Sem dúvida alguma, a maior notícia política da última semana foi o lançamento do livro “A Privataria Tucana”, do renomado e laureado jornalista Amaury Ribeiro Jr. Baseado em uma série de documentos oficiais – todos obtidos de forma absolutamente legal – o livro descortina o processo de privatizações brasileiro, mostrando as propinas que foram pagas – de forma registrada – e um monumental esquema de lavagem de dinheiro utilizado (principalmente) por próceres tucanos – mas não somente estes.

Ainda desvela o esquema de espionagem de inimigos políticos montado pelo ex-Governador de São Paulo José Serra, inclusive utilizando-se de verbas públicas – tanto no Ministério da Saúde quanto no governo paulista. E ainda descortina alguns esquemas de vazamento de informações na recente campanha presidencial de Dilma Rousseff.

Entretanto, não irei resenhar o livro aqui, embora já o tenha começado a ler – e mesmo com apenas um terço dele lido já posso dizer que o conteúdo é arrasador. Farei a resenha proximamente. Mas sim falar um pouco do comportamento da imprensa neste episódio, que desnudam algumas coisas e confirmam algo que venho falando há tempos aqui: que o jornalismo político brasileiro não é jornalismo, e sim política partidária.

Volta e meia recebo críticas de leitores neste espaço dando conta de que não falo dos escândalos de corrupção do atual governo. Replico que não precisa, pois a imprensa partidária se encarrega de fazer este papel – muitas vezes aumentando, distorcendo e omitindo, mas esta é outra história. Por outro lado, não se vê uma única linha a respeito de escândalos como “Paulo Preto” e “Controlar” na chamada “grande mídia”. Ou seja, a indignação contra a corrupção dos maiores veículos de nossa imprensa é absolutamente seletiva – atende apenas a seus próprios interesses políticos e, especialmente, econômicos.

O livro, que contém denúncias gravíssimas e totalmente documentadas contra praticamente toda a cúpula do PSDB, foi lançado na última sexta feira praticamente “em branco”. Apenas a revista Carta Capital veio com sua matéria de capa tratando sobre o assunto, mas o restante da mídia, praticamente em uníssono, ignorou solenemente o livro em suas televisões, jornais, revistas e portais de internet. Além da revista citada, os portais ligados à Record também chegaram a noticiar, mas sem dar o devido destaque.

Durante o final de semana o silêncio sepulcral continuou. Ao contrário: a Revista Veja, mais uma vez, “passou recibo” com uma matéria fazendo uma série de junções e ilações sobre o PT de Minas Gerais, baseado unicamente em afirmações vazias e sem nexo. Não é de hoje que em suas páginas a publicação, cada vez menos lida, resvala de forma acintosa no Código Penal brasileiro. Outro colunista, tucano declarado, publicou texto de terceiros em seu blog tentando desqualificar as denúncias trazidas pelo livro. Também vi jornalista do referido veículo cobrando no Twitter o noticiário sobre o livro no próprio órgão onde ele trabalha – obviamente, sem sucesso.

Também não foi por acaso o espaço dado por um dos maiores portais da internet no final de semana a uma entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com o visível propósito de tentar abafar a repercussão do lançamento do livro.

Tais movimentos explcitam muito da cumplicidade que há entre políticos opositores e tais veículos. Não é exagero dizer que o jornalismo político de grande escala está morto e enterrado, substituído por uma pregação nitidamente partidária e com uma “indignação seletiva” – é contra a corrupção, desde que seja petista.

Que fique claro: toda forma de corrupção tem de ser combatida. Mas fica no mínimo embaraçoso para tais órgãos noticiar casos de magnitudes bastante inexpressivas em valores perto do que o livro mostra em termos de lavagem de dinheiro, recebimento de propinas e corrupção no processo de privatização – talvez a maior de todas na história recente do país. É um bom indicativo de que o “combate à corrupção” por parte da imprensa na verdade não passa de proselitismo partidário. Dois pesos e duas medidas.

Vale lembrar, também, que tais órgãos apoiaram de maneira irrestrita a privatização, a ponto de o então Presidente Fernando Henrique Cardoso ironizar o adesismo em grampo telefônico “vazado” posteriormente ao grande público. Além da questão ideológica, como o quadro abaixo (retirado do excelente “Blog da Cidadania”) demonstra que várias empresas jornalísticas entraram na privatização das empresas de telecomunicações, comprando fatias de operadoras a preços subavaliados.

