Ando escrevendo pouco – ou nada, melhor dizendo – sobre Carnaval e esse é um erro (risos). Mas depois de ouvir com mais calma os sambas-enredo para o Grupo Especial do Rio em 2017 posso escrever sobre. E fiquei satisfeito.

Não tem nenhum samba desastroso, todos são no mínimo razoáveis ou gostosos de ouvir, e temos um que considero dos melhores da década, o da Beija-Flor.

A boa safra 2017 consolida uma retomada de qualidade do gênero samba-enredo, algo que começou em 2010 com “Brasil de Todos os Deuses” (Imperatriz) e “Noel, a presença do Poeta da Vila” (Vila Isabel).

Nesta análise, como fiz em 2015 antes do meu período sabático no OT, irei comentar os sambas pela ordem de qualidade, não dando nota por décimo – aliás, o Leonardo Dahi fez uma análise bem mais aprofundada – veja aqui o primeiro post e aqui o segundo. O Migão também escreveu sobre os sambas, de forma mais geral.

Divido os sambas em Excelente (Beija-Flor), Muito bons (União da Ilha, Vila Isabel, Mocidade e Mangueira), Bons (Portela, Grande Rio e Salgueiro), Razoáveis (as demais escolas).

Beija-Flor de Nilópolis

Depois de um desfile apenas correto, graças a um enredo que não pegou na veia, lá vem a Deusa da Passarela com um enredo de verdade e um samba de verdade, como diria Fernando Pamplona. Desde o momento em que ouvi o samba de Claudemir e cia, pensei comigo: “é esse”. Dizem que o Laíla não queria e tal, mas decididamente me apaixonei por esse samba de cara.

O bom samba faz com que você entenda o que é o desfile, e o excelente samba, além disso, faz você cantar junto e tem uma melodia agradável e/ou contagiante. E mais, é um samba ousado por natureza. Afinal, o que é o refrão principal com oito versos? “Vou cantar Juremê, Juremê, Juremê / “Vou contar, Juremá, Juremá / Uma história de amor, meu amor / É o carnaval da Beija-Flor” não sai da cabeça e tem tudo para ser entoado a plenos pulmões pela comunidade nilopolitana.

Os compositores conseguiram resumir muito bem a história de Iracema com lindas variações melódicas e diversos jogos de palavras. Na gravação do CD, a bateria veio bem “pra trás” mas isso só realçou o fato de que o samba flui muito bem por si próprio, não necessitando de uma aceleração. Se a Beija-Flor vier bonita como se espera acertar o desfile, não sei, não…

União da Ilha do Governador

Como é bom ver a querida escolha da Ilha do Governador acertar a mão no samba depois de dois anos decepcionantes. O grande mérito dos compositores a meu ver foi didatizar o samba sem deixá-lo arrastado. Ao contrário, com uma melodia forte e variações rítmicas interessantes, o samba não perde a pegada em nenhum momento.

Achei muito bem feita a costura do fim do samba para o refrão principal. Falando nele, juro que no momento em que ouvi pela primeira vez o verso “Êh, é no girê, é no girê…”, me lembrei da melodia do verso “No ayê, no ayê / No ayê…” refrão principal do grande samba da Unidos do Cabuçu em 1983 (“A visita de Ony de Ifé ao Obá de Oyó”).

Se serviu de inspiração eu não sei, mas que a Ilha voltou a fazer um grande samba, isso fez. Aliás é o melhor samba da Tricolor desde 1998, quando também fez um enredo afro (“Fatumbi”).

Unidos de Vila Isabel

Confesso que torci o nariz quando o espetacular samba do André Diniz foi derrotado. Mas a Vila terá, sim, um senhor samba-enredo para o Carnaval-2017. “O som da cor” é um enredo muito interessante e os compositores tiveram o mérito de não se agarrarem ao que diz a sinopse ipsis litteris, mas sim usarem trechos bastante sutis e instigantes.

