É difícil, é muito difícil fazer isso faltando apenas 22 dias para a abertura dos Jogos Olímpicos , especialmente quando ele ocorre na sua cidade; mas hoje e amanhã são dias para deixar os Jogos Olímpicos um pouquinho de lado, pois chegou o momento de analisarmos os enredos e as sinopses do Grupo Especial do Rio de Janeiro para 2017.

Para esse ano, decidi mudar a metodologia da análise. A atribuição de notas é algo muito impositivo em um momento tão inicial da preparação para o desfile. Sendo assim para esse ano, decidi mudar a avaliação ao final de cada comentário.

Ao invés de dar uma nota seca, avaliarei apenas os dois aspectos mais importantes nesse momento de preparação do plano de desfile: a relevância cultural do tema e a argumentação do enredo.

O primeiro é bastante subjetivo e, como tudo que é subjetivo, tende a polêmicas. Mas polêmicas saudáveis fazem bem ao cérebro. Já o segundo é mais objetivo, ressalta como a “história” que a escola pretende contar está “bem amarrada”, tem uma mensagem clara a passar e não problema de coerência, coesão e argumentação.

Sendo assim, classificarei a relevância do tema em muito alta, alta, interessante, duvidosa e muito duvidosa.

a argumentação estará classificada em boa, muito interessante, interessante, duvidosa, muito duvidosa e desastrosa. A última será reservada para reais desastres e deverá ser de aplicação rara – esse ano, por exemplo, não tem nenhuma. Já as avaliações muito interessantes serão reservadas para aquelas que fogem do normal, mas que podem gerar excelentes soluções.

Tendo explicado as alterações a esse ano, cabe um último comentário geral. Esse será o carnaval da música negra americana: além de um enredo que basicamente só fala nela, outros dois enredos parecem ter reservado um setor, ou ao menos parte de um setor, para ela.

Sem ter mais o que falar em geral, vamos às análises individuais, sendo a ordem das escolas a mesma definida para a ordem dos desfiles, como sempre.

20160206_225554Paraíso do Tuiuti

Enredo: Carnavaleidoscópio Tropifágico

Carnavalesco: Jack Vasconcelos

Autor da sinopse: Jack Vasconcelos

O enredo, inicialmente dito que seria em homenagem a Caetano Veloso, na verdade será uma homenagem a Tropicália, movimento cultural lançado por Caetano Veloso e Gilberto Gil e que tem na figura de Caetano sua melhor personificação.

Tropicalismo, que por sua vez tinha muita comunicação com a pop art, a poesia concretista e com o Manifesto Antropofágico, todos movimentos modernistas. O primeiro mundial, já os outros dois muito marcantes no Brasil e que foram muito bem aproveitados na sinopse. Inclusive, a epígrafe da sinopse é um famoso poema de Oswald de Andrade, justamente o autor do Manifesto Antropofágico.

Outra lembrança do Manifesto Antropofágico é a assinatura de Jack Vasconcelos na sinopse: logo após seu nome ele escreve os seguintes dizeres “Em Rio de Janeiro, ano 460 da deglutição do Bispo Sardinha”. Para que não sabe, Oswald de Andrade assinou seu Manifesto Antropofágico exatamente desse jeito: “Em Piratininga, Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha”.

É provável que tenhamos um carro lembrando da famosa tela “Abaporu”, a representação mais iconoclasta do Movimento Antropofágico.

Pensando em um livro, em uma lógica, a argumentação da sinopse parece fraca no papel, pois foi uma colagem de várias coisas relacionadas aos 4 movimentos culturais acima apontados sem me parecer ter uma ordem clara.

Porém temos que ter em mente que o desfile de escola de samba não é um livro escrito, mas um espetáculo audiovisual, com muitas cores, formas e música. Para isso, essa sinopse é muito promissora. Ela permite que se use todas essas cores, as diversas formas que se transformam, típicas do tropicalismo no enredo.

Ao mesmo tempo, é uma sinopse bem leve e solta, de forma que eu acredito que os compositores tenham liberdade para compor o samba enredo e há elementos suficientes para que saia boa música.

Torçamos para que mais uma vez a Tuiuti nos brinde com um belo enredo e um belo samba na avenida, tal qual ficou de sua única participação no Grupo Especial até aqui, em 2001. Material para isso tem. Porém, até por causa do moisaico multifacetado da sinopse, é fundamental um cuidado grande na confecção do Livro abre-alas da escola para amarrar a ideia do desfile e deixá-la clara para os julgadores para evitar a perda de pontos desnecessários.

