O futuro das disputas de samba-enredo: esse é um tema recorrente aqui no Ouro de Tolo. O blog, que tem em seu time compositores, dirigente e amantes de Carnaval em geral, já falou sobre os concursos em várias oportunidades e sempre com o mesmo tom, o de preocupação.

Disputa de samba-enredo, no Rio de Janeiro, é algo extremamente caro e desgastante para o compositor e que, no caso do Grupo Especial, costuma beneficiar somente as escolas. O resultado é que, mesmo ainda sendo um número bem razoável, as escolas que recebem muitas obras tem que optar entre, em casos extremos, 50, 55 composições sendo que, há até bem pouco tempo, esse número facilmente chegava em três dígitos.

Tudo isso que se fala sobre o Rio de Janeiro também podia se aplicar a São Paulo, porém em menor escala. As disputas, apesar de nunca terem sido muito longas, eram muito custosas para os compositores. Por aqui, cerca de três ou quatro anos atrás, eram pouquíssimas as escolas que recebiam mais que dez ou 12 sambas.

Uma diferença, no entanto, provocou uma mudança: as disputas também davam prejuízo para as próprias escolas. O público paulistano tradicionalmente é menos adepto ao samba que o carioca, então as quadras já ficavam mais vazias por natureza. Os custos com toda a estrutura necessária para uma disputa dessas muitas vezes superava o lucro, ou as vezes rendia um lucro mínimo. Ou seja: estava ruim para todo mundo.

As escolas que passaram por esse problema no Rio de Janeiro costumam adotar dois recursos que, particularmente, não me agradam: um é a reedição de samba-enredo, que é quando a escola leva um samba de outro Carnaval – e as vezes até de outra escola – para a Avenida. E o outro é a encomenda de samba para determinada parceria.

Veja apresentação na Rosas de Ouro
https://www.youtube.com/watch?v=BUHK9d4JY50

O problema que as duas escolhas tem em comum é que acabam com a Ala de Compositores da escola. No primeiro, a escola não precisa de samba porque o enredo reeditado já vem com um. No segundo, ou a agremiação escolhe um grupo de compositores consagrados na própria escola ou um sambista famoso. Em todos os casos, não há renovação.

Portanto, as escolas que usem desse tipo de artifício com frequência – como a Tradição e, agora, Renascer e União de Jacarepaguá – vão, aos poucos, matando sua ala de compositores porque, ainda mais hoje em dia, quando a internet e o fim das disputas fechadas para quem é de fora facilitam essas coisas, os compositores antigos vão arrumando outros lugares para compor e os novos começam em outro lugar.

Então, em São Paulo, começou a acontecer um fenômeno interessante, que considero um meio-termo entre as desgastantes disputas de quadra e o assassinato da ala de compositores: a audição interna. Acredito que, ainda mais com o intercâmbio recente entre compositores, diretores e Carnavalescos das duas praças, isso em breve comece a acontecer no Rio.

Basicamente, consiste nos compositores fazerem seus sambas, gravarem em CD, mandarem para a escola e aguardarem o resultado. Ou, na maioria dos casos, esperar a agremiação escolher três ou quatro para fazer uma final. Assim, o custo da disputa se resume na gravação – que, aqui, dificilmente chega na casa dos dois mil reais – e em uma apresentação na quadra se o seu samba for finalista.

Se eu não me engano, quem começou a fazer isso foi a Mancha Verde e já tem algum tempo. Como a escola nunca teve uma quadra grande, optou alguns anos por encomendar sambas e, em outros, escolheu através do CD. Em 2012, a “final” foi no programa No Mundo do Samba e, esse ano, na nova quadra, com três obras inscritas.

Mas a situação começou a mudar mesmo em 2012, quando a Acadêmicos do Tatuapé levou todos os seis sambas que recebeu para a quadra e, em uma única apresentação, escolheu o que iria para a Avenida em 2013. O excelente samba sobre Beth Carvalho garantiu a manutenção da escola no Grupo Especial e aí a escola repetiu a dose.

A facilidade do formato e a redução de custos provocaram um estratosférico número de 21 sambas inscritos no concurso para 2014. Como a escola não divulga o nome dos autores, é complicado saber, mas posso dizer que a dupla formada por Lequinho e Junior Fionda e a parceria dos insulanos Márcio André e seu filho participaram do concurso. Isso sem falar na maioria dos grandes autores paulistanos. Porque, aqui, ainda há essa facilidade: um mesmo compositor pode assinar samba em quantas escolas quiser.