Gosto muito do trecho “Oh, minha flor, quero você em meus braços / Bailando no mesmo compasso / Um tango de drama e amor”. O eterno desfile “Kizomba” é outra vez lembrado e com toda razão, já que, além de remeter a uma lembrança especial para a comunidade, tem tudo a ver com o enredo.

Outro ponto alto do samba é a excelente participação do cantor Igor Sorriso, a meu ver o melhor da nova geração.

Mocidade Independente de Padre Miguel

Assim como a Ilha, recuperou-se em termos de samba depois de um desfile não muito agradável, digamos. Lembro de ter dito no Bar Apoteose que não se poderia julgar previamente a Mocidade em relação a samba por ter escolhido Marrocos como enredo.

E taí o resultado: a Verde e Branco de Padre Miguel acertou em cheio ao escolher o samba defendido nas eliminatórias por Zé Paulo Sierra (um de seus compositores). A letra é muito inteligente e ainda por cima tem dois grandes achados – num tempo de intolerância no mundo todo – ao promover a diversidade como nos trechos “Fui ao deserto roncar meu tambor / Pra Alah conhecer meu Xangô” e ainda em “Ó, meu Brasil, abrace a humanidade / És a Pátria-Mãe Gentil da amizade”. 

A melodia também é elogiável, embora eu sinta a Beija-Flor superior nesse sentido.

Estação Primeira de Mangueira

A atual campeã vem com mais um bonito samba da vitoriosa parceria de Lequinho e cia. O ponto alto é a letra muito bem construída e que mostra com clareza a proposta do enredo de apelar para todos os (diversos) santos em busca do que se deseja, no caso da Verde e Rosa, o bicampeonato. Meus dois trechos preferidos são “No peito patuá, arruda e guiné / Para mostrar que o meu povo nunca perde a fé / A vela acesa pro caminho iluminar / Um desejo no altar ou no gongá” “Firmo o ponto pro meu orixá no terreiro / Pelas matas eu vou me cercar, mandingueiro / Mel, marafo e abô / Só com a ajuda do santo eu vou / Confirmar meu valor”, ambos com uma ginga deliciosa.

Como escreveu o Dahi, achei desnecessária a mudança melódica no refrão principal após a eliminatória, principalmente no verso “Batizado no altaaaaaaaar do samba”. Por outro lado, gostei da diminuição do tom no samba como um todo na gravação do CD, caiu bem para o Ciganerey. Por fim, pelo que apurei em relação ao barracão da Verde e Rosa, vem outro grande desfile aí…

Portela

O samba de Samir Trindade foi o escolhido pela Águia numa polêmica eliminatória em detrimento ao de Noca, mas vejo a escola bem representada por essa obra. Não que seja um sambaço como outros da própria Majestade do Samba nesta década, mas pode crescer durante o desfile. Na verdade, a própria safra portelense ficou um pouquinho abaixo do habitual, mas enfim…

Quanto ao samba vencedor, ele segue a proposta do enredo e exalta a própria Portela e tem versos bastante poéticos como por exemplo “Vem beber dessa fonte / Onde nascem poemas em mananciais / Reluz o seu manto azul e branco / Mais lindo que o céu e o mar”. Gostei muito da atuação do Gilsinho na gravação do CD e sem dúvida o cantor é um dos trunfos para fazer o samba render na avenida. A conferir.

Acadêmicos do Grande Rio

Outro caso de escola que recebeu pancada de tudo quanto era lado pelo enredo mas escolheu um samba agradável. Sim, Ivete deu samba! A melodia é pra cima como pede a homenageada e o refrão principal agrada. A letra, se não é extraordinária ou poética, tem boas sacadas e deixa clara a proposta do enredo. Gosto muito do trecho “O tambor da Invocada promete / Levanta a poeira, Ivete”. 

Gostei da atuação do Emerson Dias no CD, divertida como o samba.

