Nesta quarta, mais uma edição da coluna “História & Outros Assuntos”, assinada pelo Mestre em História e publicitário Fabrício Gomes. O tema de hoje é a integração via redes sociais e o quanto esta forma de interação substituiu a “vida real”.
A Síndrome de Roberto Carlos
Para você, que começa a ler esse texto, fique tranquilo: não estamos falando de uma doença ou Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) que o cantor Roberto Carlos tem. Tampouco é sinônimo de algum tipo de fanatismo por parte dos milhões de fãs que ele tem espalhados pelo Brasil e o mundo – pessoas que ouvem suas músicas o dia todo, compram todos os seus discos e DVDs ou lotam seus shows. E também não é uma nova música que ele pretende lançar.

A ‘Síndrome de Roberto Carlos’ pode ser considerada uma forma de vício que, no entanto, não é diagnosticado por nenhum médico, mas que milhões de pessoas sofrem e desconhecem: é a síndrome de pessoas (solitárias ou não) que fazem das redes sociais o único modo de socialização de suas vidas. É quando trocam o convívio diário com as pessoas e preferem canalizar suas vivências e experiências pessoais na tela de um computador (ou notebook, ou iPad, ou smartphone, entre outros).

“Eu quero ter um milhão de amigos…”

A letra da canção “Eu quero apenas” retrata o sentimento que hoje norteia a cabeça de milhares de pessoas – jovens, adultos, idosos – que fazem parte de redes sociais como o Twitter, o Facebook, o Orkut, o LinkedIn., entre outras. Qual o objetivo de se ter 5 mil, 10 mil, 1 milhão de amigos e seguidores, senão uma tentativa de socialização virtual, que o mundo real não é capaz de permitir? Seria uma maneira mais fácil de se relacionar? É o relacionamento moderno, que começa virtual e pode se tornar real – e na maioria dos casos, permanece apenas virtual?

O que são as redes de amizade direcionadas para namoros virtuais?

É mais fácil conhecer alguém no dia-a-dia ou simplesmente assinar um site de relacionamentos, receber e-mails com pessoas as quais você tem afinidades, enviar cupidos virtuais, escrever cartões na tela do computador?
As redes sociais encarnam uma espécie de fetiche do relacionamento moderno, baseado muito mais em conhecimentos, afinidades, do que propriamente no sentimento que caracterizava as relações humanas no passado. Percebemos uma certa descartabilidade do discurso, agora resumido em 140 caracteres (no Twitter) ou em mensagens instantâneas que podem ser lidas não no tempo presente, mas quando o receptor achar conveniente.

Infelizmente o “amante à moda antiga, do tipo que ainda manda flores”, que o mesmo Roberto Carlos declamava nos tempos idos não se adapta aos valores contemporâneos baseados na subjetividade do irreal.
Ele não pode ter um milhão de amigos simplesmente porque é praticamente impossível (fisicamente) que ele tenha contato com tantas pessoas ao longo de sua vida. E qual o objetivo de ter tantos amigos? Alguém será “melhor” ou “pior” do que o outro, só com base no número de amizades?
 
Ao mesmo tempo que se anseia por um milhão de amigos, constata-se que no mundo virtual cada um é aquilo que gostaria de ser. Novamente entra aí uma espécie de fetiche, mas desta vez comportamental, idealizado na personalidade que cada um almeja para si. O tímido na vida real pode utilizar o mundo virtual para extravasar uma personalidade reprimida.
Ou pode ocorrer o contrário: uma pessoa extrovertida, que queira mudar a opinião das pessoas, pode encarnar num intelectual que aprecia filosofia e bebe vinho francês nas horas de lazer.
Não é objetivo aqui dessacralizar os inúmeros benefícios (tempo, comodismo, conforto) e a praticidade que a internet e o advento das novas tecnologias trouxeram para a rotina das pessoas. Inclusive porque as redes sociais nos dão a possibilidade de atualização de notícias que acontecem em tempo real.
Revoluções acontecem nos países árabes motivadas pela troca de informações que ocorrem nas redes sociais. Mas o que devemos refletir é: que tipo de relacionamento vivemos e queremos ter?
Desejamos a ilusão meteórica de ter milhares de amizades (mesmo que só conheçamos 25% de todos os “amigos”)? Significa status de influência ter milhares de “seguidores”? Ter poucas amizades (porém verdadeiras) é sinônimo de desprestígio? O que está em jogo? A quantidade das amizades ou a qualidade dos relacionamentos interpessoais?

Como disse a filósofa e escritora Márcia Tiburi,

“o paradoxo a ser enfrentado nas redes sociais é que a maior quantidade de amigos éequivalente a amizade nenhuma. A amizade é como o amor, que só se sustenta na promessa de que será possível amar. Por isso, quando se sonha com o amor, ele sempre é desejo de futuro, no extremo, de uma eternidade do amor. O mesmo se dá com a amizade. Um amigo só é amigo se for para sempre. Mas quem é capaz de sustentar uma amizade hoje quando se pode ser amigo de todos e qualquer um?”