Na próxima terça feira, com a entrega dos sambas na Portela do Migão, inicia-se mais uma fase de nosso Carnaval: as disputas de sambas-enredo. O próprio Migão, em 2011 (antes de se tornar dirigente da Águia) escreveu artigo bastante esclarecedor, no qual mostra um pouco do que está por trás entre a entrega dos sambas e a escola do vencedor, que vai à Sapucaí. O companheiro Aloisio Villar também tem artigo bastante interessante sobre o tema, escrito também em 2011.

disputadesambaportelaMas nos últimos anos estamos vendo novas formas de escolha das composições que, nem sempre, seguem o modelo habitual de disputa. Neste primeiro artigo da série a ideia é mostrar um pouco destas novas formas e o porquê disso.

Na maioria dos casos, em uma disputa com 20, 30 composições, já na entrega dos sambas se sabe que no máximo três ou quatro reúnem condições de ir à avenida. Em uma safra espetacular, seis ou sete. Ou seja: por mais que um ou outro “cresça” durante as apresentações, na prática ficamos dois meses esperando as fases agudas da competição, pelo menos para quem está fora.

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https://www.youtube.com/watch?v=xtiSog_PXlc

Isso sem contar que toda disputa tem os sambas que o Migão chama de “móveis e utensílios”: são aqueles compositores que concorrem todo ano, com sambas abaixo de um padrão mínimo de qualidade, e que são cortados cedo.

E aí pode-se ter um problema. Numa escola do Grupo Especial, que normalmente recebe muitos sambas, estes dois meses podem se tornar uma fonte de renda considerável à escola. Isso, apesar de casos como o da Vila Isabel em 2014, que recebeu só oito (isso mesmo!) sambas para sua disputa.

Porém, em escolas do Grupo de Acesso, muitas vezes estes dois meses acabam se tornando deficitários: a quadra fica às moscas, só enchendo nas fases agudas. E o número de sambas inscritos no concurso acaba sendo insuficiente para preencher de forma adequada tantas noites de eliminatórias.

Especialmente por conta disso, mas não somente, algumas agremiações partiram para a encomenda de samba: ao invés de fazer disputa encomendam a compositores de fora ou mesmo da própria casa. Neste 2014 a Renascer de Jacarepaguá– que já recorrera ao expediente em 2013 – e a Inocentes de Belford Roxo, esta passando por obras em sua quadra, já anunciaram que farão esse expediente.

Curiosamente, os dois sambas terão uma assinatura em comum: a do multicampeão e grande compositor Cláudio Russo. Na Inocentes, com os campeões do ano passado, e na Renascer, ao que se comenta nos bastidores (não há nada ainda oficial), em parceria com Moacyr Luz e a cantora Teresa Cristina. A Renascer já se utilizou deste expediente em 2014 (abaixo).

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https://www.youtube.com/watch?v=kgpSffZcyYk

Não é algo recente, embora tenha se tornado mais comum nos últimos anos: a Tradição até 1989 encomendava seus sambas a dupla João Nogueira e Paulo César Pinheiro – e eram sambas estupendos! A Unidos da Ponte em 1993, salvo engano, também recorreu a tal expediente.

No Grupo Especial de 2015 a Viradouro fará algo um pouco diferente: as duas canções que dão origem ao enredo, originalmente “sambas de meio de ano”, foram fundidas em um samba-enredo, que será apresentado na avenida.

Ao que consta, a fusão, feita pelo presidente e compositor de mão cheia Gusttavo Clarão (multicampeão na própria escola e bicampeão na Mangueira), terá o refrão de uma das canções com o restante da outra. Mas é claro que precisamos ouvir a gravação para termos certeza. Embora pareça novidade, não é: a já citada Tradição em 1985 e 1987 também se utilizou de sambas de meio de ano como sambas de enredo, embora sem junção.

Aliás, abre parêntese. Não sou nada contra fusões, já tivemos sambas muito bons, como por exemplo o da Beija-Flor em 2005. Mas é preciso muito cuidado para que as linhas melódicas e de letras não se embolem e seja criado um Frankenstein tipo Vila Isabel em 2008. Fecha parêntese.

Outra disputa diferente é a da São Clemente, em que a presença de público somente é permitida a partir das “quartas de final”. Além disso, 2015 marcará uma curiosidade: a não ser que Grande Rio e Santa Cruz mudem de ideia, pela primeira vez desde 2004 não teremos reedições em nenhum dos dias de desfile competitivo na Sapucaí.

Claramente, este crescente número de encomendas demonstra que o modelo atual de disputa de samba padece de certa saturação. Seja pelo poder financeiro impondo suas competições, seja pelo fenômeno dos “escritórios” já amplamente comentado, seja pela própria dinâmica das quadras.

É algo que as direções precisam atentar pois, embora tenha havido uma melhora nos últimos anos, há espaço para um crescimento. Queremos que o samba-enredo volte a ser um gênero popular com qualidade para sobreviver depois da quarta-feira de Cinzas. Sem dúvida, nossos compositores têm total capacidade!

[N.do.E.: este é o primeiro de uma série de artigos englobando as disputas de samba. Abaixo, o leitor pode ouvir uma coletânea de sambas que não foram para a avenida, desde obras primas até “móveis e utensílios”]

3 Replies to “Disputa de Samba – “As novas formas de escolha””

  1. A quem perguntou, o primeiro samba da play list é o da parceria do Diogo Nogueira para 2011, disparado o melhor samba daquele concurso

  2. Excelente matéria no blog. Sambas maravilhosos que se perderam pelo caminho nas eliminatórias das escolas de samba. Parabéns!

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