Neste sábado, temos mais uma edição da coluna “Bissexta”, assinada pelo advogado Walter Monteiro. O tema de hoje é o aborto, e confesso aos leitores: discordo do texto da primeira à última linha.
Mas este é um espaço democrático e a coluna segue abaixo, na íntegra. Minha opinião sobre o assunto já foi tema de post e pode ser lida aqui.
“Querem Polêmica? Que Tal Um Assunto Sério?
No mesmo dia que o Editor Chefe publicou meu texto me opondo à legalização da maconha, calhou do ex-Presidente Fernando Henrique defendê-la na Rede Globo. Com isso pode ter ficado a falsa impressão de que eu, esse Zé Ninguém, sou um conservador caretão e ele, FHC, do alto de sua incontida pose de última Coca-Cola gelada é quem seria um sujeito libertário modernoso.

Então que tal colocar “os pingos nos iis” e tratar de um assunto bem mais polêmico? E, ao contrário dessa bobagem de maconha e afins, algo realmente sério, que diz respeito à saúde pública – que tal defender publicamente a legalização do aborto?

Todos hão de se lembrar do espetáculo deplorável que nossa classe política nos brindou na última campanha presidencial. Defender o aborto, mesmo que timidamente, era garantia de perseguição sem tréguas. Aliás, tem sido assim não é de hoje e até mesmo em redutos ditos como progressistas, como a surpreendente derrota de Jandira Feghali para o Senado em 2006 por culpa de panfletos distribuídos nas missas. Em se tratando de aborto, os tempos são da Inquisição.

Vou poupar a todos de digressões filosóficas a respeito do início da vida e considerações de ordem religiosa. Lembrarei apenas uma obviedade ululante, mas nem sempre invocada nesse debate tão intenso.

A reprodução humana é fruto de uma relação sexual entre um homem e uma mulher. Estando a mulher em seu período fértil, cuja determinação precisa é sempre uma incógnita, qualquer relação sexual desprotegida,  em tese, é capaz de gerar um novo ser.

A revolução dos costumes….bom, eu nem sei se é tão adequado falar em revolução de costumes, porque suspeito que desde que o mundo é mundo as pessoas sempre fizeram sexo por prazer e da forma mais intensa e frequente que as circunstâncias lhes permitiam. Mas vou retomar o tema assumindo que, de fato, teria havido uma revolução nos costumes nos últimos, sei lá, 50 anos.

A revolução dos costumes, a descoberta de métodos contraceptivos mais eficazes e a redefinição do papel feminino na sociedade fazem com que cada vez mais as pessoas se dediquem à saudável prática do sexo, quase sempre sem nenhuma intenção de procriarem. Para tanto, lançam mão de todos os artifícios possíveis para evitar uma gravidez indesejada.

Infelizmente, por uma série de razões que todos conhecemos, às vezes esses artifícios falham e a concepção ocorre. 

Diante desse fato inesperado, restam aos envolvidos duas opções: a) consideram que a concepção, mesmo acidental, é algo que vai contribuir positivamente para as suas vidas e seguem em frente, fazendo planos para o nascimento do bebê; b) consideram que a concepção acidental alterará de tal forma o ritmo de suas vidas que seria inadequado criar um filho sob tais condições adversas.

Para algumas pessoas, pode parecer escandaloso, desumano, pecaminoso e tudo o mais de ruim que o leitor possa lembrar, que haja gente nesse mundo capaz de cogitar a opção “b”. Mas essa opinião não modifica a decisão das pessoas que decidem interromper a gravidez. E mesmo contrariando tais respeitáveis opiniões, as pessoas fazem o aborto. Vou repetir e até destacar, porque coisas tão singelas às vezes passam despercebidas: ninguém deixa de fazer aborto só porque ele é ilegal (ou melhor, tem gente até que deixa, mas falo disso logo a seguir).

O aborto ilegal provoca duas consequências lamentáveis. A primeira é que a cirurgia precisa ser feita em locais de duvidosa qualidade. A segunda é que pessoas que não tem recursos para pagar o preço cobrado pela cirurgia lançam mão de métodos abortivos alternativos. Em ambos os casos – com ênfase na segunda hipótese – o risco de morte das mulheres que precisam se humilhar a esse ponto é elevadíssimo.

A solução está na cara de todos nós. Vamos deixar de frescura, vamos reconhecer que o aborto sempre existiu e sempre existirá e vamos preservar a vida das nossas mulheres, até para que elas possam ter muitos e muitos filhos, sempre que desejarem tê-los. Vamos legalizar o aborto, obrigar os planos de saúde a custearem as cirurgias nas redes particulares, vamos fazer abortos na rede pública para os usuários do SUS.

É como penso, mas, claro, eu não patenteei a verdade. Quem discorda de mim e de muitos que pensam como eu [N.do.E.: eu sou um destes discordantes, como exposto no início deste post] sinta-se à vontade para expor seus argumentos na web, na imprensa, no Congresso, na sociedade, enfim. Mas que o faça como adulto, argumentando simplesmente, sem acusações baixas e preconceitos arcaicos, como a turminha gosta de fazer em período eleitoral.

E fica aqui o meu apelo: vem ser moderno de verdade, FHC, vem defender o aborto em rede nacional. A causa precisa de alguém do campo conservador com estofo suficiente para demolir resistências e o seu perfil é o ideal. 

Prometo que eu nunca mais vou falar mal de você.”

3 Replies to “Bissexta – "Querem Polêmica? Que Tal Um Assunto Sério?"”

  1. Discordo completamente…Achei o texto muito infeliz principalmente pela aparente “banalidade” com que um assunto tão sério é tratado.
    Legalizar o aborto porque as pessoas fazem sendo legal ou não para mim não é um argumento forte. A solução seria enrijecer as leis contra quem pratica tais atos e o mais importante, aplicar essas leis com severidade.

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