No mesmo ano de 2013, o Morro da Casa Verde e a Imperador do Ipiranga, duas escolas que sofriam com o número pequeno de obras recebidas, nem final fizeram. Receberam, ouviram, divulgaram o vencedor. A Colorado do Brás ouviu, classificou quatro para uma final na quadra e escolheu. Enquanto isso, muitas outras tinham que se virar com seis ou sete sambas que nem sempre eram dos melhores.

E então, em 2014 o fenômeno explodiu. Mancha Verde, Tom Maior, Império de Casa Verde e Tatuapé: quatro das 14 escolas do Grupo Especial já confirmaram essa opção (a primeira já escolheu o seu, enquanto Tom Maior e Tatuapé vão fazer suas finais em breve). No acesso, a Pérola Negra (que só recebeu três sambas, então deu quase na mesma) já fez essa opção, mas é provável que Colorado, Morro e Imperador mantenham a decisão do último ano.

Agora vejam qual a grande vantagem desse formato: o número das obras e, consequentemente, a qualidade da mesma, cresce e cresce muito. No Rio, ter 30 sambas ou 110 não faz muita diferença, talvez, já que os outros 80 podem ser ruins, mas de sete para 22, amigo, ah, faz. Veja só alguns exemplos de compositores que participaram da disputa na Mancha:

– Lequinho, Júnior Fionda, Igor Leal, Paulinho Miranda (multicampeões na Mangueira), Turko e Maradona (consagrados na Tom Maior e na Imperador do Ipiranga);

– Márcio André Filho (Ilha, Império da Tijuca, Alegria da Zona Sul…) e Vaguinho (intérprete da Tatuapé, compositor do último samba do Império da Tijuca e renomado em São Paulo)

– Lucas Donato (jovem compositor do Império Serrano que tem feito samba com o Arlindo Cruz);

– Samir Trindade e Elson Ramires (bom histórico em Beija-Flor, Império da Tijuca e Portela);

– Djalma Falcão e Roger Linhares (União da Ilha);

– Silas Augusto e Marcelo Casa Nossa (o primeiro já ganhou samba na Unidos da Tijuca e ano passado faturou três em São Paulo; o segundo também ganha sambas com algum frequência – essa foi a parceria vencedora);

– Rafa do Cavaco e Juninho Berin (esses ganham poucos, mas fazem um barulho danado com suas obras, que costumam fazer sucesso);

– Armênio Poesia e Xandinho Nocera (talvez os dois maiores vencedores da cidade em tempos recentes);

– Celsinho Mody e Léo Reis (outros que já ganharam algumas vezes, principalmente no Império de Casa Verde);

– Vitor Gabriel, Rodrigo Minuetto, Rodolfo Minuetto e Tomageski (de cabeça, me lembro de vitórias em Leandro de Itaquera, Tatuapé, Colorado do Brás, Império de Casa Verde, Tom Maior e na própria Mancha);

Veja o samba campeão da Rosas de Ouro
https://www.youtube.com/watch?v=whekbrlKdoM

Eu particularmente nunca vi uma disputa em tão alto nível. A Tom Maior também contou com muitos desses grupos e acredito que isso se repita em todas. Esse formato tem um problema e acredito que o leitor mais atento já tenha notado: nem sempre o melhor samba no CD é o melhor na quadra. E, por consequência, quem não investe em uma boa gravação porque não tem dinheiro nem pra isso, sai muito atrás.

É por isso que eu penso que o melhor formato é o adotado pela Dragões da Real. A escola classifica cinco sambas através do CD – dificilmente uma escola tem mais que isso de sambas de alto nível – e faz três ou quatro semanas de Eliminatórias. Os custos acabam ficando um pouco maiores, mas penso que é o ideal. Não fica um custo estratosférico, é rápido, disputado só por aqueles que de fato podem ir para a Avenida e não se deixa enganar por uma boa gravação.

De todo modo, poder emplacar um samba no Grupo Especial gastando menos de 10 mil reais parece ser impossível no Rio de Janeiro. Em São Paulo, já é uma realidade.

