A notícia do final de domingo foi de que finalmente os Estados Unidos conseguiram pegar Osama Bin Laden. Em uma ação típica de “terrorismo de estado” o saudita líder da Al Qaeda foi sumariamente executado em ação do Exército americano próximo à capital do Paquistão. Não ficou nada a dever aos “autos de resistência” com que traficantes são eliminados aqui no Brasil.

Entretanto, algumas coisas há que se analisar nesta questão.

A primeira, sem dúvida alguma, é a total ilegalidade da operação. Um país estrangeiro foi invadido, um procurado encontrado e, ao invés de ser preso, morto. Parece claro que ele era um tremendo “arquivo vivo” americano, por ter atuado a serviço do governo estadunidense no Afeganistão e posteriormente no Iraque. Bin Laden detinha segredos que provavelmente embaraçariam muito os governantes, as forças armadas e a inteligência norte-americanas.

O correto seria ele ter sido julgado e condenado por seus crimes, mas possivelmente isso não interessaria a quem o queria “fora de circulação”. Infelizmente, responderam a um crime terrível com outro – extensão de toda a política beligerante desenvolvida pela grande potência no “pós 11 de setembro”.

Outro ponto é lembrar que as mortes decorrentes da reação americana aos atentados do World Trade Center superam exponencialmente às ocorridas nos atentados de 11 de setembro. Evidente que devemos lamentar estas mortes em New York, contudo perceber que tal fato foi utilizado como pretexto para invasões ao Afeganistão, a partes do Paquistão e, secundariamente, no Iraque. A “caçada a Bin Laden” serviu como pretexto para que os americanos impusessem sua lei em países do Oriente Médio e da Ásia e com a ocupação iraquiana garantir suprimento seguro (bom, nem tanto) de petróleo a baixo custo – além de gordos contratos de “reconstrução” para suas empresas.

Também é lamentável a reação do presidente americano Barack Obama e de populares americanos comemorando a morte do terrorista. Um por utilizar o assassinato como clara arma eleitoral; outros, por se deixarem manipular e expressar um sentimento bárbaro. Por mais que haja o sentimento de revolta pelos atentados, deve-se lembrar que a execução não trará de volta as vítimas. Além disso, não é com violência que se combate a violência.

As cenas das pessoas dançando nas ruas americanas são claro reflexo da irracionalidade que a política internacional e a existência de setores da imprensa comportando-se como partidos políticos vivem hoje. A manipulação de um e de outro levam a uma massa de teleguiados capazes de expressar seus instintos mais bárbaros. Assustador.

O presidente americano vive uma situação problemática internamente. A grave crise econômica e as desastrosas medidas de proteção ao mercado financeiro provocaram desemprego e erodiram sua popularidade. Nada melhor que exterminar o “Inimigo público número 1” para retomar sua popularidade e navegar tranquilamente pelas eleições do próximo ano. Obama tem se revelado um mandatário mais republicano que os próprios seguidores deste partido em suas políticas, em especial na Economia, o que vem desagradando ao eleitorado que nele votou esperando por uma mudança na orientação.

Obama utilizará certamente a morte de Bin Laden para retomar sua popularidade e desviar a atenção da população da grave crise econômica vivida pelo país, com reflexos em boa parte do mundo. Lá, como cá, o jogo eleitoral é quem determina a agenda política. Entretanto, vale lembrar que os Estados Unidos gastaram cerca de US$ 1 trilhão em guerras no Afeganistão e no Iraque sob o pretexto de encontrar o terrorista saudita – obviamente, as motivações não eram estas. Milhares de civis mortos, uma quantidade irresponsável de dinheiro, meia dúzia de industriais satisfeitos e uma população enganada: este é o saldo.

As guerras continuam, o Iraque e o Afeganistão estão ocupados, mortes de milhares de civis ocorrendo em nome de um projeto duvidoso de “geopolítica”. Nada mais trágico, nada mais desumano, nada mais esquecido. Não custa lembrar que os dois principais pólos de terrorismo hoje no mundo estão em duas cidades consideradas insuspeitas: Washington e Tel Aviv. Terrorismo de Estado, com vítimas em massa, em grande sequencia temporal. Bin Laden e a Al Qaeda neste quadro não passam de “peixes pequenos” nisso tudo. Pergunto ao leitor: a vida de cerca de três mil americanos vale mais que as centenas de milhares de civis mortos no Iraque, no Afeganistão e, em menor escala, no Paquistão?

Aliás, esta é outra questão que precisa ser bem avaliada. Estou terminando de ler um livro sobre este país, do conceituado cientista político Tariq Ali – que resenharei aqui brevemente. Ele deixa claro que no instável quadro de poder do país, dominado pelos militares, a aliança com os americanos é mal vista pela população e, por outro lado, a falta de um sistema amplo educacional tem levado muitas famílias pobres a enviarem seus filhos para as “madrassas”, escolas islâmicas. Esta combinação de governo dominado pelas Forças Armadas com população descontente e crescimento do poder  islâmico mais radical pode se revelar desastrosa.

