Conversando ontem pelo Twitter com o candidato a senador Milton Temer (PSOL), ele havia difundido algo que faz parte do imaginário popular: que o lucro dos bancos é excessivo e que provém da rentabilidade dos títulos públicos federais elevada pela alta dos juros básicos – a Taxa Selic, sobre a qual falei recentemente.
Explicando ao leitor: o governo central possui uma carteira de títulos públicos na qual não somente gira as suas necessidades diárias de caixa como faz a sua política monetária aumentando ou diminuindo a quantidade de papel moeda em circulação.
Além disso, tal carteira serve para diminuir o efeito da entrada de capitais externos no país: a moeda forte trocada por reais poderia aumentar a quantidade de moeda em circulação, então emitem-se títulos de forma a manter o valor monetário em circulação em um patamar razoavelmente constante.
Irei mostrar ao leitor que este conceito era válido até 2002, mas que hoje em dia o lucro bancário advém em sua maioria das operações de crédito, não somente ao consumidor quanto a empresas. O crédito possui a função de fazer a economia “girar”, possibilitando a ampliação não somente do consumo das famílias como do investimento das empresas na ampliação de sua capacidade produtiva.
Para isso, farei uma pequena análise do balanço de 30 de junho de 2010 do “Banco Itaú Unibanco”, cujo valor recorde de lucro semestral foi utilizado pelo próprio candidato – em quem votarei, que fique claro – no exemplo.
Embora hoje eu trabalhe com petróleo, de 1995 a 2001 trabalhei na Atlantic Rating, a pioneira neste trabalho para bancos aqui no Brasil. Rating é uma análise de balanço que leva em consideração tanto os números de balanço quanto informações qualitativas obtidas em entrevistas denominadas “due dilligences”. A empresa foi vendida em 2003 para a Fitch Rating, uma das maiores empresas mundiais do ramo. Aqui o leitor pode conhecer um pouco mais sobre o trabalho de análise.
Lá aprendi a ‘ler’ um balanço e a interpretar dados que ali estão, e é isso que farei de forma reduzida aqui neste post.
O ativo consolidado do grupo financeiro – que inclui o Unibanco, a empresa de cartões de crédito, a seguradora e outras atividades financeiras do grupo – alcançou aproximadamente R$ 651 bilhões no primeiro semestre de 2010. A demonstração consolidada é mais adequada por refletir o desempenho de todas as empresas do grupo.
Deste total, podemos dizer grosso modo que os direitos a serem recebidos até 360 dias – oprerações de curto e médio prazo – somam aproximadamente R$ 495 bilhões. Deste valor aproximadamente R$ 115 bilhões são em títulos públicos, R$ 57 bilhões em depósitos – o “compulsório” do Bacen – e R$ 145 bilhões de operações de crédito.
A provisão de créditos de liquidação duvidosa – parcela reservada para a cobertura de empréstimos não pagos – é de 8,3% do total no circulante, o que é razoável – até porque o Itaú tem histórico de conservador neste ítem.
O ativo realizável a longo prazo (mais de 360 dias) é formado em sua maioria por empréstimos, com uma carteira de crédito de R$ 94 bilhões – sobre um total de R$ 148 bi. A provisão para devedores duvidosos é de 9,3%.
Há um grupo expressivo de “Outros Créditos” formado basicamente de créditos tributários – R$ 27 bi.
O passivo do grupo financeiro, ou seja, o que ele tem “a pagar”, tem em seu circulante R$ 337 bi – bem abaixo do ativo a curto prazo, o que indica uma boa posição – 1,46 de índice, ou seja, para cada R$1 que o conglomerado tem a pagar ele tem, grossso modo, R$ 1,46 para receber no mesmo prazo.
As principais captações são os depósitos de clientes ( R$ 124 bi) e as captações de títulos no mercado (R$ 92 bi). Levando-se em conta que estes depósitos são remunerados em média por Selic mais um fator dependendo do tipo de captação, temos o chamado spread.
