Os dias imediatamente anteriores à Copa do Mundo já valeram o evento. À medida  que os resultados das partidas forem acontecendo, pode ser que decepções e rivalidades aflorem. Mas, até aqui, é quase tudo festa.

Havia, por certo, algum grau de ansiedade. Afinal, são as vésperas do torneio mais importante do futebol. Havia, também, uma justificável insegurança dos brasileiros sobre as chances de sucesso do país como anfitrião, depois de tudo que andou sendo noticiado.

Mas foi uma semana inteira em que o ar de solenidade foi sendo desconstruído até chegar quase ao ponto de avacalhação generalizada. Ficou patente o bem-estar causado pelos ares brasileiros nos turistas e delegações.

De cara, aprendemos que ninguém desembarca para uma Copa tendo como principal preocupação a excelência da infraestrutura local. Antes, chegam à procura de diversão, descontração, curtição e festa. E, por incrível que pareça, até os jogadores entram nessa.

Ainda que alguns brasileiros tenham apostado suas fichas contra o Brasil, a maioria de nós está possibilitando aos visitantes exatamente aquilo que eles queriam sentir do espírito nacional.

messiMuitos eventos confirmaram este clima festeiro. O aniversário do Klose junto aos pataxós; os colegas de Dante no Bayern cantando o hino do ‘Bahêa’; o inglês deixado no hotel, os outros ingleses dançando o Lepo-lepo; os mexicanos indo ao treino de táxi; o “Ronaldinho” fake ganhando o agasalho de treino do Messi; o simpático Drogba recebendo o carinho de Drogbinha; Etoo reconhecendo que Obina é melhor; a relação dos holandeses com Ipanema, só comparável à paixão croata pela Praia do Forte, em Salvador.  Tudo que aconteceu em público com os atletas dá uma medida do que aconteceu com a massa de turistas anônimos.

Eu mesmo pude presenciar uma pequena horda de torcedores croatas que passaram a tarde enchendo a cara num bar do Centro de São Paulo e confraternizando com brasileiros no dia anterior à abertura da Copa. Quem vive em cidades-sede ou em cidades que receberam delegações viu cenas parecidas.

Este é um cenário que agrada e orgulha a maioria dos brasileiros. Mas angustia os péssimos brasileiros que têm (e precisam ter) uma visão negativa do Brasil.

O passar dos dias trouxe mais e mais turistas contentes em estarem aqui, animação da maioria dos brasileiros com a Copa, conclusão de todas as obras realmente necessárias, a prestação de contas do governo (tardia, mas correta e necessária), e tudo que aumentou o desespero e a irritação dos anti-brasileiros que haviam apostado contra.

Passaram anos dizendo que a Copa não chegaria a acontecer, que se acontecesse seria motivo de vergonha. A revista Veja chegou a dar uma capa em que previa que os estádios não haveriam de ficar prontos a tempo. Como poderiam engolir esta semana anterior à Copa, em que tudo desmentia seus prognósticos?

Passaram anos ensinando o que os visitantes esperariam (e não teriam) de nós. Passaram anos nos comparando negativamente com o resto do mundo.  Então, os estrangeiros chegam e mostram-se satisfeitos, entram no clima e se descontraem.

Não foram poucas as declarações de estrangeiros dando conta de que os problemas que nós supervalorizamos também são comuns em seus países. Trânsito caótico, segurança capenga, serviços públicos ruins: foi preciso o testemunho de visitantes para que o brasileiro médio se dê conta de que o resto do mundo convive com os mesmos males.

Mas os péssimos brasileiros não se dão por vencidos. E como colocar água no chope da festa? Prestando um desserviço constante à informação, deturpando os fatos, agindo como terroristas, sempre negando a realidade à sua volta.

Um símbolo disso é o sorriso cínico de Wiliam Waack. Poucas coisas são tão representativas deste cretinismo crônico da elite brasileira quanto o brilho dos dentes do Waack quando relincha ironias anti-brasileiras. Como em sua indisfarçável alegria ao anunciar que a federação alemã construiu seu próprio centro de treinamento no sul da Bahia em tempo recorde, enquanto o País teria tido dificuldade em entregar suas obras no prazo. Veja também comentou em seus blogs, os vira-latas de sempre reproduziram nas redes.

messi 2Nada mais enganadora que esta falsa comparação.  Por interesse patológico de diminuir o Brasil, informações essenciais foram escanteadas por Waack e afins.