Lembro aos leitores que o país tem a bomba atômica e, embora a possibilidade destas caírem em mãos radicais seja remota devido à predominância do Exército na vida política do país não se pode descartar o poder desestabilizador que uma ação destas pode trazer. Bin Laden foi capturado em uma ação próxima à capital do país, segundo o governo sem seu conhecimento prévio – o que, particularmente e como explicarei abaixo, não creio – e estes acontecimentos trarão certamente um potencial desestabilizador à geopolítica da região. Esta ação de captura por parte do governo estadunidense certamente pode afetar o já precaríssimo equilíbrio político do país, o que futuramente pode redundar em mais um fator de desequilíbrio sério na região.

Contudo, dadas as características da captura, me parece mais provável que o terrorista se encontrasse sob proteção de altas autoridades deste país. Afinal de contas, a mansão onde estava era muito próxima de bases do Exército local. Possivelmente o governo paquistanês foi instado a retirar a proteção ao “hóspede” sob a promessa de alguma tipo de ajuda econômica ou ainda ameaça de intervenção militar.

Concluindo, esta história de que o terrorista teve seu corpo jogado ao mar me parece absolutamente insólita. A desculpa dada de que era “para atender aos costumes muçulmanos” me parece mais insólita ainda dado o histórico de desrespeito americano à Fé no Islã. Se realmente o corpo de Bin Laden foi jogado ao mar – não há uma única prova material disto no momento em que escrevo – é algo mais semelhante aos funestos “vôos da morte” ocorridos na ditadura argentina, onde adversários do regime eram atirados do avião em alto mar.

A morte de Bin Laden não representa um mundo melhor, ao contrário do discurso do presidente americano. Até porque os grandes terroristas continuam livres, leves e soltos…

6 Replies to “Bin Laden, guerra e hipocrisia”

  1. Concordo 100% com tudo que escreveu. E gostaria de colocar dois comentários aqui:

    1) Sinceramente, até que uma prova concreta surja (essa história de sangue recolhido, DNA etc não vale), duvido da morte de Bin Laden;

    2) Muito estranho, justamente na semana que Obama enfrentou dúvidas quanto à sua verdadeira nacionalidade, isso vir à tona. Num momento em que enfrenta crises internas (econômicas e políticas). A “morte” de Bin Laden fez sua popularidade subir às alturas. Posso até arriscar que sua reeleição está garantida;

    3) Onde está o corpo? A história de que “tinham que se livrar do corpo” daquela forma, não cola. No site da BBC, diversos líderes religiosos muçulmanos já desmistificaram a versão estadunidense. Se não havia familiares de Osama para recebe-lo, qualquer outro muçulmano poderia fazê-lo;

    4) Gandhi uma vez disse: “se tudo for olho por olho, o mundo ficará cego”. As multidões estadunidenses comemorando em Nova York, refletem apenas a alienação e o conceito de massa de manobra. E o pior, denota o sentimento predominante do mundo atual. Parece que vivemos no mundo virtual do jogo “Mortal Kombat”, onde o “inimigo” derrotado é motivo de alegria. O que se ganha com isso? Melhor seria prender Bin Laden, vivo, e condená-lo a prisão perpétua. Ele morto, além de mitificá-lo, tornou ele um mártir e a represália (para aqueles que acham mesmo que ele morreu) será inevitável;

    5) Beatificam um Papa, se casam uns príncipes, terminam uma guerra santa… só falta que descubram a América e já é o Século XV. rsss

  2. Timing

    Na pior das hipóteses, o anúncio da morte de Osama Bin Laden é uma farsa equivalente àquelas fotografias de tubulações que os EUA usaram para justificar a invasão do Iraque. Se o anúncio for ao menos verdadeiro, significará que o Pentágono agiu de novo segundo conveniências políticas, aproveitando os primeiros movimentos do calendário eleitoral para “descontinuar” outro de seus antigos colaboradores.

    Por que justo agora, quando o Wikileaks expõe o caráter despótico do governo, quando as forças “pacificadoras” da ONU chacinam os familiares de um chefe de Estado e quando o cinturão de ditaduras financiadas pelos EUA para proteger Israel começa a balançar? Porque o momento exige uma escalada paranóica e xenófoba que ajude os EUA e as potências aliadas a recuperarem seu destaque na arena geopolítica.

    Depois de todas as dúvidas suscitadas pelo 11 de setembro, os mercenários de Barack Osama, digo, Obama podiam fazer alguma força para deixar suas versões mais plausíveis. Essa história de jogar o presunto do supervilão no oceano e vir com testes de DNA e fotos de um barbudo cheio de furos, convenhamos, soa bem fraquinha.

    http://www.guilhermescalzilli.blogspot.com/

  3. Isso, se o tal Bin Laden fez o que dizem fez, né? Ninguém me convence que não há um dedinho americano no 11/09

  4. Tem bem bem mais do que um dedinho so.. O pior eh que um povo (os americanos) que se julga tao superior, seja tao idiota e mal informado.

Comments are closed.