Com atraso – uma vez mais, culpa do editor – trago nesta segunda feira a coluna “Sobretudo”, do publicitário, rubro-negro e neo paulista Affonso Romero. O texto de hoje é um resumo do que a capital paulistana pode oferecer em termos culturais. Ressalto que o Rio de Janeiro também possui uma série de boas opções culturais e preço acessível.

O curioso é que vou à capital paulista há mais de vinte anos e conheço pouquíssimo a cidade. Mas se o leitor me permite uma dica, o bar “FrangÓ”, na Freguesia do Ò, oferece uma boa carta de cervejas e um bom galeto. Vale a visita.

Sobretudo – Diversidade Cultural

Em São Paulo não falta o que fazer. Muito constantemente, falta tempo para fazer tudo o que se oferece. Luiz, amigo de longa data, do Rio de Janeiro, me liga e pergunta o que mais há de bom para se ver em São Paulo no final de semana do show do Paul McCartney. Respondo de imediato:

– Ora, tudo…
– Especificamente…
– O de sempre, Luiz. Teatro, shows, galerias, museus.
– A Bienal, você foi à Bienal?
– Luiz, você sabe, eu acho que artes plásticas são um perigo. Atualmente, pode tudo, eu me sinto meio burro, acabo não compreendendo a profundidade da mensagem do autor – respondi, não resistindo a uma dose de ironia.
– Bem, arranjo companhia e vou à Bienal. O que mais você me indica?
– Venha para cá e compre algum guia de final de semana. Folha, Estadão e Vejinha têm dicas melhores que as minhas.

Não foi isso que o Luiz fez. Veio no sábado, encontrou com outros amigos que tinham sugestões mais práticas e diretas, além de morarem mais próximos à área central da metrópole. Seu ingresso para o Paul era apenas para segunda-feira, então ele teve dois dias para aproveitar algumas das opções paulistanas. No domingo pela manhã, ele foi à Bienal com nossa amiga Guta. 

Encontrei-os na hora do almoço, na Liberdade. Contaram que a Bienal poderia ter sido montada no YouTube, tantos eram os trabalhos para vídeo na mostra do Pavilhão do Ibirapuera. Subimos a Rua Galvão Bueno papeando sobre isto, paramos em várias lojinhas de importados, inclusive uma em que cada um de nós comprou uma bata chinesa. Luiz também comprou alguns DVDs piratas do Kurosawa numa das centenas de bancas de camelôs que vendem produtos culturais japoneses, digamos, paralelos.

Ainda encontramos, na Praça da Liberdade, outros amigos cariocas que iriam ao show dominical do Macca e bebemos um café. Guta seguiu para seu plantão de jornalista, dei caronas ao Luiz até o MASP e ao Heitor até uma estação de trem, para que seguisse ao Morumbi. Voltei ao ABC para tomar um banho e retornar à Paulista com a Mara. Tínhamos ingressos para o teatro.

Na verdade, minha sugestão inicial ao Luiz havia sido tão inespecífica porque eu já tinha programação para aqueles dias, mas conhecendo o gosto pessoal do meu amigo, sabia que as possibilidades eram mínimas de que algo que eu fosse fazer pudesse agradá-lo. Além do quê, tenho aproveitado algumas ofertas de ingressos de oportunidade, sejam promoções, sorteios, vendas com preço rebaixado, convênios, promoções, sites de descontos, de modo que fica meio complicado conseguir um ingresso extra em cima da hora. Daquela semana para cá, eu e Mara não paramos em casa. E gastamos muito pouco para isso.

Para que o caro leitor tenha uma idéia da variedade de opções, vou dar alguns exemplos do que temos feito, atividades para gostos variados.