É de se perguntar, por exemplo, por que os alemães se deram um prazo tão exíguo se já “sabiam” há anos que disputariam uma Copa no Brasil. Ninguém imaginaria, de sã consciência, que a Alemanha não estaria classificada para este torneio. E que, como todas as equipes, teria que circular por várias sedes, independente de grupo que caísse e cruzamento de jogos.

Os hotéis, resorts e centros de treinamento pré-qualificados pela Fifa serviram às outras 30 equipes visitantes. Mas a Alemanha queria isolamento e exclusividade. Na região escolhida – o litoral baiano – há um bom número de resorts gerenciados por grupos hoteleiros europeus, mas os alemãs resolveram, de última hora, que construiriam o seu próprio. Ora, o fato irrecorrível é que o prazo era exíguo porque faltou planejamento à federação alemã.

Fosse a CBF que resolvesse intempestivamente construir um CT na Floresta Negra poucos meses antes de uma Copa europeia, as críticas seriam duras e cruéis. Com direito a suspeitas de superfaturamento e desvio de verbas públicas (ainda que a CBF seja uma entidade privada).

O que nos leva a outro fato. A obra dos alemães em Santa Cruz Cabrália foi um ação privada. É improvável que, tendo que obedecer ao ritual de licitações e fiscalização, uma obra pública na Alemanha pudesse ser feita no mesmo prazo de cinco meses.

Mais: a obra foi feita numa área de proteção histórica e ambiental. Não discuto se ela foi benéfica ou não para a localidade (é bem provável que sim), mas só é possível conseguir as liberações de praxe numa situação dessas se você recorre ao proverbial “jeitinho”. Coisa que, tudo indica, já foi bem compreendida pelos alemães.

E, claro, para conseguir cumprir as etapas da obra, os alemães entraram com muito dinheiro (muito mais do que gastariam se a obra fosse planejada para um prazo razoável) e contaram com a colaboração de profissionais… brasileiros!!! Sim, porque apesar da imprensa ter omitido este “detalhe”, claro que os operários não foram importados. Portanto, está de parabéns a mão de obra nacional, se é algo que mereça destaque nesta notícia.

A delegação chegou, instalou-se no mesmo lugar em que os navegadores aportaram há 500 anos e o tratamento recebido pela população local tratou de quebrar o gelo e fazer desmoronar o pretendido isolamento.

Outra das seleções europeias com grife de campeã do mundo também optou pelo isolamento, mas de outra forma. A França ficou em Ribeirão Preto, a cidade-base mais distante da capital no Estado de São Paulo. Chegou sem conversa nem sorrisos. Isolou-se entre o hotel, o ônibus e os treinamentos fechados.

ganaDaí, entrou em cena o carinho dos anfitriões. A população de Ribeirão adotou a França como segundo time. Cercou o hotel, acompanhou os deslocamentos do ônibus, aguardou ansiosamente pelo treino aberto ao público, obrigatório. Jogadores e comissão técnica continuaram a descer do ônibus sérios, com olhos desviados dos fãs, a maioria com imensos headphones, passando sempre longe do público, cercados pelo cordão de seguranças.

Até que os gritos das fãs por Benzema quebraram a determinação francesa e o craque de origem argelina confraternizou com os locais. Foi a senha para que toda a equipe gaulesa relaxasse e passasse aderir ao clima de festa.

Segue a Copa, e eu concluo este texto no momento seguinte à estreia da França numa goleada sobre Honduras. Ainda que o time centro-americano seja fraquíssimo, a França jogou um futebol solto e alegre, como há muitos anos não jogava. Aliás, este tem sido o tom das primeiras partidas: futebol ofensivo, aberto e cheio de gols. Pode ser efeito do clima.

O único estádio que não fez sua estreia no momento em que escrevo foi a Arena da Baixada, onde ocorrerão os jogos mais desimportantes desta fase. Todos os outros ficaram prontíssimos e foram aprovados. O mesmo pode-se dizer dos aeroportos e operações urbanas para levar torcedores até as arenas. Até aqui, nenhum motivo de preocupação, nenhuma das vergonhas anunciadas chegaram nem perto de se concretizarem. Tudo indica que a Copa das Copas será digna deste apelido.

O único motivo de vergonha, e que deu repercussão mundial, e causou indignação e constrangimento, foi a atitude grosseira contra a Dilma vinda da elite paulistana no Itaquerão. Para quem passou anos dizendo que a Copa causaria vergonha, e na falta de outro motivo, cometeu por si mesmo o ato vergonhoso, até que o saldo não foi dos piores. Ou foi?

Imagens: Fifa