da Bola Preta é bem animado.

Letra do samba: 4,9. Melodia: 4,6. Nota: 9,5.

Considero a safra da Série A como sendo de razoável para boa. O grupo vem mantendo uma regularidade nesse sentido. Não há nenhuma enorme discrepância entre as safras de 2013 pra cá. No meu modo de ver, essa é superior à dos últimos dois anos e também a 2013, ficando um pouco atrás de 2014 – sobretudo porque naquele ano foram três reedições. Vejo um samba espetacular, muito acima da média, outras quatro grandes obras e um pelotão intermediário de bom nível. O ponto fraco é o baixo nível dos três piores sambas. Terminadas as análises, eis a minha avaliação em ordem de classificação, do melhor para o pior.

  1. Renascer de Jacarepaguá
  2. Acadêmicos do Cubango
  3. Acadêmicos do Sossego
  4. Império Serrano
  5. Unidos de Padre Miguel
  6. Unidos do Viradouro
  7. Alegria da Zona Sul
  8. Unidos do Porto da Pedra
  9. Acadêmicos da Rocinha
  10. Império da Tijuca
  11. Estácio de Sá
  12. União do Parque Curicica
  13. Acadêmicos de Santa Cruz
  14. Inocentes de Belford Roxo

2 Replies to “Análise: Os sambas-enredo da Série A 2017 – Parte II”

  1. Esse “Desde os tempos de Cabral” da Porto da Pedra ganhou outro significado depois dos últimos acontecimentos…

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