Hoje, as escolas de segunda feira.

União da Ilha

Enredo: Nzara Ndembu – Glória ao Senhor Tempo

Carnavalesco: Severo Luzardo

Autores da Sinopse: Severo Luzardo e André Rodrigues

Devo admitir: eu não posso avaliar com detalhes a sinopse da Ilha. Por quê? Porque mais uma vez eu não entendi uma sinopse autoral do Severo Luzardo.

Luzardo tem esse histórico de ser um brilhante carnavalesco, especialista na reutilização e materiais, mas que tem dificuldades quando lhe dão ampla liberdade para criar um enredo autoral. Foi assim na Império da Tijuca em 2012 e na Cubango em 2013, dois enredos que, até hoje, ninguém sabe ao certo o que realmente tentaram retratar – nem lendo as explicações naquele livrinho distribuído aos espectadores na Sapucaí.

Mais uma vez, não entendi o enredo. Tanto é difícil que logo após a sinopse vem um texto “justificativa” tentando fazer com que a sinopse fique mais palatável.

É um enredo sobre Kitembo, orixá ligado ao tempo, à ancestralidade. Porém, apesar disso  em toda a sinopse a palavra tempo só aparece na primeira e na última parte. Um enredo recheado de palavras que não são comuns ao nosso vocabulário, até porque trata de muitos elementos do candomblé pouco sincretizados, e que não consegue esclarecer a história que vem contar.

Aí me pergunto: se nem em palavras, em uma sinopse relativamente longa, a sinopse consegue se explicar, conseguirá ela ser explicada ao público apenas em imagens? Ou será que até os julgadores, mesmo com o livro abre-alas em mãos terão dificuldade de entender a história? Se eu fosse torcedor da Ilha e lesse a Justificando o Injustificável de Enredo dos últimos 2 ou 3 anos, ficaria preocupado.

Sinceramente muito pouco conheço da lenda religiosa ligada a essa figura Kitembo e pouco aprendi lendo a sinopse. Pelo contrário, continuei com muitas dúvidas.

Por exemplo, ao que me parece, a Ilha irá contar mais uma mitologia ligada à criação do mundo. Não a toa, ela começa com Nzambi Mpungu em seu suntuoso palácio, o Templo da Criação. Parece-me que ele estava cuidando da criação do mundo (a sinopse é introduzida de forma muito rápida e não explica isso direito). Se ele ainda estava criando o mundo, como ele já convoca o Rei de Angola, Kitembo, quando ainda está criando o mundo?

Outra, se o espírito livre de Kitembo varou os ceus e se fixou na terra depois de ser chamado, como ele já era rei de Angola antes disso? O reinado de Angola não é um poder terreno?

Nisso se seguem histórias nas quais ele encontra outras divindades e cria a natureza, o vapor de água (aqui, cabe outra pergunta, quem é Bamburucema que do nada aparece na sinopse para nunca mais voltar após rápida aparição?), as águas salgadas etc.

Mas espera aí, ele já não era Rei de Angola lá no início? Angola já estava fincada no nada, flutuando no plasma universal antes de se criar o mundo?

No fim, parece que a mensagem que Severo quer passar, ou melhor, incutir a dúvida em receptor do enredo, é a velha máxima de pensarmos como será o futuro da humanidade sem preservar o meio ambiente.

Ainda sim, mesmo que seja pura burrice minha e o enredo seja óbvio para quem conhece tal mitologia, acho muito difícil que isso se transforme em um enredo minimamente entendível na avenida, apenas com imagens e cores. Minha aposta é que entrará no rol de viagens maionésicas da (brilhante artisticamente) carreira de Severo.

Relevância Cultural: simplesmente não consigo avaliar a relevância se eu não entendo sequer o enredo

Argumentação: muito duvidosa.

sao-clemente_alexandre_durao-g1_dsc_8513São Clemente

Enredo: “Onisuáquimalipanse”

Carnavalesca: Rosa Magalhães

Autora da Sinopse: Rosa Magalhães

Por ser fã de Rosa, sou suspeito, mas mais uma vez temos uma aula da Prof. Rosa, seja na escolha do enredo seja na confecção da sinopse. Eu resolvi não dar notas esse ano, mas se desse seria meu 3º dez consecutivo para Rosa e a São Clemente.

Inicialmente, cabe explicar o título: é como se fala a frase em francês “Honi soit qui mal y pense”, que significa “Envergonhe-se quem pensar mal disso” em tradução da própria Rosa (há outros significados possíveis).

