Finalmente os sambas-enredo do próximo carnaval tomam forma oficial. Em breve, a gravação do CD será disponibilizada por completo. O gênero é pessimamente divulgado, além de ter vivido uma fase de apequenamento, não atingindo mais o grande público, apesar da retomada da qualidade que produziu uma sequência de cinco ótimas safras seguidas, seja pelo conjunto geral ou por causa de obras excepcionais que elevavam o nível.

Porém, a sequência acabou no ano passado e para 2015 temos, em minha visão, a pior safra desde o sofrível CD de 2009. Temos obras muito bem feitas e dignas de destaque, não tanto como Portela 2012 ou Vila 2013, mas que, com certeza, são bem compostas e podem render demais na pista. Por outro lado, se há claramente um grupo de ponta, há um conjunto de sambas “inúteis”, comuns ou trashs.

Considero uns quatro sambas, neste primeiro momento, como “pula-faixas”, e mais dois completamente esquecíveis. Número alto para um grupo de 12 escolas. Tive a sensação, nestas primeiras audições, de que a safra é dominada por tons melódicos mais dolentes e, por mais que a qualidade seja questionável, várias escolas saem da fórmula tradicional de dois refrães de quatro versos, separando duas estrofes de 10. E, convenhamos, depois de cinco safras bacanas, uma hora o nível cairia.

20140308_235316Seguem as primeiras avaliações das obras, pela ordem das faixas no CD:

Unidos da Tijuca: Ter a Tijuca como atual campeã virou sinônimo de CD aberto com sambas fracos. E este é o pior do ano. A letra é completamente desconexa, sem qualquer momento de destaque e uma melodia que vive quebrada e tendo variações ruins. A junção feita fica muito clara no samba, sendo que a segunda é a parte menos ruim. O verso que cita o Nobel no refrão principal é digno de entrar no rol de trechos insólitos do carnaval, já que o prêmio é sueco, enquanto o enredo fala sobre a… Suíça! Triste ver que a escola que teve os excelentes Agudás (2003) e O Dono da Terra (1999), numa fase imediatamente anterior a Paulo Barros, teve a ala de compositores depenada pela era em que o carnavalesco engessou a produção sambística.

Salgueiro: A escola é engraçada. Nos últimos anos, com enredos, no mínimo, questionáveis, os sambas foram ótimos. Neste ano, com um grande enredo (sobre Minas Gerais e sua culinária), o samba é fraco. Uma letra pouco inspirada, ficando fora do tom e da métrica em quase todo o samba. A melodia me lembra os sambas paulistanos algumas vezes. Isso é longe de ser o problema, que está em variações bruscas que empobrecem. Mas, certamente, a obra é melodicamente melhor do que sua letra. O refrão de meio é trágico. Confesso que gostaria de ouvir Quinho com este samba. Seria, pelo menos, mais divertido. Tal como a Tijuca, é um “pula-faixa”.

Portela: Após nove ou dez minutos de maus tratos aos ouvidos, chega o primeiro grande samba da safra. Com um jeito diferente dos lendários sambas recentes de Luiz Carlos Máximo e companhia, esta obra, assinada por Noca da Portela, é quase toda inspiradíssima, numa melodia envolvente e em tom menor em relação aos últimos três anos da Águia. Versos emocionantes (”Tão bela! Orgulhosamente a Portela”), se misturam com sacadas ótimas (“A Natureza lhe foi generosa”) sobre o Rio de Janeiro e seu aniversário. Os últimos quatro versos, mais o refrão final, são os momentos mais fortes da obra. Entretanto, os quatro primeiros versos são medianos e o “E eu ‘daqui’ feito ‘dali’” é estranho. Ótima composição, um pouco abaixo do trio entre 2012-14, mas suficiente para estar no Top-4 desta safra. No ano forte de 2014, brigaria por um sexto lugar.

20140303_052012União da Ilha: O enredo sobre a beleza, já feito pela Porto da Pedra em 2010 e pela Portela em 1991, ganhou um samba descartável, tal como a ocasião mais recente que passou pela pista. Versos muito longos que amarram o samba e o canto devem ser trágicos para a normalmente claudicante harmonia da escola. O “fiu fiu” é completamente mal colocado no refrão de meio, se tornando uma mal fadada tentativa de irreverência. Uma queda de nível em relação ao agradável samba de 2014, e a volta de composições fracas à gestão Ney Filardi. Não é tão ruim quanto Tijuca e Salgueiro, mas o hype da produção musical insulana pede bem mais.

Imperatriz: Chegamos a mais uma obra bem legal desta safra. Mais uma vez saindo de seu lugar comum, a agremiação de Ramos investe num enredo afro, gênero que tradicionalmente leva a boas obras, o que se confirma aqui. É um samba forte, com um refrão único e visceral, lembrando Nelson Mandela. Há alguns versos no meio do samba que não me agradam tanto, repetindo palavras. Os versos “Vamos à luta pelos direitos / Uma ‘banana’ para o preconceito” são uma grande sacada e formam um momento marcante deste ótimo samba.