Ou seja: além da ideologia, há negócios empresariais por trás deste silêncio atual. Ao contrário, começam-se a se perceber movimentos a fim de desqualificar o autor do livro, jornalista de reputação ilibada e que acabou acusado por Serra de estar “espionando” a campanha tucana ano passado – quando os documentos e dados mostram que foi Serra quem tinha uma “central de inteligência” a seu serviço – e utilizando-se de recursos públicos do erário de São Paulo.

Por outro lado, as vendas do livro mostraram a força da internet e da blogosfera: ainda que lançado sem qualquer alarde e boicotado pelos órgãos de imprensa de maior alcance o livro vendeu em um único dia a primeira edição inteira – de quinze mil exemplares. Dos trinta mil exemplares da reimpressão prevista para chegar às livrarias na sexta feira próxima a metade já foi vendida. Aliás, é outro ponto a se observar: o livro vai entrar nas listas de mais vendidos dos cadernos culturais destes veículos?

Isso, registre-se, sem exposição nas livrarias: eu mesmo tive de insistir bastante para conseguir comprar meu exemplar, e há relatos parecidos em outras cidades. Em São Paulo suspeita-se que emissários de José Serra passaram o dia de sábado a comprar todo o estoque de livrarias paulistas a fim de impedir que o público lesse o conteúdo da publicação – onde ele sai bastante chamuscado, para se dizer o menos.

Este episódio a meu ver deixa claro algo que já vinha afirmando há tempos: que o “combate à corrupção” por parte destes veículos de imprensa não passa de verniz para o que realmente ocorre, ou seja, a difusão de propaganda político-partidária. O interesse não é extirpar a corrupção, mas sim voltar ao poder junto com sua corrente política. Também realça, como escrevi semana passada, a necessidade de algum tipo de regulação destes veículos e da difusão da notícia – ou via governo ou, o que seria melhor, por algum órgão ligado à sociedade civil.

Definitivamente, caiu a máscara. O Rei está nu.

P.S. – Breve, a resenha do livro aqui neste blog.

8 Replies to “O Silêncio Cúmplice da Imprensa: o Caso "Privataria Tucana"”

  1. Olá Pedro,

    Coloquei este blog na lista de recomendáveis do meu.
    Tem poucos dias de vida e discute carnaval, futebol e atualidades.
    Se quiser fazer uma visita:
    profanafesta.blogspot.com

    Abraço

  2. Perfeito!
    Este livro desnuda uma década de descalabros que fazem o mensalão parecer roubo de caixa de esmola de igreja.
    E o silêncio da grande imprensa é sintomático. Mostra que o quão a noção de liberdade de imprensa acabou neste país e que hoje vivemos numa ditadura muito mais abjeta do que a militar, já que as informações circulam e não são disseminadas por puros interesses comerciais.
    Graças a Deus que existem as redes sociais. Por isso que, de um tempo para cá, todo dia de manhã, antes de pegar o jornal, abro o twitter e o facebook. E me considero muito mais bem informado do que há alguns anos atrás.

  3. Íntegra da Nota de FHC sobre o Livro Privataria Tucana: Leia a íntegra:

    Infâmia

    A infâmia, infelizmente, tem sido parte da política partidária. Eu mesmo, junto com eminentes homens públicos do PSDB, fomos vítimas em mais de uma ocasião, a mais notória das quais foi o “Dossiê Cayman”, uma papelada forjada por falsários em Miami para dizer que possuíamos uma conta de centenas de milhões de dólares na referida ilha. Foi preciso que o FBI pusesse na cadeia os malandros que produziram a papelada para que as vozes interessadas em nos desmoralizar se calassem. Ainda nesta semana a imprensa mostrou quem fez a papelada e quem comprou o falso dossiê Cayman para usá-lo em campanhas eleitorais contra os tucanos. Esse foi o primeiro. Quem não se lembra, também, do “Dossiê dos Aloprados” e do “Dossiê de Furnas”, desmascarado nestes dias?

    Na mesma tecla da infâmia, um jornalista indiciado pela Polícia Federal por haver armado outro dossiê contra o candidato do PSDB na campanha de 2010, fabrica agora “acusações”, especialmente, mas não só, contra José Serra. Na audácia de quem já tem experiência em fabricar “documentos” não se peja em atacar familiares, como o genro e a filha do alvo principal, que, sem ter culpa nenhuma no cartório, acabam por sofrer as conseqüências da calúnia organizada, inclusive na sua vida profissional.

    Por estas razões, quero deixar registrado meu protesto e minha solidariedade às vítimas da infâmia e pedir à direção do PSDB, seus líderes, militantes e simpatizantes que reajam com indignação. Chega de assassinatos morais de inocentes. Se dúvidas houver, e nós não temos, que se apele à Justiça, nunca à infâmia.

    São Paulo, 15 de dezembro de 2011

    Fernando Henrique Cardoso

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