A frase é mais conhecida por ser o lema da Ordem da Jarretera, uma comenda inglesa e por isso é muito ligada a nobreza. Porém, Rosa não conta essa história; mas outra, do reinado francês de Luís XIV, o “Rei-Sol” com o seu “ministro” das finanças, Nicolas Fouquet.

Então o enredo rapidamente apresenta quem é Luis XIV, sua esposa, a Rainha Consorte Maria Teresa e então passa a história em relação a Fouquet. Basicamente é um ministro das finanças que constrói um palácio enorme e lindo e o inaugura com uma festa de arromba. O Rei Sol então ficou irado e o mandou prender por “malversação do dinheiro público”, em uma denúncia no mínimo estranha.

Fouquet foi enviado para uma prisão na Itália (onde morreu, mas o paradeiro de Fouquet não é tratado na sinopse) e o Rei Sol, ao invés de “tapar o buraco” nas contas deixado por Fouquet, resolve gastar ainda mais para criar um palácio ainda mais deslumbrante que o de Fouquet. Assim surgiu o famoso Palácio de Versailles.

É um paralelo com a situação política atual do Brasil? Rosa fecha com chave de ouro a sinopse e coloca um PS, que mais sugere do que esclarece: “Essa história aconteceu há muito, qualquer semelhança com fatos de outras épocas é mera coincidência”.

Torço para que esta sinopse venha junto com excelente desenvolvimento na avenida, o que sobrou em Pamplona e faltou para o enredo sobre os palhaços. O tema da nobreza é de excelente carnavalização para o estilo da Rosa Magalhães.

Relevância cultural: muito alta

Argumentação: boa

20160208_042254Mocidade

Enredo: As Mil e Uma Noites de uma “Mocidade” pra lá de Marrakech

Carnavalescos: Alexandre Louzada e Edson Pereira

Autor da Sinopse: não assinada

O enredo da Mocidade é aquele enredo típico CEP, nem tenta fazer uma pegada diferente, ter um enfoque diferente ou nenhuma outra solução das que se tem tentado ultimamente para fugir do estereótipo de Enredo CEP que outras escolas vem tentando ultimamente – vide a sinopse da Unidos da Tijuca mais abaixo.

O enredo é o país Marrocos e tem um enfoque esperado para o nosso imaginário popular para aquela região moura do norte da África: os contos das Mil e uma Noites, os tapetas mágicos voadores, caravanas de comércio. Ou seja, nada que qualquer pessoa já não tenha visto naquele filme da Disney, Alladin. Além disso é uma sinopse longa: talvez se pudesse fazer algo com maior concisão sem perdas.

Só que tem uma pedra no meio do caminho: toda essa “pegada” é árabe e o Marrocos, apesar de falar árabe e ter muita influência Árabe, tem também uma ancestralidade bérbere muito forte, talvez até mais forte que a árabe. Não obstante, não percebo nenhum toque bérbere na sinopse, talvez por influência do patrocinador.

Então passa pelo deserto do SAARA, as feiras comerciais, famosas entre os turistas, os palácios suntuosos, oásis existentes entre outros pontos de interesse turístico e imaginário óbvio, talvez pela patrocinadora ser uma companhia aérea. Mas nem o toque histórico que costuma ter nesses enredos CEP eu percebi.

Enfim, um enredo comum que, se não tomar cuidado, será difícil ter um bom samba e pode causar um “efeito descanso” nos espectadores sabendo que logo depois virá a fortíssima trinca Tijuca-Portela-Mangueira.

Relevância cultural: interessante

Argumentação: duvidosa

20160208_053213Unidos da Tijuca

Enredo: Música na Alma, inspiração de uma nação

Carnavalescos: Mauro Quintaes, Annik Salmon, Helcio Paim e Marcus Paulo

Autor da sinopse: Marcos Roza

Esse ano estou me concentrando em analisar apenas aquilo que realmente pode fazer diferença na avenida, mas não posso deixar de comentar o erro de grafia da mítica gravadora Motown. Escrever “Montown” em uma sinopse de enredo com tema principal sobre música negra americana é complicado. Isso sem contar o “fredom of speech”, isso mesmo com um “e” apenas, e outros pequenos erros de sintaxe que estão espalhados pelo texto.

