Já não é segredo para ninguém que um Boeing 777 da Malaysia Airlines caiu no leste da Ucrânia, próximo a Donetsk, matando todas as 298 pessoas a bordo. Como também não é segredo que é o segundo sinistro envolvendo a companhia malaia neste ano de 2014. Tudo leva a crer que o incidente é o auge de uma situação que foi desencadeada em novembro do ano passado.

Vamos a um flashback: na época, o governo ucraniano abdicou de um acordo econômico com a moribunda União Europeia, para se aproximar da Rússia, um dos países que mais se desenvolvem no mundo. Com isso, explodiram protestos na Ucrânia, principalmente na capital Kiev, contra essa aproximação. Parece algo incoerente, mas justificável quando olhamos a história e todo o ódio gerado por anos de ferro nos quais a Ucrânia foi englobada pela União Soviética (aliás, o ódio à Rússia é nutrido em outros países da ex-URSS e da Cortina de Ferro, como na Polônia). Enfim, os ucranianos acharam que mais uma vez se tornariam capachos dos russos.

No decorrer da história, o movimento virou de vez contra Viktor Yanukovich, então presidente ucraniano, e envolto em escândalos. A repressão foi violenta, o que só fez a revolta aumentar, até a situação evoluir para, basicamente, uma guerra civil nas praças de Kiev. Até que, em fevereiro deste ano, Yanukovich foi retirado do poder e fugiu para a Rússia, enquanto um grupo inclinado à União Europeia tomou posse.

Naquele momento, os olhos do mundo se viravam para o interior ucraniano, onde a Rússia era mais aceita. A Crimeia, uma península então ao sudeste da Ucrânia, votou pela anexação à Rússia, depois de confrontos envolvendo militares ucranianos e rebeldes pró-russos.

Sob a divisão de pessoas atacando os “coxinhas de Kiev que preferiam se jogar a União Europeia”, e outras dizendo que Putin era “um Hitler do século XXI, que queria dominar territórios”, a região ao norte da Crimeia (na área de Donetsk) também virou palco de conflitos, com um novo ensaio de anexação.

acidenteucraniaAqui entra o avião da Malaysia. Na área instalou-se na região um cenário de guerra civil. Tanto que, dez dias após o incidente, a hipótese dada como certa pela comunidade internacional é de que o Boeing 777 foi abatido por rebeldes pró-Rússia.

Todos os contextos seguem nessa direção. Relatos da imprensa local e de tweets desses “rebeldes” dão conta de dois aviões cargueiros Antonov, da Ucrânia, abatidos na mesma região. O primeiro, dois dias antes da queda do voo MH17, e o segundo, no mesmo dia.

Outro fato que é apontado por muitos, e que eu acredito piamente, é de que erraram o alvo. Quem conhece um pouco de aviação sabe que um Antonov é imenso, maior até do que um Boeing 777, também gigante. Não acho nada improvável terem acreditado que o fatídico voo da Malaysia fosse mais um cargueiro ucraniano.

Além disso, os estragos do avião, e a chuva de detritos e corpos se espalhando num raio de 15 km do ponto de impacto, desembocam na conclusão da explosão, restando saber em qual local da aeronave ela ocorreu. Sem contar possíveis tweets e mensagens apagadas que mencionavam um avião sendo abatido, em hora semelhante a da queda.

Com um incidente de tamanha proporção, vitimando civis e, ainda por cima, de nacionalidades que nada têm a ver com o conflito, se faz necessária uma investigação minuciosa da caixa preta e das evidencias, de preferência por alguém neutro as confusões do leste europeu.

No mesmo dia da queda do MH17, o governo russo sugeriu a hipótese de que o alvo correto era o avião presidencial de Putin, que passou pelo espaço aéreo ucraniano uma hora e meia antes. Desta forma, os ucranianos seriam responsáveis pelo incidente.

Difícil que isso seja verdade, já que só um maluco provocaria a ira russa, e seu arsenal bélico, digamos, respeitável, de forma tão afrontosa. Tanto que muitos nas redes sociais lembraram-se do assassinato de Francisco Ferdinando, arquiduque do finado Império Austro-húngaro, e que desencadeou a I Guerra Mundial.

Provavelmente, esta hipótese é uma cortina de fumaça ao fato de que: a Rússia está armando os rebeldes a seu favor na Ucrânia, e treinando-os – até porque é difícil de manejar um míssil capaz de derrubar jatos.