Relevância cultural: muito alta

Argumentação: muito interessante

20160208_020914Grande Rio

Enredo: Ivete, do Rio ao Rio

Carnavalesco: Fábio Ricardo

Autores da Sinopse: Fábio Ricardo e Helenise Guimarães

Antes de comentar sobre a sinopse, é interessante notar que a Grande Rio chamou para fazer a sinopse uma julgadora de longa data do Grupo Especial. Helenise foi julgadora de Alegorias e Adereços por muitos anos até que foi afastada após dar aquela nota 10 para as complicadíssimas alegorias da Vila Isabel em 2014.

Quanto a sinopse, gostei dela. Não inventa, não complica e assume de corpo e alma o intuito de homenagear Ivete Sangalo. Assim temos um enredo puramente biográfico, que trata da vida de Ivete do início ao fim, sem qualquer fio condutor para tapar buraco. Exatamente o oposto dos desastrados desenvolvimentos de Zezé di Camargo e Luciano na Imperatriz e Boni na Beija-Flor, por exemplo.

Ao que parece, a sinopse é dividida em 6 setores. O primeiro cuida de apresentar a cidade-natal de Ivete, Juazeiro-BA, com o cuidado de apresentar o contexto cultural da cidade e a influência que isso causou em Ivete.

Depois são citados os pais da cantora e como isso também influiu em compor seu “mosaico cultural”, enquanto o 3° setor cuida da vinda dela a Salvador, mostrando a efervescência cultural que tomava conta de Salvador na época.

O 4° setor conta o início da carreira de Ivete e a Banda Eva, enquanto o 5° setor conta a despedida da Banda Eva e a carreira solo. O 6° setor fecha o enredo com aquele clichê de unir o artista à comunidade da escola.

Um enredo que não tem medo de ser biográfico do início ao fim, que explica como tudo se desenvolveu na vida da homenageada. A vida de Ivete é um belo enredo por si e a Grande Rio acertou ao simplesmente fazer o “feijão com arroz” e não inovar.

Eu, que olhava esse tema com desconfiança, agora creio que o enredo tem todas as condições de conduzir um bom desenvolvimento e a Grande Rio precisa disso para esquecer o desastre que foi o desenvolvimento do enredo de (ou do?) Santos.

Relevância cultural: Interessante

Argumentação: boa

20160209_034454Imperatriz

Enredo: Xingu, o clamor que vem da floresta

Carnavalesco: Cahe Rodrigues

Autor da Sinopse: Cahe Rodrigues, Marta Queiroz e Claudio Vieira

Quem espera novidades, ao menos temáticas e argumentativas, não espere ansiosamente a Imperatriz. O tema do enredo é a destruição da floresta, a matança dos índios pelos colonizadores, a expedição dos irmãos Villas Boas e todas essas coisas que já se viram na Sapucaí umas dez mil vezes. Sequer vislumbro um enfoque diferente, como tem sido moda nos últimos anos.

O enredo será aberto com uma mostra das várias celebrações tribais tradicionais dos índios do Alto Xingú, foco do enredo, em uma espécie de introdução antes da sinopse entrar em uma linha mais histórica. Fiquei com a impressão de que este setor inicial (ao menos a sinopse dá a impressão de já estar dividida em setores) ficou deslocado da argumentação do resto da sinopse. Mas pode ser apenas uma introdução e não atrapalhar.

Depois a sinopse apresenta, sequencialmente, a floresta “virgem”, antes da chegada dos europeus, a chega dos europeus e as atrocidades feitas conta os índios, a construção das usinas hidroelétricas na região do Xingú (época da ditadura militar), as expedições dos irmãos Villas Boas que foram responsável pelo contato com várias tribos indígenas e termina com um “clamor” pela sustentabilidade para preservar o pouco que ainda se tem de floresta.

Esse final também parece ser um tanto quanto abrupto, o que também pode comprometer o desenvolvimento do enredo. Mas antes de pensar nos possíveis problemas de desenvolvimento, a Imperatriz precisa é cuidar melhor do seu Livro Abre-alas que, como foi mostrado na Justificando o Injustificavel, foi o responsável pela perda de décimos bobos pela falta de esmero em sua confecção.

Relevância cultural: relevante

Argumentação: duvidosa

20160208_220651Vila Isabel

Enredo: O Som da Cor

Carnavalesco Alex de Souza

Autor da sinopse: Alex de Souza

Esse é um daqueles enredos que não tem um fio histórico ou geográfico muito forte o unindo em uma mensagem. Basicamente a sinopse parece apenas querer mostrar quais músicas, quais ritmos relacionados aos negros, especialmente dos escravos e seus descendentes, existem na América e apenas no continente americano.