Spread é a diferença entre o que ele paga para captar os recursos e a taxa que ele cobra para emprestá-los, seja ao governo (títulos públicos) seja aos tomadores de crédito. As operações mais lucrativas são as de cheque especial e cartões, que permitem que a concessão seja feita a 12, 13% ao mês até – para um custo de captação de 1,2%, no máximo.
Já para o empréstimo pessoal, com taxas de 3% em média o spread é menor, mas ainda compensador. Chama a atenção também o valor de R$ 25 bi referentes a faturas de cartões de crédito a serem pagas às lojas vendedoras.
No Exigível a Longo Prazo o quadro é semelhante, chamando a atenção apenas um valor significativo de provisões técnicas de seguros – 18,6% do total.
Seu Patrimônio Líquido é de R$ 55 bi, o que constitui em um Índice de Basiléia – que mede a solvência dos bancos – confortável de 15,7%. Groso modo, pode-se dizer que a alavancagem do grupo financeiro é de 4,73 vezes o patrimônio líquido para as operações de crédito e de 11,64 vezes para o ativo total. São índices que demonstram que o grupo ainda tem margem para ampliar sua carteira de crédito sem necessitar recorrer a aumentos de capital.
Agora vamos ao que interessa: o demonstrativo do resultado de exercício.
Vemos que a receita das operações de crédito foi de R$ 25 bi, contra uma receita com títulos de R$ 8 bi. Isto significa que, ao contrário do que ocorria nos tempos de juros básicos altíssimos, até 2001, 2002, hoje a maior parcela da receita dos bancos vem das operações de empréstimo.
Ou seja, é uma receita que advém de dinheiro utilizado para ampliar o consumo e o investimento do país, e não girando títulos públicos. Note-se que existem R$ 6 bi de prejuízo referentes a empréstimos não pagos e que o banco não espera mais receber, impactando negativamente o resultado global da instituição.
Também nota-se que a receita de serviços diversos – cartões, garantias e etc – garante a folha de pagamento do banco – os valores são praticamente os mesmos, cerca de R$ 6 bi. A recita de tarifas ficou em R$ 1,54 bi.
No final, pagaram-se R$ 2 bi de imposto de renda e contribuição social e chega-se a um lucro líquido consolidado de R$ 6,4 bilhões, com uma rentabilidade sobre o patrimônio de 11,64%.
Fica claro que hoje o Itaú Unibanco obtém seu lucro, basicamente, do spread nas operações de crédito, desfazendo-se a distorção que havia até 2002 de o resultado advir do giro dos títulos públicos. Banco que empresta e recebe de volta o valor emprestado é economia forte.
Obviamente que é uma análise bem grosseira, tanto que não comparei com os dados de 2009 disponíveis nem olhei a qualidade desta carteira de crédito. A princípio o conglomerado parece ter uma boa saúde, mas seriam necessárias análises mais aprofundadas, em especial dos empréstimos e da captação, para um vaticínio exato.
Entretanto, meu objetivo se alcança: mostrar ao leitor que banco pode sim ganhar dinheiro, desde que seja através de operações que lubrifiquem a máquina da economia e a permitam crescer e se desenvolver. Sendo assim é muito justo, embora este spread, a meu juízo, ainda seja alto demais.
Clique nas imagens para ver os números. E os demonstrativos completos, em pdf, podem ser baixados aqui.

One Reply to “O lucro dos bancos e sua função: o balanço do Itaú Unibanco”

  1. O mais incrível, Migão, é a capacidade dos Bancos de uma maneira geral na época da renovação da convenção coletiva, “maquiar” seus próprios números somente para não devolver aos funcionários pelo menos a perda do poder de compra que a inflação impõe a categoria todos os anos. E impressionante é ver como os Bancos manipulam a nossa economia de forma descarada.
    Grande abraço,

    Mariana

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