Mas, voltando a abordar a sinopse em si, o enredo contará como a música negra americana foi forjada e como ela influenciou todo o resto do cenário musical americano e, reciprocamente, foi influenciada por ele. Dessa forma, abarca também a música country, o início do Rock além de Woodstock e seus efeitos.  É um tema lindíssimo e bastante interessante para se fazer no carnaval. Porém tenho algumas ressalvas quanto à montagem do enredo, que foi mal pensada na minha opinião.

Para começar, a estrutura do enredo foi mal feita. O tema principal é a música negra americana e Louis Armstrong seria o fio condutor. Um belo fio condutor, alias. Porém, sabe-se lá porque, eles decidiram enfiar tal fio condutor em um encontro entre Pixinguinha e Louis Armstrong, ou seja, Pixinguinha seria um “fio condutor do fio condutor”. Obviamente, a importância de Pixinguinha na construção do enredo é absolutamente zero!

Se eu retirar todas as menções a Pixinguinha da sinopse, a argumentação fica exatamente a mesma. Depois a escola acaba perdendo ponto pela falta de elementos no desfile que identifiquem o “fio condutor” que está presente na sinopse. Isso já ocorreu com a própria Unidos da Tijuca em 2015, no ano do enredo da Suíça, com Clóvis Bornay.

Outro problema de construção foi a idealização da sinopse. Ela foi feita tendo como cenário uma conversa fictícia em um encontro verdadeiro entre Pixinguinha e Louis Armstrong no ano de 1957 (na verdade é um monólogo, porque salvo uma única pergunta no 4º setor, Pixinguinha só escuta, não aparece). Só que há dois problemas nisso:

Primeiro – como Louis Armstrong teve prolífica carreira até 1970, tem 13 anos de carreira do músico após esse encontro.

Segundo – Armstrong morreu em 1971, porém como o tema principal não é ele mas a música americana. Como achar um gancho de 1971 até os tempos atuais?

Os dois problemas foram resolvidos de maneira duvidosa. Especialmente o primeiro. Quanto à questão dos 13 anos seguintes de carreira de Armstrong, isso foi mal resolvido no 4º setor. Nesse setor a “conversa” continua a fluir normalmente e o “eu-lírico” Louis Armstrong continua a narrar com naturalidade sua carreira para Pixinguinha. Inclusive menciona nominalmente o álbum “Hello, Dolly!”, de 1964.

Agora eu pergunto, como Armstrong pode contar a Pixinguinha em 1957 de um disco de que só gravou em 1964? Ainda mais com tempo verbal no passado? Apenas peguei esse exemplo para mostrar como é inverosímel, mas toda a narrativa do 4º setor está construída em cima dessa inverossimilhança.

Quanto ao segundo problema, ele foi resolvido de maneira um pouco mais adequada, mas ainda sim duvidosa. Com a mudança de tempo verbal do passado para o futuro, a sinopse deixa claro que a partir desse ponto Armstrong está dando uma de futurólogo no monólogo. Além de ser bastante inverossímel tamanho exercício de futurologia como o feito no setor, estando completamente perfeita sem um erro sobre as previsões, ela juntou no mesmo balaio de forma muito rápida James Brown, Motown (ou, “Montown” segundo a sinopse”), Donna Summer, Ray Charles, Frank Sinatra, Aretha Franklin, BB King, Michael Jackson, Steve Wonder, Barry White, Whitney Houston, Mariah Carey entre muitos outros cujas carreiras seguiram posteriores à morte de Armstrong.

Para um enredo que se pretende revelador da música americana, é muita gente concentrada em muito pouco espaço narrativo. Há boas chances de ser um fim abrupto de argumentação, sem o desenvolvimento completo da conclusão.

Ao final, fiquei com a nítida impressão que a ideia inicial era um enredo mais biográfico apenas sobre Louis Armstrong e que, por algum motivo, teve que ser alargado depois dele já iniciado. Se foi isso o que realmente ocorreu, não sei.

Relevância cultural: muito alta

Argumentação: muito duvidosa

20160214_023901Portela

Enredo: Foi um Rio que Passou em Minha Vida

Carnavalesco: Paulo Barros

Autores da sinopse: Isabel Azevedo, Ana Paula Trindade, Simone Martins e Paulo Barros

Quando esse tema sobre os rios foi anunciado, eu logo imaginei que era mais um capítulo da velha mania de Paulo Barros de mostrar a todo mundo que ele sempre está certo (todos devem se lembrar da polêmica em relação à água espalhada pela Comissão de Frente desse ano).

