Festa momesca se aproximando e chegou a hora de dar continuidade as minhas impressões sobre os sambas-enredo de 2015, que eu já tinha esboçado, nas audições iniciais lá em novembro. Desta vez dou uma passada na Série A carioca e no Especial paulistano, que, junto ao Especial do Rio, formam os três grupos mais midiáticos do carnaval das escolas de samba.

Retomando a safra irregular do olimpo carioca, devo reconhecer que, com o passar do tempo, a qualidade geral me pareceu melhor do que no início. Ainda acho a pior safra do Especial desde 2009, mas sambas como o da Viradouro, Mangueira e São Clemente subiram bastante no meu conceito desde novembro, enquanto o da Imperatriz deu aquela cansada, apesar de ser uma obra bem construída, forte e com estrutura diferente.

mangueira2015A Viradouro conseguiu um ótimo samba na sua inovação, mas ainda pairam questões sobre o andamento e o rendimento na hora do desfile. A Mangueira tem um samba mais leve, com uma letra muito bem construída na sua homenagem as mulheres. É o tipo de obra que alavanca o componente mangueirense, diferentemente dos recentes sambas mais pesados da parceria de Lequinho.

Já em relação à São Clemente, confesso que peguei pesado em novembro. Apesar de achar falhas na letra, que tornam o samba-enredo mediano, é uma composição agradável que casa perfeitamente com o ótimo Igor Sorriso, e tem uma pegada leve e para cima, como é tradição da escola.

Por outro lado, Salgueiro, Grande Rio, Ilha e, principalmente, Tijuca, puxam a safra para baixo. A Mocidade também deve bastante, mas pelo menos tem uma melodia que consegue envolver, apesar de não ser brilhante, o que compensa a letra desconexa e cheia de clichês sobre o fim do mundo.

O ensaio técnico da Beija-Flor
https://www.youtube.com/watch?v=033eLxNEoY4

Pegando a ponte aérea, e indo a São Paulo, temos mais uma safra de mediana para ruim, a segunda consecutiva. O que já pode ser resultado do pífio julgamento no quesito. Afinal, para que fazer samba bom, se vai levar 29,9, na pior das hipóteses? Não chega a ser um conjunto tão fraco quanto a de 2014, mas podia ser melhor.

vaivai2015Temos, claramente, três sambas que se destacam no topo da lista: Vai-Vai, Nenê e Tucuruvi. A primeira traz um sambaço sobre Elis Regina, com destaque para um refrão de meio que consegue ser muito bem construído, mesmo usando do expediente comum de citar músicas da homenageada. O problema é o “lalaiálalaiálalaiálalaiálalaiálalaiálerere…” que a escola enxertou. Apesar de ter me acostumado, acho um tanto exagerado e é um ponto de interrogação.

Enquanto isso, a Nenê de Vila Matilde aposta numa obra sobre Moçambique, que segue o padrão de bons sambas quando se fala de África. É um samba que conquista devagarinho, mas é de audição bem agradável.

Já a Tucuruvi fala das marchinhas, com um samba que tinha que ser leve e com uma letra brincalhona, como ele é. Assim como a Vai-Vai, os compositores também foram clínicos ao encaixar as diversas citações, no caso, as marchinhas. Outra vez, a escola aposta num enredo alegre, de ótima qualidade e que deve render um prato cheio aos fãs de desfiles, algo no qual a Tucuruvi vem se especializando.

Num segundo pelotão, temos a tricampeã Mocidade, falando sobre Marília Pêra, numa boa composição, mas que pelo terceiro ano seguido fica abaixo do que a escola já apresentou em tempos recentes. Juntam-se a escola do Limão, a X-9, falando sobre chuva, com um refrão de meio muito bem feito, destaque num samba que é bom, mas não segue essa qualidade toda no restante; e a Mancha Verde, que mesmo falando sobre o Palmeiras, e obtendo restrições de muitos, tem versos muito interessantes sobre a história do clube.

Rosas, Dragões, Gaviões e Tom Maior vêm num pelotão dos sambas que não cheiram e nem fedem, enquanto Vila Maria e Águia de Ouro ficam na rabeira. Pena pela segunda escola citada, que vem de três anos seguidos excelentes no quesito samba-enredo, principalmente em 2013, quando homenageou João Nogueira.

Encerro a passagem paulistana falando sobre Tatuapé e Império, dois casos peculiares neste ano. A Tatuapé, assim como a Águia, teve uma sequência de três sambas de muito bom nível – destaco o do ano passado, sobre São Jorge. Não é o caso de 2015, no qual há falhas claras, rimas batidas sobre o ouro e melodia um tanto estranha em certos trechos. Entretanto, o refrão principal e o excepcional carro de som, com Wander Pires, Waguinho e só a presença ilustre de Leci Brandão no CD, elevam o nível. É, definitivamente, o amor bandido deste ano.

O Império de Casa Verde teve uma escolha contestada, mas que, no fim, não é completamente ruim. Diferente de monótonos anos num passado recente, já em 2014 a escola trouxe um samba decente e este aqui, apesar de não ser brilhante, tem bons momentos, como os versos que tratam sobre o sonho (que é o enredo) no carnaval, relacionando até Pamplona e Joãosinho Trinta. Além disso, a melodia é bem concisa. Como o meu colega Filho Pródigo (a.k.a. Leonardo Dahi) comentou, lembra um pouco a boa época do Tigre.

