Há pouco mais de um mês escrevi post sobre o comportamento da revista Veja e suas práticas bastante heterodoxas de jornalismo, por assim dizer. Ainda traçava um panorama da atuação de certos órgãos de imprensa, mais preocupados em fazer política partidária que em informar.

O que escrevi naquela ocasião continua valendo. Mas no último domingo o programa “Domingo Espetacular”, da Rede Record, trouxe matéria (acima) que traça bom resumo dos fatos envolvendo a associação entre a revista e o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Nenhuma grande novidade para quem vem já acompanhando o caso nas redes sociais, até porque as escutas das conversas de Cachoeira com o editor de Veja Policarpo Jr. ainda não foram divulgadas.

Entretanto, a matéria – e também a capa da carta Capital esta semana, sobre a qual falarei mais abaixo – deixa claro que Cachoeira agia como uma espécie de “dono” da revista: ele chegava a decidir onde uma determinada “matéria” plantada por ele, ou de seu interesse, entraria na publicação ou a data quando seria feita. As páginas do semanário, outrora o maior e mais importante do Brasil, tornaram-se veículos para a difusão de mensagens de interesse de criminosos e corruptos – e isso as escutas já divulgadas, embora incompletas, deixam claro.

De acordo com o Código Penal:

Artigo 288 do Código Penal – Decreto-lei 2848/40

Art. 288 – Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

Parágrafo único – A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

Não sou jurista ou mesmo advogado, mas em meu entendimento este artigo do Código Penal aplica-se perfeitamente ao que ocorreu entre a revista, o bando de Cachoeira e políticos como Demóstenes Torres. As páginas da publicação eram utilizadas para tirar concorrentes de Cachoeira no “mercado” criminoso, garantir ao contraventor o monopólio da corrupção em certas áreas e ainda buscar uma interrupção da normalidade democrática do país. Olha que nem cito aqui subprodutos destas práticas como “assassinatos de reputação”, invasões de quartos de hotéis e manipulações grosseiras de dados.

Depois de algumas semanas adotando uma postura de “peidaram e não fui eu”, a revista nesta ultima edição veio com uma espécie de defesa. Sua argumentação é de que “ter fontes corruptas não significa que a publicação seja corrupta” e que “a liberdade de imprensa requer a liberdade e o sigilo total das fontes”. Na prática, o que a revista defende é o primado da “liberdade de imprensa” sobre o Código Penal – vale tudo, até se aliar a criminosos, em nome de um objetivo maior.

Que ‘objetivo maior’ seria esse?

Para o bicheiro seria ter o monopólio em sua área de negócios; para a revista, derrubar o Presidente Lula – e depois Dilma. A publicação apenas exacerbou comportamento notório de outros órgãos da imprensa, que passaram a fazer política partidária ao invés de jornalismo. Além de questões ideológicas pesa neste ódio midiático a redistribuição e descentralização de verbas publicitárias feitas pelo governo, capilarizando a verba e desconcentrando dos grandes veículos.

Parêntese: os políticos conservadores precisam entender que para retornar ao poder precisam se reorganizar para buscar ganhar as eleições de forma legítima – preferencialmente entendendo que a população que não pertence à Classe A também existe como seres humanos. Da maneira como se está procedendo, o nome é outro: golpismo. Fecha o parêntese.

Esta semana a Carta Capital trouxe como matéria de capa a categorização de Roberto Civita, dono da Editora Abril, como o “Rupert Murdoch” brasileiro. Não li ainda a matéria pois meu exemplar de assinante só deve chegar na quinta feira – a distribuição da revista, infelizmente, é uma lástima – mas vale lembrar que por muito menos o magnata australiano teve de fechar uma das publicações de seu grupo. Ele se envolveu em um escândalo de escuta ilegal de autoridades, tráfico de influência junto ao governo britânico e apoio em suas publicações aos conservadores em troca de favores do governo, especialmente o enfraquecimento da concorrente BBC.

O governo britânico ainda avalia no momento em que escrevo se Murdoch poderá manter abertos os seus outros veículos no país. Perceba o leitor que Murdoch não se aliou a bicheiros nem utilizou os seus jornais para favorecer negócios ilícitos de criminosos associados, como parece ter feito a Veja. Só que lá Murdoch foi punido, aqui tudo se pode em nome da sagrada “liberdade de imprensa”.

Já escrevi em outro artigo que a mídia brasileira é a mais desregulamentada do mundo. Entretanto, essa postura da revista pode oferecer uma bela oportunidade para se passar a limpo as relações entre a mídia, partidos políticos e interesses empresariais e ideológicos. Vale lembrar que em novembro último o especialista Eduardo Guimarães em seu excelente “Blog da Cidadania” publicou entrevista com o ator José de Abreu (que tem ótimo trânsito com lideranças petistas) onde este relatava que líderes do partido haviam sido avisados por Civita que este só pararia a campanha contra o governo “a hora em que derrubasse Dilma”.

Ou seja, um órgão de imprensa em aberta campanha golpista. Aliás, não é o único, mas talvez seja o mais desenvolto neste processo.

Acredito que as escutas a serem reveladas proximamente das conversas entre o editor da revista Policarpo Jr, Cachoeira, o senador Demóstenes Torres e outros integrantes da quadrilha deixem ainda mais explícita esta situação. Vale lembrar que há uma espécie de “pacto” entre os grupos Abril, Globo e Folha no sentido de “proteger” a revista e que já teria gerado um recado ao governo: que não admitiriam a convocação de qualquer membro da imprensa para depor na CPI, sob pena de “retaliações” ao governo. Esta postura me lembra aquela clássica frase de George Orwell, que dizia “todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”.

É exatamente isso que ocorre no Brasil de hoje. A expressão “liberdade de imprensa” é um contrasenso: é a liberdade de escrever e veicular o pensamento do patrão. Um coronelismo com um pouco mais de verniz.

One Reply to “A Veja, a CPI e a deturpação da "liberdade de imprensa"”

  1. Pedro,

    Por trás desta liberdade de imprensa, se esconde toda espécie de canalhice e vilania. Como brincamos aqui no trabalho: “Quando seu nome está na boca do sapo” não tem mais jeito. A imprensa julga, condena, desmoraliza. JAMAIS se retrata, pior, se auto-protege, num esquema covarde, para eleger os “maldito”.
    Quem ouse questionar é logo taxado de ser contra , veja só, à liberdade de imprensa. Só posso sentir nojo, aversão a esta turma. Maior prova disto é o editorial do Globo,defendendo que Civita não vá à CPI, uma sacanagem sem fim.

    Arnobio

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