Como a sinopse delimita muito bem seu ponto de corte não tem maiores pretensões do que a mera apresentação, a argumentação fica mais facilmente dentro de uma zona de conforto e não é necessário bolar uma lógica narrativa para unir os pedaços. Isso não é nenhum demérito, nem deve(ria) causar perdas no julgamento pela “simplicidade” do argumento.

Tal mera demonstração não impede de, rapidamente, se mostrar como cada ritmo surgiu, o que me parece ser feito com correção por toda a sinopse. Logo, serão mostradas a habanera, o movimento rastafari e o reggae, as músicas originadas na América do Sul como a cumbia, o tango e a milonga; além é claro, de um setor dedicado à música negra americana antes de entrar nos variados ritmos negros brasileiros, terminando é claro, no clichê do samba.

Não é nada inédito, nada inovador, nada revolucionário; mas deverá dar um belo samba-enredo, um bom enredo e uma boa plástica, melhor ainda: uma plástica barata em temos de crise.

Relevância cultural: alta

Argumentação: boa

20160208_231047Salgueiro

Enredo: A Divina Comédia do Carnaval

Carnavalescos: Renato Lage e Marcia Lage

Autores da Sinopse: Renato Lage, Marcia Lage e Diretoria Cultural

Parece que o principal intuito da sinopse é fazer uma paráfrase carnavalesca do clássico ‘”A Divina Comédia” de Dante Allighieri, finalizando com uma homenagem aos três maiores carnavalescos da história do carnaval: Arlindo Rodrigues, Fernando Pamplona e Joãozinho Trinta.

É um enredo que pode dar certo e se der certo será uma pancada, mas eu particularmente tenho dúvidas. Será que não irá parecer mais uma das “homenagens envergonhadas” que tanto deram erradas nos últimos anos? Espero que não.

Em sendo uma homenagem “en passant”, não ficará um gostinho de falta de desenvolvimento? É um risco.

Será que esse jogo inferno/paraíso “dará liga”? Rosa já usou um abre-alas de inferno esse ano na São Clemente e não deu muito certo. Outras tentativas nos últimos anos também não tiveram o impacto esperado. Em que essa abordagem será diferente para dar certo?

Em outros tempos até a mistura de inferno/paraíso/purgatório e umbanda, feita especialmente no fim, também daria sérios problemas com a Igreja Católica. Porém, como os tempos são outros desde que o Cardeal D. Orani Tempesta assumiu a Arquidiocese do Rio, não acredito que haverá problemas quanto a isso.

Porém eu vejo esse “toque afro” tão forçado quanto os orixás do enredo de Gaia.

Após ler a sinopse, continuei sem saber qual é o argumento do enredo. Em minha humilde opinião ficou confuso. Por tudo o que relatei, considero um enredo capcioso. Pode dar certo, e se der será um nocaute, mas tem maiores probabilidades de dar errado.

Relevância cultural: interessante

Argumentação: duvidosa

20160208_004433Beija-Flor

Enredo: A Virgem dos lábios do mel – Iracema

Carnavalescos: Laíla, Fran Sergio, Victor Santos, André Cezari, Bianca Behrends, Cristiano Bara, Rodrigo Pacheco, Wladimir Morellembaum, Brendo, Gabriel Mello e Alexandre Lins

Autores da Sinopse: Laíla, Fran Sergio, Victor Santos, André Cezari, Bianca Behrends, Cristiano Bara, Rodrigo Pacheco, Wladimir Morellembaum, Brendo, Gabriel Mello e Alexandre Lins

Eis que depois de muitos anos, uma escola do Grupo Especial resolve retomar algo que era comum nos enredos dos anos 70 e 80: a representação de obras marcantes da Literatura nacional.

Para os poucos que não sabem, Iracema é um livro clássico da trilogia indianista de Jose de Alencar, o maior representante da fase romântica da nossa Literatura. Iracema retrata a lenda de uma indígena, Iracema, que encontra em um homem branco, Martim, seu grande amor e dessa união nasceu Moacir, que seria o primeiro brasileiro miscigenado.

É uma história bastante conhecida, de excelente carnavalização e fácil argumentação. Isso torna o enredo muito fácil de ser entendido pela comunidade e assim, mais bravamente defendido. Excelente escolha da Beija-Flor, que junto com a posição de desfile, começa muito bem a sua preparação para 2017.

Particularmente torço para que dê certo e assim mais escolas se sintam encorajadas a voltaram a abordar clássicos da Literatura brasileira.

Relevância cultural: muito alta

Argumentação: boa

Amanhã, as escolas de segunda feira.

Imagens: Ouro de Tolo

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