Nesta quinta feira em que lamentamos a partida de Ariano Suassuna, o Ouro de Tolo “ressuscita” uma de suas colunas iniciais para recordar o dia em que o escritor foi aclamado Imperador na Marquês de Sapucaí e, assim, prestar uma singela homenagem. Lembro aos leitores que Ariano Suassuna também será enredo da Unidos de Padre Miguel para o carnaval 2015.

O Império Serrano vinha de um décimo primeiro lugar no ano anterior, que marcava a volta da escola ao Grupo Especial. O samba era muito bom, mas a parte plástica havia sido o calcanhar de Aquiles da escola.

Ernesto do Nascimento, carnavalesco, que havia chegado pouco antes do carnaval do ano anterior, assinaria sozinho o enredo daquele ano. Ele propõe uma ideia ousada: homenagear o escritor Ariano Suassuna através de seu livro “Romance da Pedra do Reino”.

ImperioSerrano2002-02A ideia do carnavalesco era contar o livro na Marquês de Sapucaí e, a partir deste, homenagear o laureado escritor, pernambucano como o carnavalesco, a partir de um fato verdadeiro: a coroação de Suassuna como “Imperador da Pedra do Reino”, em 30 de maio de 1999, no município pernambucano de São José do Belmonte.

Suassuna na ocasião foi reverenciado por seus súditos, presenciou cavalhadas à moda medieval, assistiu cavalgada com cavaleiros mouros e judeus e desfilou ao lado do rei e da rainha, em uma verdadeira cerimônia de coroação. Em anos anteriores o escritor participou da celebração, até mesmo montado a cavalo.

A longa sinopse mostrava os acontecimentos históricos denominados de “A Pedra do Reino”, ocorridos no Século XIX, que foram recriados no romance escrito por Suassuna. Como o escritor não aceitou ser homenageado diretamente, foi a solução encontrada pelo carnavalesco: contar o romance “Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta” e, ao final, promover a coroação de Suassuna como seu Imperador, repetindo a encenação de 1999.

Ao contrário do que foi divulgado na imprensa, desde o início o Império Serrano negociava com o escritor para o enredo de 2002. Era um desejo antigo do carnavalesco, pernambucano como o escritor e que pesquisou o tema durante três anos, e que foi negociado entre as partes. Ariano Suassuna, desde o início, mostrou-se bastante receptivo à ideia do enredo.

O Império Serrano apresentou um belo samba para a sua apresentação na segunda feira de carnaval,11 de fevereiro de 2002. Terceira escola a desfilar, a agremiação da Serrinha mostrou de forma cativante a homenagem a Ariano Suassuna, que foi coroado no último carro trazendo São José do Belmonte para a Marquês de Sapucaí. Nas palavras do colunista Fred Sabino em seu artigo da Série “Sambódromo em Trinta Atos” de 2002:

“Em seguida, o Império Serrano se recuperou do problemático desfile do ano anterior (que quase custou um novo rebaixamento) com uma exibição que o colocou como forte candidato a uma vaga no Desfile das Campeãs. O enredo “Aclamação e Coroação do Imperador da pedra do Reino: Ariano Suassuna” foi muito bem desenvolvido pelo carnavalesco Ernesto Nascimento, a despeito de a escola não ter a força econômica de outras.

A bela comissão de frente era formada pelos “brincantes”, personagens cômicos típicos presentes nas obras de Suassuna, com boa coreografia e exibições de cambalhota. Em seguida, a coroa imperial do abre-alas estava com muito brilho, além de ter boa iluminação. As demais alegorias também contavam bem o enredo e tinham bom acabamento, assim como as fantasias – Ariano Suassuna apenas pediu antes do desfile que as mulheres estivessem mais vestidas e a escola assim o fez.

imperio serrano 2002 IIO homenageado, cuja presença era uma incógnita devido ao fato de ele ser muito reservado, desfilou na última alegoria, chamada “Aclamação e Coroação do Imperador da Pedra do Reino”, numa bela associação de Ariano como imperador de sua terra, o sertão, com o “Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, uma das principais obras do escritor. Este carro, diga-se de passagem, foi o destaque do Império nos quesitos visuais.