Grande Rio: Os anos se passam e cada vez mais eu espero a volta da Grande Rio dos anos 1990, aquela que “dava um banho de cultura”. Outra vez a escola da Baixada traz um enredo horrível e um samba desolador, para ser educado. A composição é descartável, com melodia praticamente reta e letra pobre. Há uma chance enorme de o sono tomar conta da Sapucaí no desfile da tricolor de Caxias – de novo. O refrão principal tem versos em que as palavras parecem se embolar. Um samba que não é trash, mas que é inútil e facilmente esquecível. Além de tudo, Emerson Dias não impõe nenhum ganho…

20140303_225332Beija-Flor: Se de um lado da Baixada, o nível não é bom, em Nilópolis, amigo(a), ele é excelente. Samba pesado, afro, como a comunidade nilopolitana e os admiradores da Beija-Flor gostam. Uma composição que me ganhou de cara e que tem momentos que atiçam o componente, no bom sentido (“Oh minha deusa soberana / Resgata sua alma africana” ou “Quem beija essa flor não chora”). O refrão de meio é visceral e o que mais me conquistou nesta safra até agora. Única ressalva fica para o verso mudado para “Dessa mistura eu faço o carnaval… Canta Guiné Equatorial” e que ficou fora do encaixe. Pena que o enredo seja gerado por um país de governo tirano. Olhando como torcedor mangueirense, dá medo imaginar o povo de Nilopólis cantando o samba de Samir Trindade e companhia a plenos pulmões, sem medo de ser feliz. Bem-vinda de volta ao topo de uma safra, Beija-Flor.

Mangueira: Após três anos seguidos da parceria de Lequinho ser levada à avenida, que bom ouvir outro estilo de samba na Velha Manga. A composição de Renan Brandão, Cadu Zugliani, Alemão do Cavaco e outros tem uma pegada mais leve que a linha de Lequinho e é bem valorizada pelo canto do subestimado Luizito. Uma boa homenagem às mulheres, com ponto forte nas citações à Dona Neuma e Dona Zica. A alusão à música cantada por Benito di Paula no refrão principal (“Eu vou cantar a vida inteira / Mulher brasileira em primeiro lugar”) é bem bolada. O samba não me conquistou totalmente de primeira, mas “temo” que isso aconteça com o passar das audições. Não é a porrada de 2011, composta pela turma de Alemão do Cavaco, mas é melhor que os dois últimos sambas da verde-e-rosa. Fica na metade superior do ranking.

Mocidade: Independente do caminho, com Paulo Barros o resultado é sempre um samba secundário e que sirva ao desfile. O enredo sobre o fim do mundo ganhou uma obra com melodia animadinha que varia até bem, letra comum e que segue a sinopse como se fosse um cordeiro atrás de um pastor – o que é perceptível mesmo para quem não a leu. O samba me lembra um pouco É Segredo (Tijuca, 2010), mesmo que este tivesse passagens mais inspiradas. Com a safra fraca, não fica tão na rabeira da ordem, mas destoa do ótimo samba da Mocidade em 2014.

20140304_005543Vila Isabel: Samba irregular, cuja característica foi mais realçada com o refrão de meio criado sumariamente nas modificações. O samba-enredo sobre o maestro Isaac Karabtchevsky tem um refrão final mais longo que o comum, e um pouco atropelado. Já o começo da primeira, com uma melodia mais dolente, é um ponto forte. O refrão de meio é nitidamente uma invenção mal feita. A letra não me causa muitas emoções e não tem um momento que catalise a empolgação do componente. É um samba que tem seus valores, ainda mais numa safra como a de 2015. Uma obra que tem dois refrães e mais outro que pode até ser considerado “falso”.

São Clemente: Um samba “Frankenstein”. Inúmeros versos atropelados e uma composição que parece uma colcha de retalhos. Um tipo de samba comum no Século XXI. Apesar de tudo, a melodia para cima e a interpretação do excelente Igor Sorriso – o futuro grande nome da Sapucaí – valorizam a obra. Gostaria de saber como Fernando Pamplona reagiria se soubesse que o enredo que iria homenageá-lo teria uma “marchinha safada”. Destaque para o fato do samba ter três refrães.

0909_luiz_carlos_da_vilaViradouro: Todo ano um samba desperta minha curiosidade de como será o rendimento no desfile. O da Viradouro é o que se encaixa nesta categoria em 2015. Uma inovação – ou seria “invenção”? – bem construída pelo especialista em samba-enredo, Gusttavo Clarão, presidente da escola. A minha curiosidade é como o trecho “ôôôô, ôôôô, ôôôô, Brasil” (momento que é um divisor das passadas do samba) vai ser conduzido na pista. Além disso, a bateria é outra intriga. É um samba que fica valorizado com andamento lento, mas a avenida não permite tanto isso atualmente. Por outro lado, não dá para sequer cogitar a possibilidade de a bateria estar em ritmo de frevo, como ocorreu no desfile da escola em 2014. Enfim, samba que fica no top-4 da safra. Pena que o limitado Zé Paulo Sierra seja o seu intérprete.

Por enquanto, minha ordem é: Beija-Flor, Imperatriz, Portela, Viradouro, Mangueira, Vila Isabel, Mocidade, São Clemente, União da Ilha, Grande Rio, Salgueiro, Unidos da Tijuca.

No fim do ano, ou no começo de 2015, devo fazer uma classificação mais adequada ao andar das audições, com notas, assim como textos sobre as safras da Série A carioca e do Especial paulistano.

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