Sexta-feira, 20/11 – Harry Potter e as Relíquias da Morte parte 1 – Acho muito interessante a série de filmes sobre o pequeno bruxo (agora, já não tão pequeno). Não é exatamente uma história especialmente ousada, não é cinema-arte, mas é diversão de boa qualidade. Um dos trunfos é que a série supostamente infanto-juvenil, tanto nos livros quanto no cinema, é palatável ao público adulto. Esta tendência é intensificada por este recente capítulo, a primeira parte da conclusão da história, cujo clima destoa de todos os outros filmes, sendo mais sombrio. Quase um filme de terror, e eu imagino que as crianças fiquem realmente assustadas. No entanto, para o público mais maduro, ou aquele que cresceu junto com os personagens da saga, o filma agrada justamente por ser mais denso. Para os fãs, é imperdível e dá um gosto de “quero mais”. Para quem vai ao cinema só para acompanhar um fã, vale se informar sobre as circunstâncias da historinha e entrar no embalo de um filme bem realizado.

Sábado, 21/11 – Churrasco, funk e quase samba – Churrasco de final de ano da empresa é uma dessas obrigações que embotam um pouco o calendário de novembro e dezembro. No meu caso, como trabalhamos com um exército de terceirizados que eu ajudo a coordenar, tenho sempre dois desses churrascos: o dos terceirizados e o do departamento propriamente dito. No dia 21, tivemos o evento dos terceirizados. Poderia ser só um compromisso social, mas alguém sempre tem a infeliz idéia de levar um equipamento de som. A trilha sonora foi de fazer rezar para uma falta de energia elétrica, se é que o amigo leitor me compreende. No final, fomos convidados a uma roda de samba que aconteceria no mesmo local, na sequência. Foi com alívio que lembrei que tinha ingressos para um show de rock à noite e (que chato!) não pude ficar.

Sábado, 21/11 – Ultraje a Rigor, SESC Santo André – Que coisa divertida relembrar os anos 80 na companhia de Roger e seus discípulos. Uma massa sonora modulada em três acordes dominou o espaço de eventos do Sesc, sem sutilezas, sem tempo para respirar. Foram quase duas horas seguidas de rock básico. Além de desfilar todos os seus grandes sucessos, o Ultraje ainda fez citações no mesmo tom, como o igualmente divertido Ramones.

Domingo, 22/11 – Toc-Toc, Teatro Gazeta – Num domingo absolutamente corrido, em que fui e voltei duas vezes do ABC ao Centro de São Paulo, fomos ver a despedida do mega-sucesso Toc-Toc no ano de 2010. A peça é uma engraçada e desenfreada abordagem das manias dos portadores de transtorno obsessivo–compulsivo, um texto e montagem absolutamente populares, quase popularesca. Funciona bem, principalmente se você estiver avisado do que se trata e quiser apenas diversão. O elenco, sem estrelas televisivas, é correto. Uma coisa louvável é a capacidade de textos assim de levar públicos imensos ao teatro, revigorando a arte e abrindo portas a novas platéias que, adiante, quem sabe, podem vir a se interessar por temas mais densos.  

Domingo, 22/11 – Paul McCartney, TV Globo – Voltamos para casa a tempo de vermos a transmissão da Rede Globo do primeiro show paulistano de Paul McCartney. Só não foi mais decepcionante porque eu já não espero nada da Globo quando ela conquista o direito de transmissão deste tipo de evento. Fui ver o Paul no Maracanã há uns 20 anos. Então, não me empolguei de pagar uma pequena fortuna para ficar a centenas de metros do palco sentindo dores nas pernas. Alguns vão a Mecca, eu já havia visitado Macca. Pelo que vi pela televisão, o tempo passou também para o genial cantor-baixista-compositor inglês. Deve ser mesmo difícil manter o pique e a voz num espetáculo de mais de duas horas e meia para um senhor de quase 70 anos. 

Macca, sempre simpático, enfrenta a maratona cantando tudo nos tons originais. Não faz feio, muito pelo contrário; mas tampouco consegue o mesmo efeito que eu presenciei há duas décadas atrás. No entanto, o repertório é impecável, alternando os principais hits da carreira solo de Paul com os sucessos inesquecíveis dos Beatles, além de pequenas e sinceras homenagens a Lennon e Harrison. E a Globo, como sempre, resolve cortar tudo, sumir com mais de uma hora do concerto original, como se algum espectador pudesse ter pressa para degustar uma maravilha assim.

