Neste último sábado, 5 de agosto, fez exato 1 ano da Cerimônia de Abertura da Rio 2016. Nesta coluna comemorativa será feito um relato breve da situação das instalações e de como está a entrega do “modo Jogos Olímpicos” para o “modo legado” das instalações esportivas.

Infelizmente, não há muito o que comemorar. Mesmo sabendo que 1 ano é pouco para fazer a total transição entre as duas realidades, a situação está pior do que a previsão mais pessimista feita ainda em 2016.

Seja pela crise econômica que teima em pairar sobre o Brasil, seja pela falência de fato do estado do Rio de Janeiro, que ainda agrava o fato anterior, ou pela abrupta mudança de prioridade e visão de cidade da nova administração da prefeitura do Rio de Janeiro em relação a administração que projetou e entregou a Rio 2016 ou pelo “simples” planejamento manco do “modo legado”, na área esportiva a entrega do legado tem deixado a desejar por qualquer ângulo que se veja.

Para piorar, ainda tivemos na semana passada o triste incêndio do Velódromo, ao que tudo indica causado por um balão que, mostrando a realidade brasileira de desrespeito amplo e irrestrito da lei, é uma atividade bastante comum nessa época do ano nas vizinhanças do Parque Olímpico.

Nessa parte I, passearemos pelas estruturas da zona Barra da Tijuca, a principal da Rio 2016. Começaremos nosso passeio exatamente pelo Parque Olímpico.

Após o fracasso da licitação de uma Parceria Público Privada para administrar o Parque Olímpico por falta de interessados, o então prefeito Eduardo Paes, sem espaço no orçamento e já no período de transição para o novo prefeito, Marcelo Crivella, decidiu “lavar as mãos” e deixar o problema para o sucessor resolver.

Já Crivella, ainda apertado por um orçamento muito otimista elaborado no ano anterior resolveu o problema da mesma forma que ele tem tentado resolver a maioria dos seus problemas até o momento: empurrando para outro. Nesse caso ele empurrou para o Governo Federal.

O Governo Federal, apesar da também falta de dinheiro em seu orçamento, já estava querendo dar um jeito de manter os cargos existentes na Autoridade Pública Olímpica (APO) e que ficou sem motivo nem objetivo após o fim dos Jogos Olímpicos. Temer e Leonardo Picciani – ministro dos esportes que é oriundo de família tradicional da política do Rio de Janeiro – então perceberam no “vácuo” a chance da permanência da APO.

Para quem não se lembra, a APO foi a autarquia que foi responsável por fazer a coordenação dos governos federal, estadual e municipal durante a fase de realização da Rio 2016.

Dessa forma, a APO mudou de nome e objetivo. Passou a se chamar Autoridade de Governança do Legado Olímpico (AGLO) e ficou responsável pela administração de 4 instalações permanentes do Parque Olímpico: Arena Carioca 1, Arena Carioca 2, Velódromo e Centro Olímpico de Tênis.

Além dessas estruturas do Parque Olímpico da Barra, a AGLO também ficou responsável pelo Centro de Tiro, centro de Pentatlo Moderno, o campo de Hoquei na Grama e a Arena da Juventude, agora rebatizada como Arena Coronel Wenceslau Malta. Todas em Deodoro e que, inicialmente, ficariam a cargo do Exército.

A criação da AGLO é bastante recente, de abril, e ela ainda está em fase de estudos sobre o que fazer com as arenas a médio e longo prazo. Tendo em vista o insucesso da captação de um administrador privado, como inicialmente previsto no plano da Rio 2016, um tempo a mais de replanejamento é compreensível; mas tal não pode durar eternamente e no ano que vem um plano factível já tem que estar em andamento.

Para complicar ainda a situação, boa parte do teto do velódromo pegou fogo semana passada e a pista altamente sensível de pinho siberiano ficou toda chamuscada com o fogo do teto e encharcada com a água usada para apagá-lo. A pronta resposta a esse acidente criminoso, justamente na arena que mais causou desespero na preparação para a Rio 2016 e maior candidata a elefante branco, poderá já mostrar o que podemos ou não esperar dessa nova AGLO. Nesse caso a boa notícia é que o ar-condicionado não foi afetado pelo fogo e isso ajudará bastante na recuperação da pista.