Além de tudo, o avião estava na hora errada e no local errado. A rota original do voo Amsterdã-Kuala Lumpur seguiria pelo sul da Ucrânia, na altura do Mar Negro. Como o clima era ruim na área, os pilotos tiveram que voar mais ao norte, justamente na zona de conflito. Tanto que horas depois do incidente, o leste da Ucrânia estava com espaço aéreo vazio (foto do começo do post), quando o normal é que ele seja movimentado. Um voo Tel Aviv-Moscou, que flagrei no interessantíssimo site flightradar24.com, claramente desvia da Ucrânia, seguindo para o espaço russo já acima do Mar Negro.

O desvio de rota pelo mau tempo já basicamente descarta a teoria da conspiração da indústria farmacêutica. Alegadamente diversos pesquisadores da cura da AIDS estavam no voo, rumo a uma conferência sobre o assunto em Kuala Lumpur. Tal teoria necessitaria de uma artimanha muito bem armada e, além disso, acidentes aéreos são feitos de conjuntos de erros, e não de acertos, normalmente. E errar é bem mais fácil que acertar um esquema de tamanha magnitude.

21-photos-of-vladimir-putin-that-will-melt-your-heartA cura da AIDS vai tardar a acontecer, e quando vier, demorará a atingir todos, sendo necessários ainda os coquetéis e remédios. Ou seja, a indústria farmacêutica vai lucrar muito com a doença. Sem contar que, segundo relatos recentes, apenas seis pesquisadores estavam no voo MH17, e não mais de cem, como noticiado anteriormente.

Voltando à geopolítica, ninguém assumirá tamanho pepino que é a culpa do acidente, já que isso despertaria uma ira imensa dos outros lados envolvidos. O que temos é o governo ucraniano ávido pela constatação da culpa dos rebeldes russos. Além disso, diversos relatos e acusações dão conta de que inúmeros corpos de vítimas foram confiscados por estes mesmos rebeldes.

O futuro, após este incidente de proporções paquidérmicas, é imprevisível, sendo o aumento das animosidades e conflitos na região a única certeza – fora a tentativa de expansão dos tentáculos de Putin sobre a Ucrânia. Pessoalmente, acho difícil que um confronto gigantesco, com os EUA metendo o seu tradicional bedelho (por exemplo), aconteça num futuro próximo – a não ser que algo mais afrontoso ocorra. Todos sabem os poderios bélicos e destrutivos existentes, e adotam a cautela numa situação envolvendo uma potência armamentista, como é a Rússia, vide o discurso do governo Obama no dia do acidente.

Apesar dos pessimistas pregarem a proximidade da III Guerra Mundial, eu vejo de maneira inversa. A informação hoje é muito mais fácil, e as redes sociais disseminam informações rapidamente de locais inimagináveis, como Mali, Síria e Sudão. Além disso, nações midiáticas, como a Rússia, estão envolvidas em perrengues atuais, fora o clássico Israel x Palestina, reavivado nas últimas semanas.

A cautela supracitada no caso do voo MH17 e o engrossamento da ONU quanto as possíveis atrocidades israelenses provam isso, na minha visão. O que não quer dizer que estejamos perto de uma paz plena, muito longe disso. É uma situação de “nem tanto ao mar, nem tanto a terra”. Assim, o leste ucraniano será uma verdadeira roleta russa nos próximos tempos, com luta ferrenha entre rebeldes dos dois lados.

2 Replies to “Roleta Russa (e Ucraniana)”

  1. A hipótese do avião malaio ter sido abatido por rebeldes ucranianos armados pela Rússia deixa estas duas forças em saia justa, certo? E que tal a hipótese de, em sabendo disso, as forças regulares da Ucrânia (ou um míssil americano) terem abatido o avião para colocar a culpa na Rússia e seus aliados? Afinal, como também se vê no conflito palestinos x Israel, a verdadeira guerra é a da informação, né?

    1. O problema é que os rebeldes ucranianos apoiados pela Rússia são separatistas, e aí mesmo a Ucrânia, acaba escapando nesta hipótese. Sobre a hipótese de ser um míssil ucraniano para colocar a culpa na Rússia: é possível, apesar de neste momento não ser a vertente mais aceita e provável. O envolvimento dos EUA já entraria numa teoria da conspiração, mas sabe como são as coisas que englobam a política externa de lá…

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