O samba-enredo era dos melhores do ano e foi bem cantado por Carlinhos da Paz, que teve o luxuoso auxílio de Quinzinho, lendário intérprete imperiano. A bateria dos mestres Macarrão e Átila esteve maravilhosamente cadenciada e com os agogôs se sobressaindo como de costume. Mesmo sem ter levantado o público, a não ser no momento em que Ariano Suassuna passou, o Império terminou seu desfile com boas expectativas para a apuração.”

Império Serrano 2002  IIIVale lembrar que foi a última vez em que Quinzinho, uma das lendas do carnaval carioca, passou como intérprete – embora sendo o segundo – em uma escola do Grupo Especial. Abaixo o leitor pode ouvir um extrato do áudio ao vivo do desfile. Suassuna, que como escrito acima manteve a dúvida sobre sua participação até perto do desfile, não somente foi coroado no último carro como veio cantando o belo samba, de Mestre Aluizio Machado e parceiros.

A escola saiu da avenida como presença quase certa no Desfile das Campeãs daquele ano. Entretanto, em um resultado surpreendente, a escola obteve apenas o nono lugar, com 384,7 pontos. Em um ano onde a Portela também ficou em uma posição aquém do que público e crítica apontavam após os desfiles, as duas escolas de Madureira promoveram um protesto contra os julgadores, especialmente os do quesito Harmonia – dois deles deram notas 8 e 8,1 para ambas as escolas, em visível dissonância com o que se viu na avenida.

Este desfile imperiano de 2002 marcou também o “canto do cisne” do carnavalesco Ernesto do Nascimento, querido amigo e bastante importante em minha formação carnavalesca. Em 2003 ele assinaria o seu último carnaval, mas sem o mesmo destaque, vindo a falecer em setembro de 2004.

Além disso, registro o desejo de ver o Império Serrano de volta ao lugar de onde nunca deveria ter saído, apresentando desfiles com esta qualidade e com seus grupos políticos unidos em prol da escola.

Vamos ao samba, de autoria de Aluízio Machado, Maurição, Carlos Sena, Elmo Caetano e Lula. Ao final, um vídeo com maior duração, embora sem a mesma qualidade.

ImperioSerrano2002-03“Aclamação e Coroação do Imperador da Pedra do Reino: Ariano Suassuna”

“Sol inclemente, oi
Vai além da imaginação
Sopro ardente, árida terra
Desse poeta cantador
Sede de vida, gente sofrida
Salve o lanceiro, guerreiro do amor
 
Cabra macho, firmeza, que emoção
Liberdade, esperança, ressurreição (bis)
A bondade, a maldade no coração
Amor, verdade, eu encontro neste chão
 
(Vem que tem…)
Tem azul, tem encarnado, tem
Numa comunhão de fé
Lança em punho ao som da luta
Desse sonho contra a dor
Resgatando o passado
Desse povo vencedor
Esses reis tão sertanejos
Descendentes de valor
E a cavalgada parte
Lá de Belmonte
Pra serra do Catolé
Tão linda minha corte sertaneja
Marco forte, altaneira do sertão
Buscando na justiça igualdade
Empunhando a bandeira na coroação
 
Hoje o Império é a voz da razão
Onde reina a paz e a união (bis)
E é muito mais que uma paixão
Sou imperador… Lá do sertão”

Imagens: Uol, O Globo e Liesa

Agradecimento: Galeria do Samba

HTTP://www.youtube.com/watch?v=CKPXWGlYNTY

2 Replies to “Samba de Terça – “Aclamação e Coroação do Imperador da Pedra do Reino: Ariano Suassuna””

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