[N.do.E.: ao contrário do informado no primeiro texto da série, a Portela não foi a primeira escola do Grupo Especial a receber seus sambas. Salgueiro e Imperatriz o fizeram ontem e hoje a Vila Isabel recebe suas composições. PM]

11 Replies to “Disputa de Samba – “O futuro em São Paulo””

  1. Quando soube o custo para se levar um samba-enredo para a final da disputa aqui no Rio, fiquei alarmado!
    Afinal de contas, vale mesmo a pena?
    A resposta veio sem ser direta: se não valesse, o fenômeno não se repetiria ano após ano.
    Não manjo dos paranauês das composições, mas o texto deixa claro que o caminho paulistano é um bom sinal de novos tempos. A redução dos custos poderá incentivar mais e mais compositores a se aventurar nesta empreitada.
    Ficam os votos de que sejamos brindados com belas obras e novas propostas musicais. Este último, por sinal, clamo há bastante tempo sem ter meu desejo realizado!

    1. Fellipe, a questão é bem mais complexa, não somente a relação “quanto se gasta e quanto se ganha”. Disputa de samba mexe com a vaidade das pessoas e aí todo cálculo racional se perde

  2. Muito boa a coluna.

    Acho que São Paulo saiu na frente com esse modelo de disputa no CD ou no máximo com CD e uma final com 3 ou 4 sambas.

    Isso acaba com o desgastante (e desnecessário) processo de escolha, onde quem podia mais era quem tinha mais dinheiro. Com as gravações no CD, o aspecto financeiro se torna praticamente sem peso, já que, como diz o texto, não sai mais do que 2 mil reais para se fazer uma boa gravação.

    Esse formato foi o que me permitiu disputar, pela primeira vez, um samba em São Paulo. Antes me limitava a fazer em Curitiba porque aqui geralmente tem no máximo 2 apresentações. Nos próximos anos, eu e meus parceiros certamente continuaremos disputando em SP se esse formato for mantido, não só na Mancha Verde como foi esse ano, mas em outras escolas também.

    Mas o melhor de tudo, é que a Escola abre suas portas para todos os tipos de compositores, sejam eles consagrados ou novatos, e as chances dela escolher o samba ideal são muito maiores.

    Abraços,

    Rodrigo

  3. Também achei legal a fórmula da Dragões… nem precisa ser 4 semanas (a não ser que tenha samba pra isso)… de repente corta alguns e em 3 semanas se faz gastando pouco…

  4. Concordo com o Rodrigo,São Paulo vem num processo bacana abrindo espaço para compositores de todos os tipos,e como bem disse ele,a chance do samba ideal ser escolhido crescem bem,e acima de tudo reduz muito os custos. Em breve acho que o Rio nas escolas médias adotaram sistema similar.

    1. Como o Fred escreveu no primeiro artigo, acho que um caminho aqui será a encomenda. Ainda mais depois do tema que aborda o artigo de amanhã, o último da série.

      Para vocês terem uma ideia aqui no Rio intérprete do Especial está cobrando na faixa de quatro dígitos POR APRESENTAÇÃO.

  5. Ótimos artigos. Pé no chão, equilíbrio e dedo na ferida. Parabéns aos autores dos artigos e aos responsáveis pelo site. E ótimos comentários de compostores envolvidos em suas escolas, não apenas de internautas apaixonados. Vou acompanhar toda a série.

  6. Não se pode discutir o aumento de custos para se defender um Samba Enredo, que tem exigido além da gravação de um CD(talvez o menor dos custos) a contratação de um interprete que vai cobrar por apresentação, material de torcida na quadra, confecção de fly com letra do samba, se quiser distribuir a mídia também tem o custo nos CDs, e o valor vai aumentando de acordo com a quantidade de eliminatórias. Neste texto não foi mencionado as disputas da Mocidade Alegre que sempre apresentam mais de 12 (doze) sambas por ano, e realiza longas eliminatórias, todas com a quadra cheia. Esse formato acaba inflacionando ainda mais os custos dos compositores. A abertura para “sambas encomendados” ou abertura para compositores de outras comunidades também acarretará em problemas nas alas de compositores das Escolas de Samba. Quanto mais compositores de oportunidade, menos prata da casa. Acredito que o momento exige reflexões para aprofundadas a respeito, pois pode resolver agora e agravar o problema para o futuro.

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