A Arena Carioca 2 deverá se tornar um centro de treinamento do Comitê Olímpico do Brasil (COB). Esse já era o plano desde 2009 e continua mantido, porém a implementação também durará um pouco mais porque o COB também viu sua verba diminuir para a implantação desse centro.

O Centro Olímpico de Tênis está abrigando competições de vôlei de praia, situação para a qual a estrutura se adaptou muito bem enquanto espera com ansiedade a permissão para o Rio Open de tênis trocar de piso – do saibro para o piso duro, para que a quadra central passe a receber o torneio.

Sendo uma das 20 maiores arenas do mundo projetadas para o esporte, são boas as chances da permissão chegar para o torneio de 2019, ficando em uma posição privilegiada no novo calendário da ATP.

O Velódromo e a Arena Carioca 1 demandam mais cuidados. O primeiro necessita de um grande valor para sua manutenção e pertence a um esporte cuja tradição no Brasil é muito próxima a zero. Já a Arena 1 sofre com a concorrência da Arena Olímpica de Ginástica, atual Jeunesse Arena e seu plano de sustentabilidade financeira a longo prazo terá que ser muito bem pensado.

Alias, a Jeunesse Arena, criada para o Pan de 2007 e antigamente chamada de HSBC Arena, manteve seu funcionamento de antes dos Jogos Olímpicos, feito por uma concessionária, e hoje continua a receber grande eventos esportivos de vôlei e basquete da cidade – além de shows de grande porte. É uma das poucas instalações já funcionando a pleno vapor.

A outra instalação oriunda do Pan 2007, o Parque Aquático Maria Lenk continua do mesmo jeito que estava após o Pan: largado e sem utilidade esportiva, salvo algumas competições esparsas, a última importante foi o troféu Maria Lenk, o campeonato nacional de natação. Algumas entidades esportivas também tem sua sede administrativa lá.

Das instalações permanentes do Parque Olímpico, ficou faltando a Arena Carioca 3. A menor arena, que inicialmente seria transformada em uma escola municipal especializada na prática esportiva, teve seu intento inicial abortado pelo governo Crivella.

O conhecido empresário Bruno Chateaubriand assumiu a federação estadual de ginástica do Rio de Janeiro e conseguiu montar nela um centro de treinamento de ginástica com equipamentos de ponta que estavam largados na UFRJ. Falta agora implementar um plano para que mais ginastas tenham acesso a ele.

Das instalações do Parque Olímpico, faltam a Arena do Futuro e o Centro Aquático, que seriam provisórios e desmontados ao fim da Rio 2016. Porém o desmonte estava previsto na Parceria Público Privada fracassada e a atual prefeitura alega não ter dinheiro para efetuá-la. Resultado: elas continuam intactas e abandonadas.

Para não dizer que ficaram intactas, a piscina do Centro Aquático foi desmontada e remontada no Centro de Educação Física do Exército, local que serviu de base para o Time Brasil durante a Rio 2016.

Conforme a parceria de construção do Parque Olímpico, o solo de ambas as instalações pertencem ao Consórcio Rio Mais, construtor do Parque. Porém esse consórcio é formado por ninguém menos que as construtoras Odebrecht, Andrade Guttierrez e Carvalho Hosken, que como é de notório conhecimento tem problemas muito mais urgentes e importantes do que liberar para construção alguns acres de terra no péssimo mercado imobiliário do Rio de Janeiro de 2017.

Com uma prefeitura sem dinheiro e um dono do solo sem a menor vontade de utilizá-lo a curto e médio prazo, as duas instalações estão paradas, esquecidas e abandonadas. O buraco da piscina do Centro aquático continua lá e a melhor quadra de handball do estado, talvez do país, está abandonada.