Porém, lendo a sinopse, nem eu nem ninguém imaginaria que era uma sinopse de Paulo Barros. Não tem as mesmas características de montagem de várias outras já feitas pelo próprio. É uma sinopse muito poética, tem várias dicas do que será mostrado e me parece ter uma argumentação central amarrada por todo a sinopse.

Ao longo da sinopse se mostra toda importância que os rios tiveram para a evolução e desenvolvimento da vida humana, seja na agricultura, tecnologicamente, no contato e comércio entre diferentes povos e na criação de lendas. Creio ser um enredo original, afinal não consigo lembrar de outro enredo que tenha falado sobre os rios, muito menos com a mesma intenção deste.

A dúvida que permanece para mim é se cada setor tratará de um rio gigante diferente ou cada um dos aspectos será abordado abstratamente sem se referir a determinado rio.

Inicialmente, olhando a sinopse, fiqei com a impressão que o 1º setor tratará dos Babilônios e, obviamente, dos rios Tigres e Eufrates. O 2º setor sobre a Amazonia, o 3º sobre o Yang-Tsé, o 4º sobre o Mississippi-Missouri e o 5º seria o metafórico rio da Portela.

Não pude ir à apresentação da sinopse, como costumo fazer na Portela, mas depois passei a acreditar que não haja essa divisão estrita por rios. Afinal, não é possível o Nilo não entrar nesse enredo e há espaço para ele no primeiro setor. Também não existem crocodilos na bacia do Amazonas. O mais próximo é o crocodilo-do-orinoco, que, como já diz o nome fica na bacia do Rio Orinoco. Mesmo havendo o Canal do Cassiquiare interligando as duas bacias, são dois rios diferentes. Além disso, sempre soube que a “terra dos mananciais” era o apelido da Jamaica.

Portanto até acredito que cada setor seja inspirado em um rio determinado, mas que não haverá uma determinação direta durante o desfile.

É um enredo muito bem imaginado, mas é preciso tomar cuidado nesses detalhes para evitar a perda de décimos desnecessários em enredo por causa de detalhes, como ocorreu esse ano com o carro do seriado Perdidos no Espaço, conforme já discuti longamente na Justificando o Injustificável. Outra coisa curiosa no fim da sinopse é que apesar do enredo ser “Foi um Rio que Passou em Minha Vida” as citações musicais nas últimas frases, que também tratam da importância dos rios para a umbanda, são referentes a outra música marcante para os portelenses, “Portela na Avenida”.

Relevância cultural: muito alta

Argumentação: interessante

20160209_052514Mangueira

Enredo: Só com a Ajuda do Santo

Carnavalesco: Leandro Vieira

Autor da Sinopse: Leandro Vieira.

O enredo da Mangueira tratará das formas com que se trata a religião dentro de casa. As crendices populares, as promessas para os santos, as simpatias, as umbandas, tudo aquilo que trate da forma como a fé é feita dentro das casas, no dia a dia das pessoas será retratado na sinopse.

É uma sinopse que mostra bem melhor o que o Leandro Vieira quer mostrar na avenida em relação à loucura que foi a sinopse do ano passado no sentido argumentativo, e revela com mais detalhes o que a Mangueira deverá mostrar na avenida.

Por mais que a religião seja um tema batidíssimo, o enfoque achado pelo Leandro é bem diferente de tudo o que já foi mostrado em outros carnavais e poderá render um bom enredo.

É um enredo bem popular, de certa forma barato de fazer e que mais uma vez pode arrastar o povo. Por isso tudo eu digo que apesar do enredo ser bom, é o tipo de enredo que só pode dar certo na Mangueira, justamente pelo apelo que ela carrega consigo. O bi é difícil, até porque o título não parece ter ajudado muito na gestão administrativa que é a escola atualmente, mas Leandro mostra que entendeu o que é e como é fazer carnaval para a Mangueira.

Relevância cultural: muito alta

Argumentação: interessante

Imagens: Ouro de Tolo e O Globo (São Clemente). Todas as imagens são do desfile de 2016.

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5 Replies to “Enredos e suas Sinopses 2017: Parte 2 (Segunda-Feira)”

    1. Nem um nem outro, Marcus. 2012, Utopias – Viagens aos Confins da Imaginação. Mas muito obrigado pela correção, já acertei o texto.

  1. COM RELAÇÃO À PORTELA OS JURADINHOS DE MEIA PATACA DA LIESA,SÃO SEMPRE RIGOROSOS COM A ESCOLA E ENQUANTO COM OUTRAS SÃO BEM BENEVOLENTES.

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