Nesta segunda feira, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, retoma tema tratado na última sexta feira: a identidade digital – e eventuais fraudes.

Identidade Virtual: Cuide Bem Dela

What is in a name? That which we call a rose by any other name would smell as sweet? (O que há em um nome? Aquilo que chamamos de rosa, com outro nome  exalaria o mesmo perfume agradável?), perguntava Julieta ao amado Romeu, na história de amor mais famosa de todos os tempos. Passei a refletir sobre a temática da identidade a partir do artigo do vizinho de coluna, Rodrigo Felga, que nos lembrou dos riscos crescentes das fraudes digitais.

Crimes digitais há de vários tipos, como pedofilia, difamações e ameaças de toda sorte, mas a estrela da companhia fica com os crimes de roubo de identidade. Mesmo antes da disseminação da grande rede esse já era um tema palpitante para a ficção científica, dando margens à especulações de que bandidos do futuro roubariam os olhos de inocentes para burlarem os sistemas de reconhecimento de íris.

A Internet, de fato, trouxe inquietações ainda maiores, com o fenômeno da construção de uma identidade virtual por vezes descolada da identidade real. O que emprestava identidade a alguém era o nome de batismo, o RG e a convivência com outras pessoas, que garantiam a autenticidade de quem se apresentava.

A web tornou esse processo bem mais complexo. Quem garante que @FLA_RS (o meu Twitter, bem sonolento) é um sujeito corpulento, de meia idade, pai de três filhas, nascido na Tijuca? Nem eu mesmo garanto, às vezes eu peço para um amigo postar alguma coisa por lá. Ou seja, o meu eu virtual é totalmente diferente de mim.

Todos nós somos muito desleixados com a nossa identidade virtual. Eu não gosto muito do Twitter, mas movimento bastante o Facebook e ainda o Orkut – onde, por sinal, algo muito curioso ocorreu: eu tinha um perfil fake, mas fui adicionando amigos reais a partir dele e o meu fake se tornou mais importante do que o meu perfil verdadeiro, a ponto de me obrigar a cancelar o verdadeiro e colocar meu nome real no perfil falso.

Tudo isso pode parecer só uma brincadeirinha, mas embute consequências bem mais sérias, das quais nem sempre nos damos conta. Embora de forma caótica e anárquica, o mundo está evoluindo para dar à identidade virtual uma autenticidade tão ou mais importante do que os métodos convencionais de RG ou assemelhados. Afinal, o que chancela a autenticidade de um perfil no Facebook é a rede de amigos ao seu redor.

O caso nem é novo, antecede até mesmo a chegada do Facebook no Brasil. A justiça australiana considerou válida a citação judicial feita a um réu por intermédio do site. O sujeito se esquivava de receber a intimação, ninguém o encontrava, mas ele passava os dias postando mensagens alegremente no Facebook. O intimaram ali mesmo.

E o fenômeno da identidade virtual vai tomando conta de nossas vidas aos pouquinhos. Eu sou o representante legal do escritório que trabalho perante à Receita Federal. Há uns dois anos que ela só aceita que eu me comunique através de um cartão com chip, o ‘e-CNPJ’. Conheço vários colegas na mesma situação que franqueiam o cartão e a respectiva senha para funcionários: um ato de evidente irresponsabilidade, dado que antes de toda essa tecnologia nunca lhes ocorreu pedir aos mesmos funcionários que falsificassem a assinatura em documentos protocolados fisicamente.

A Justiça Federal do Rio Grande do Sul só aceita processos eletrônicos. O advogado precisa salvar suas petições em formato PDF, fazer o upload no site do Tribunal e autenticar tudo com sua poderosa senha. Há quem encare com constrangedora naturalidade confiar essa senha a quem tem um pouco mais de intimidade com a tecnologia.

Esses comportamentos desleixados – escolher senhas óbvias e não tratá-las com sigilo extremo – são a verdadeira porta de entrada para o temido roubo de identidade.

E hoje em dia eu prefiro que me roubem o carro ou a casa do que roubem meu perfil no Facebook. O cara que afanar meu perfil rapidamente terá acesso a todos que me são mais próximos, falará com eles como se fosse eu, poderá fazer um estrago muito difícil de reparar. Talvez nem mesmo se um ladrão conseguisse um corpo artificial igual ao meu causaria um mal tão grande do que se apoderar da minha identidade virtual.

Isso seria mais do que uma fraude digital. Talvez ele ficasse no meu lugar para sempre. Talvez ele passasse a ser eu, me confinando apenas ao restrito círculo das pessoas de carne e osso com quem convivo.

Por isso, rapaziada, olho vivo na identidade virtual que construímos a cada dia, nesse emaranhado de senhas, chips e perfis. A expressão “impressão digital” está mudando de significado….ontem, era o borrão do seu polegar; amanhã, será o rastro que cada um espalha pela rede.