Onde está a comunidade do handball para tentar usar quadra? Com toda essa confusão, seria até possível a mudança de planos e a manutenção permanente da Arena do Futuro para a crescente popularização do handball no país, mas para isso pelo menos a comunidade mais interessada precisa se mobilizar e não há qualquer movimento mais sério nesse sentido.

A quadra da Arena do Futuro é uma das raras quadras novas e cobertas com 40x20m, medida oficial do handball, no estado e a única com uma capacidade gigante de público. Seria um belo legado sua manutenção e utilização.

Já o Centro Aquático é inútil, ainda mais com o Maria Lenk quase do lado.

Os pavilhões do RioCentro continuam disponíveis para utilização no maior centro de convenções do país; inclusive eles receberão a tradicionalíssima Bienal do Livro no fim do mês.

O campo de golfe já recebeu várias outras competições nacionais e está funcionando para a prática do esporte, com aulas e escolinha, porém sem qualquer das contrapartidas combinadas com o dono do terreno efetuadas. Apesar de ser um esporte muito elitizado e o turismo esperado no campo não esteja se realizando até o momento, ao menos não está abandonado e está cumprindo alguma função.

A Vila Olímpica está pronta nas mãos dos seus donos e construtores, mas com o baque no mercado imobiliário nem 10% das unidades foram vendidas. Pessoalmente, acho que a opção de padrão financeiro dos apartamentos foi mal pensada para uma Vila Olímpica, onde todos os prédios tem que estar prontos ao mesmo tempo, e isso impactará o tempo necessário para a venda dos imóveis. Porém, essa foi uma escolha exclusiva dos incorporadores e pelo menos não foi envolvido dinheiro público no empreendimento.

O adjacente Parque dos Atletas, que já havia recebido 2 edições do Rock in Rio, está completamente abandonado, já que o Rock in Rio deste ano foi deslocado para o Parque Olímpico, alguns metros antes.

Finalizando a região da Barra, o IBC/MPC, onde foi o centro de imprensa, também pertence ao consórcio construtor e continua parado, sem os construtores se decidirem o que farão com a estrutura.

Houve um boato no inicio do ano que seria comprado pelos canais Globosat para receberem, principalmente, a estrutura do canal Sportv. Porém até o momento isso não passou de boato e o próprio boato perdeu força ultimamente. Enquanto isso, o Hotel de mídia continua aberto ao público como um 4 estrelas de uma conhecida rede internacional de hotéis.

Imagens: Arquivo Ouro de Tolo

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37 Replies to “Legado da Rio 2016 após 1 ano: Parte I”

  1. Muito informativo o post, não tinha pensado nessa hipótese do ministério ter aceitado essa “bomba” pra manter os cargos políticos, faz todo o sentido. Muito triste a situação do parque olímpico, triste tbm ver que nem as federações se mobilizam para dar algum uso a essas estruturas :(

  2. Triste realidade! Torço para que isso possa mudar, mas olhando para a situação atual acho muito pouco provável. Estamos perdendo uma grande oportunidade de desenvolver novos talentos para o Brasil.

  3. Lamentável. É incrível como mesmo tendo a perspectiva de que haveria roubalheira descoberta e descaso ao final do evento, ainda assim a nossa classe política e as insituições sempre conseguem nos surpreender negativamente. Triste também ver que as federações e confederações, que deveriam estar entre as partes mais interessadas em encontrar soluções, em sua grande parte se omitem totalmente.

    1. Boa parte dos dirigentes Confederações está mais preocupada em se safar de denúncias de corrupção do que encontrar soluções para o legado olímpico e o patrocínio da modalidade pós Rio 2016.

    2. Há um outro ponto também, ao qual já me referi algumas vezes: o grupo político que tomou o poder na esfera federal após o golpe parlamentar do ano passado nunca foi um grande entusiasta dos Jogos Olímpicos aqui. Isso também pesa.