Acadêmicos do Salgueiro

Mesmo com um enredo fantástico, a safra salgueirense não pegou na veia como no sambaço de 2016, mas o samba escolhido provavelmente servirá bem ao que a escola levará para a avenida – é claro que temos de esperar o desfile.

O samba, aliás, termina num falso refrão, uma solução que pelo menos no CD não me incomodou tanto como a outros analistas – aliás, isso é irônico em se tratando de Salgueiro, que por muito tempo perseguiu o Ita perdido no refrão principal de seus sambas… É um samba pra cima e pode crescer, principalmente no “Só entende quem é Salgueiro”, que caiu muito bem para a comunidade.

Imperatriz Leopoldinense

Não que o samba para 2017 seja ruim, mas, para quem se destacou por ser uma das escolas mais regulares no quesito nesta década, ficou um gostinho de quero mais. A letra para o enredo sobre Xingu tem boas passagens mas não chega a ser de um nível de “Axé Nkenda”, assim como a melodia.

Pelo menos na gravação do CD, não me lembro de ouvir um andamento tão “pra trás” de um samba nas últimas décadas. Não que eu seja defensor da aceleração das baterias, ao contrário, mas achei um exagero no caso gresilense. Vamos ver se na avenida o andamento será um pouco mais rápido, o que, acho, daria uma maior pegada ao samba. Mesmo com o samba “pra trás”, achei boa a condução do  estreante Arthur Franco.

São Clemente

Taí um samba que rendeu análises bastante díspares (gostaram?). Já vi gente incensando essa obra e outros metendo o malho. Nesse caso, nem tão ao céu, nem tão ao inferno. A frutífera parceria entre Luiz Carlos Máximo e Toninho Nascimento rendeu um samba melodicamente agradável, mas cuja letra me pareceu preocupada demais com a sinopse.

Agradou o refrão principal, mas quero ver esse samba com a bateria mais “pra frente” do que no CD.

Paraíso do Tuiuti

O interessante enredo sobre a Tropicália acabou surpreendentemente não rendendo um samba-enredo dos mais auspiciosos. Não que seja uma obra que destoe completamente dos demais sambas ou seja ruim. Mas eu esperava mais, talvez tenha faltado mais ousadia como enredo pede.

De qualquer forma sempre vale a ressalva de que é preciso sempre esperar a avenida para ver se ao menos o samba vai funcionar para passar o enredo e conduzir a escola. Gostei do refrão central, mas nada mais me chamou muito a atenção.

Unidos da Tijuca

Exceção feita ao ano passado, quando veio com um belíssimo e melódico samba, a Azul e Amarelo do Borel vem se caracterizando por escolher obras mais funcionais do que poéticas. Se analisarmos a letra do samba de 2017, ela cumpre bem a função de se encaixar à sinopse sobre a música americana.

A frase“Chega my brother” foi bastante criticada por vários analistas e realmente não me agradou, assim como as guitarras na gravação do CD. A comunidade tijucana como de costume vai cantar bem na pista, mas gostaria de ver uma reviravolta no estilo de sambas da agremiação nos próximos anos.

Essa análise, assim como a de outros companheiros, evidentemente não visa a dar pancada em ninguém, tampouco depreciar nenhuma das obras escolhidas para o desfile de 2017. O objetivo é levar ao leitor uma visão sobre os sambas e deixar que ele mesmo tire suas conclusões.

Os vídeos deste post foram gravados pelo site Carnavalesco durante o lançamento do CD na quadra do Salgueiro.

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2 Replies to “Os bons sambas de 2017”

  1. Na minha opinião, os sambas da Mangueira, Vila Isabel e Portela prometem dar um sacode geral nas arquibancadas e na passarela, assim como o Grande Rio e Ilha. Porém o da Beija-Flor considero o melhor do ano, um dos melhores do século. E este ano não tem samba ruim.

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