Para encerrar, o grande CD dentre os três grupos citados: o da Série A carioca. Só para dar uma ideia, o quarto samba da minha lista, do Império Serrano, facilmente brigaria pelo título de melhor no Especial. Das 15 faixas, em minha visão, sete são de ótimo nível – com boa vontade, nove.

Temos um pelotão de elite com Renascer, e uma obra deliciosa, coroando o enredo sobre Candeia, que já começa de forma marcante com um “Axé, Candeia, Axé”, e prossegue de forma leve, numa composição rica e de formato diferente do padrão moderno. Já a Estácio apresenta versos inspiradíssimos (“você me conhece, eu sou Estácio de Sá”, por exemplo), numa composição envolvente e viciante. A Cubango, mais uma vez com enredo afro, tem um samba valente, que pode não ter encaixado bem na voz Preto Jóia, mas que é visceral, contando com um belo uso das onomatopeias. “ô ô ô, o canto do negro ecoou…”

Os dois Impérios também não decepcionam. O tijucano, mais uma vez com temática africana, consegue outra bela obra, com termos afros bem encaixados e uma melodia dolente que sai do comum. Pena que os versos no fim destoam da qualidade do resto do samba. Enquanto isso, o Império Serrano, traz mais um belo samba sobre a fé, tema que gerou o ótimo O Império do Divino (2006). É um samba que invoca a fé imperiana neste tempo difícil para a escola. Pena a gravação não ter sido tão feliz, talvez, pelo excesso de vozes, ou pela obra exigir tons mais graves… Enfim, algo não encaixou, na minha visão. Só que por outro lado, o ensaio técnico mostrou que, em ritmo de desfile, o samba vai bem à beça. Claro que o fato de Cremilson ter domado as rédeas da obra deve ser exaltado.

Só os cinco sambas citados explicam a falta de atenção destinada aos sambas de Padre Miguel e Tuiuti. A alvirrubra da Zona Oeste traz uma obra densa sobre Ariano Suassuna, com termos nordestinos muito bem empregados, e uma segunda parte que traz o acompanhamento de uma sanfona, tornando a melodia empolgante. Enquanto a Tuiuti vem com uma obra já marcante no refrão principal, para impulsionar o componente (“Te amo, Tuiuti / És amor pra vida inteira”). A letra prossegue contando muito bem a história de Hans Staden, e numa melodia que tem variações bem agradáveis. Dois sambas bem subestimados.

Temos ainda Inocentes e Bangu, que podem ser os dois que aumentam para nove as boas faixas da Série A. O primeiro não foi bem gravado, mas tem qualidades – tal como o Império Serrano – principalmente ao valorizar uma melodia mais lenta. Bangu tem algumas falhas, mas passa bem e é envolvente em diversos momentos.

Para encerrar, Curicica, até tem boas sacadas, mas, tal como 2014, tem um samba que não brilha. Santa Cruz e Em Cima da Hora não se destacam, assim como a Caprichosos, que tenta reincorporar sua veia irônica, sobre o comércio popular, mas que no fim não ficou lá muito interessante, numa composição um tanto óbvia. E destoando completamente do ótimo conjunto, o samba-clichê e sonolento da Porto da Pedra e a grande “marchinha safada” de 2015: Alegria da Zona Sul. Apesar de umas galhofas – que são bem sacadas – é o autêntico trash deste carnaval.

Enfim, a safra da Série A sobra em relação às duas citadas neste artigo. Seguem os meus rankings, portanto:

Especial/RJ: Beija-Flor, Viradouro, Mangueira, Imperatriz, Portela, Vila Isabel, São Clemente, Mocidade, Grande Rio, Ilha, Salgueiro e Tijuca.

Série A/RJ: Renascer, Estácio, Cubango, Império Serrano, Império da Tijuca, Padre Miguel, Tuiuti, Inocentes, Bangu, Curicica, Caprichosos, Em Cima da Hora, Santa Cruz, Porto da Pedra e Alegria.

Especial/SP: Vai-Vai, Nenê, Tucuruvi, X-9, Mocidade, Mancha, Império, Tatuapé, Rosas, Dragões, Gaviões, Tom Maior, Vila Maria e Águia.

2 Replies to “Impressões gerais sobre as safras sambísticas de 2015”

  1. bem lembrado,gustavo,mas eu acho o samba da alegria da zona sul o chamado”trash do bem”,o que não qualifica a obra,mas a deixa mais simpática até.já o samba do império serrano só é audível graças ao cremílson silva que tomou ás rédeas do samba´como vocee disse,e cremílson silva é gente boa,cantor oficial em 2010,já o samba da renascer foi bem gravado,mas não confio muito nos dois intérpretes acho um pouco limitados,mas ée um samba que por é magnífico e mesmo que seja esquecido ,tomara que não seeja,porque é um sambaço maravilhoso.um abraço gustavo,um abraço,queria um dia conhecer a sua redação,primeiro vou pedir autorização á minha mãe e se ela deixar,eu moro na honório de barros,flamengo,aí voces me buscam,com minha mãe.um abraço.

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