Segunda e terça-feira, 23 e 24/11
– Paul McCartney em DVD – Fiquei tão chateado por não ver de casa o show inteiro que desencavei do fundo do baú os dois últimos DVDs lançados de Paul, que eu tenho em casa. Vi um em cada dia do início da semana: Paul in Red Square e Back in U.S. O primeiro mostra o show na Praça Vermelha, em Moscou, tendo o Kremlin de cenário. O segundo é um show-documentário da mega-excursão feita pelos Estados Unidos. Em ambos os DVDs, a banda era idêntica àquela que esteve agora no Brasil (destaque para o baterista e backing vocal Abraham Laboriel Jr, filho do consagrado baixista de jazz) e o repertório praticamente o mesmo. Exceto pelas homenagens aos ex-companheiros de Beatles falecidos, e que a Globo também não colocou no ar. É ou não é para querer explodir a emissora dos Marinho? De toda forma, recomendo fortemente os DVDs para quem foi ou não ao Morumbi.

Sexta-feira, 26/11 – JazzSinfônica+Richard Galiano no Auditório Ibirapuera – Segundo encontro seguido, em menos de dois anos, entre a orquestra paulista e o arcodeonista francês que introduziu este instrumento no jazz. O concerto se iniciou com três peças do argentino Astor Piazzolla, inclusive uma emocionante versão de Adiós Noniño, e seguiu com uma homenagem a Tom Jobim, passeando pelos principais temas do compositor carioca. A maioria dos arranjos, por escolha de Galiano, foi dos maestro Cyro Pereira. Diferentemente do recente Porgy and Bess, que comentamos aqui, o concerto deste mês não chegou a empolgar, apesar de correto e pleno de beleza musical. Vamos tentar voltar a ver a JazzSinfônica aqui no ABC antes do final do ano.

Sábado, 27/11 – Lô Borges, SESC Santo André – Se você gosta do repertório da música mineira dos anos 70, que fez a fusão entre as influências do pop-rock internacional e do jazz na MPB tradicional, assistir a um show do cantor e compositor Lô Borges tem tudo para ser uma boa experiência. Tudo menos uma banda à altura das canções e arranjos originais. Lô, como se sabe, é tímido. Sendo assim, deve se sentir mais à vontade cercado de amigos, mas bem que poderia arrumar amigos dotados de mais recursos musicais. O show não chegou a ser uma decepção, ainda que Lô estivesse gripado, exatamente porque o público se empolga e participa cantando junto, e é possível esquecer um pouco a baixa qualidade da execução quase colegial. Vale mais pelo clima.

Domingo, 28/11 – Cândida, de Bernard Shaw, Teatro Augusta – Texto brilhante do autor inglês, versa sobre as idiossincrasias da sociedade vitoriana no final do século XIX, contando a história do inusitado triângulo amoroso entre um pastor, sua bela esposa e um jovem pupilo aparentemente frágil e endinheirado. Elenco em grande forma, inclusive Bia Siedl no papel-título. A nota triste fica pelo contraste de público rarefeito em relação à Toc-Toc. Ao que parece, o público está a procura de textos mais aguados. E, no entanto, o Shaw pode ser tão divertido e engraçado quanto um texto mais popular, bastaria ao púbico se dar o direito e experimentar.

Quinta-feira, 2/12 – Bailão do Ruivão, cd de Nando Reis – O ex-Titã tocava na cidade e nós quase fomos ao Citibank Hall (ou seria Credicard, ou qualquer outra marca do mercado financeiro). Como estávamos cansados de tanta rua e temerosos das chuvas que andam alagando Sampa, ficamos em casa, mas eu dediquei algum tempo para ouvir com atenção ao novo disco de Nando Reis. O cantor deixou de lado suas composições próprias e montou um show-disco-dvd com sucessos absolutamente inusitados de outros autores. Vale o passeio pela diversidade e, só para se ter uma idéia, o repertório inclui até uma interpretação de Chorando se Foi com a participação de Chimbinha e Joelma da Banda Calypso. Este é o extremo a que Nando se permite. De uma maneira geral, o disco soa como uma grande festa-show, ou, como fez-se questão de frisar já no título, um bailão de verdade.