  4. Achei interessante o texto. Principalmente para os não moradores do Rio. Acho q só perdemos para Atenas, em abandono e falta de reaproveitamento das instalações. Nunca acreditei que a arena do futuro fosse virar escola

    1. Depende do referencial, Kleber. Pequim até hoje gasta um dinheiro monstruoso para manter algumas estruturas altamente deficitárias de 2008.

  5. Vamos torcer para recuperar nosso parque olímpico onde tivemos momentos emocionantes que marcaram a vida de muitos brasileiros como atletas e como público. Poderia estar sendo lugar para treinamento de novos atletas.

  6. Nunca concordei com as Olimpíadas no RJ ou em qualquer outra Cidade no Brasil, pq previa isso. Todo esse dinheiro deveria ser investido na nossa educação, saúde entre outros setores.
    Parabéns Vanessa pela excelente matéria.
    Gostaria de perguntar aos colaboradores de serviços durante as Olimpíadas, pq eles não fazem doações financeiras para manter toda essa estrutura.

    1. Vinicius, como este mesmo blog escreveu em 2015, na verdade os gastos com a Copa do Mundo e as Olimpíadas AUMENTARAM o dinheiro para saúde e educação, haja visto estas despesas, à época, serem uma percentagem do total arrecadado/gasto.

      A PEC dos Gastos Públicos aprovada recentemente é MUITO mais danosa à saúde e educação.

  7. Parabéns, Rafael.
    Excelente matéria como sempre.
    Que saudades das Olimpíadas e do meu Rio de Janeiro como era.

    1. Nem fala das saudades dos Jogos Olímpicos… As duas semanas mais esperadas de toda minha vida e cada dia de espera valeu muito a pena.

      Quanto ao Rio de Janeiro, é sempre necessário lembrar que o pensamento da AP-2 não representa o pensamento da AP-5, que é muito maior e mais populosa…

  8. O legado olímpico está aí, elefantes brancos, marginais a solta pela cidade cometendo toda ordem de crimes a qualquer hora, eu não acredito que um dia o Brasil será um país justo e honesto. A elogiar a brilhante matéria da Vanessa Huback.

    1. Sergio,

      Até que a quantidade de elefantes brancos da Rio 2016 foi bem menor do que em edições anteriores dos Jogos Olímpicos: as únicas estruturas que realmente tem grandes chances de serem elefantes brancos são o Velódromo e a estrutura da canoagem slalom, essa última matéria de amanhã.

      O resto é misto de falta de tempo, dinheiro e incompetência mesmo, a começar pelo absurdo do Maracanã, que também será rapidamente abordado amanhã.

      1. O Velódromo já se sabia desde o início que tinha grande chance de virar um elefante branco. Não chega a ser uma surpresa

  9. Primeiro a copa e agora as olimpíadas, so quem teve legado foi quem participou dos esquemas, nesses devem estar a curtir esse legado em algum lugar do mundo. :(

  10. Que materia show. Triste saber o que aconteceu/acontece com as arenas. E o legado olímpico prometido pelo COB, até então não está sendo feito.

  11. Muito bom o artigo, só uma dúvida: Nesse fds na Globo falaram que a piscina olímpica encontra-se desmontada dentro da Arena do Basquete em Deodoro e que depois o exército faria a montagem da estrutura na Escola de Educação Física do Exército na Urca. O artigo fala outra coisa. Qual das informações está correta.

    1. Eduardo,

      A Myrtha Pools, empresa indicada pela FINA para a montagem das piscinas, enviou há cerca de 3 meses uma nota para o site Inside the Games indicando que a piscina principal do Centro Aquático e a piscina provisória de aquecimento do polo aquático já estavam instaladas em seus devidos novos lugares. Esses lugares, pelo que foi divulgado pela Rio 2016 e o Ministério dos Esportes seriam respectivamente o Centro de Educação Física do Exército na Urca e outro lugar em Salvador. Foi com base nessa informação que escrevi o artigo.

      É possível que a piscina desmontada guardada na Arena seja a piscina de aquecimento da natação que, até onde sei, não tem local final definido.

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