Sexta-feira, 3/12 – Churrasco do Departamento – Segunda versão da via-crucis de final de ano. A diferença é que, desta vez, nos esquecemos propositadamente do maldito aparelhinho de som. Quanta diferença! Pessoas puderam se conhecer melhor fora do ambiente de trabalho, carne e caipirinha bem feitas foram brindadas pela ausência de pagodes e pseudo-funks. O combinado era eu sair cedo, porque tínhamos ingressos comprados para o teatro.

Sexta-feira, 3/12 – Simplesmente Eu, Clarisse Lispector, Teatro Renaissance –  Era o compromisso pós-churrasco. Mas faltamos. Choveu um pouco e a Mara ficou com preguiça de vir até a região central de São Paulo para me encontrar. Não retirei aqui do roteiro, porque pretendo remarcar, já que a montagem, uma coletânea de textos da poetisa ucraniano-brasileira está sendo elogiadíssima pela crítica, incluindo-se a atuação de Beth Goulart como Clarisse. De antemão, fica a indicação.

Sábado, 4/12 – Tango, Uma Paixão – Teatro Municipal de Mauá – Eu sempre fugi desses shows para turistas em Buenos Aires como o diabo da cruz. Mas o espetáculo serviu para matar minhas saudades do climão trágico do tango portenho. Ainda prefiro caminhar pelas ruas de Baires ouvindo casualmente a música local, passando por casais que se apresentam nas calçadas a troco de contribuições solidárias e freqüentando os fins de tarde na Confiteria Ideal, onde amadores setentões bailam informalmente. Mas o show tem bons dançarinos, cantores simpáticos e músicos bastante competentes que desfilaram clássicos. Valeu, sobretudo, pelo esforço em apresentarem uma Argentina calorosa e as versões instrumentais do Piazzolla. Interessante a interpretação tangueira de Tico-Tico no Fubá.

Domingo, 5/12 – Concerto de Natal dos Corais da OSESP – Sala São Paulo – Já tradicional concerto natalino em que os corais infantil, juvenil e adulto da Sinfônica de São Paulo recebem seu público no domingo pela manhã para o encerramento do ciclo anual. Brilhante e emocionante, fugindo das mesmices no repertório, que vai num crescendo até o clímax em que os coros cantam juntos no palco da Sala São Paulo.

Domingo, 5/12 – Decoração de Natal da Av.Paulista – Antes de voltarmos para casa, passamos pela Paulista para um almoço em família e aproveitamos para conhecer a decoração de Natal da avenida. A novidade este ano é uma passarela com enfeites e presépios quase em frente ao Conjunto Nacional, onde será também o palco do show de réveillon. Aos que moram ou visitarão Sampa até o Natal, recomendo uma ida até lá. Se você aproveitar e der uma olhada nas estantes da Livraria Cultura, como fizemos, o programa fica perfeito.

Bem, houve atividades de todos os tipos e gêneros nestas últimas semanas. Se eu ficasse esperando fechar o ciclo até escrever esta coluna, ficaríamos sem contato até o ano que vem. Porque dezembro mal está começando, e já há muito mais o que fazer antes da ceia de Natal. Temos ainda algumas opções, entre concertos, filmes, peças e um jantar japonês que eu já comprei num desses sites de desconto. Quando eu morei em São Paulo há 20 anos, já havia muita atividade cultural na cidade. Mas era praticamente impossível sair de casa sem gastar muito dinheiro. Esta é uma grande mudança, a cultura ficou mais acessível e só fica em casa quem quer. Até a próxima, com mais mini-resenhas.”