O ano é 2002.

Era ano de Copa do Mundo na Ásia e a Seleção de Felipão, em crise, buscava o pentacampeonato. Era ano de eleição pra presidente e nunca Luis Inácio Lula da Silva entraria em uma campanha com tantas chances, já que o final do governo FHC era de crise.

O Fluminense se sagrou campeão do Campeonato Carioca mais bizarro da história e o Santos revelou Diego, Robinho e as pedaladas ao mundo.

Tudo caminhava no país do Carnaval, aliás, tinha Carnaval.

No Grupo Especial a Mangueira vencia depois de quatro anos, impondo um tetra vice-campeonato à Beija-For. A vitória foi por apenas um décimo e acabou com a dinastia da Imperatriz Leopoldinense.

Mas o que me levou a recordar 2002 não foi nada disso. Tem sim a ver com Carnaval, mas mais abaixo. No Acesso.

A União da Ilha do Governador, tradicional escola de samba de nosso Carnaval, dona dos sambas mais populares de nossa folia, estreava no grupo de Acesso depois de 18 anos no Grupo Especial. Em 2001, realizou um desastroso desfile sobre a energia, o que acabou lhe causando o rebaixamento em penúltimo lugar.

O responsável pelo rebaixamento, aliás, é candidato esse ano pela escola a “cidadão samba”, mas esse é outro papo.

Além de ter de desfilar no Acesso, a União passava por uma situação inusitada. Concorrer diretamente com uma escola do bairro.

O Boi da Ilha do Governador, oriundo dos blocos, surgiu em 1965 e logo se transformou no grande celeiro de bambas do bairro. Revelou gente como Quinho do Salgueiro, Mauricio 100, Carlinhos Fuzil, Marquinhus do Banjo, Bujão, J.Brito, João Sergio, entre outros.

Em 1988, virou escola de samba e fez uma caminhada consistente até chegar ao Grupo A, em 2001. Mesmo com uma verba menor que de outras escolas, surpreendeu e ficou em sexto lugar ainda, levando de quebra o Estandarte de Ouro de melhor samba do grupo (o nome deste espaço é homenagem ao samba que tem a mim como um dos autores).

O samba do Boi da Ilha em 2001
https://www.youtube.com/watch?v=qB5j8jfRz8o

E, com as duas vivendo essas situações, se encontraram.

O Boi tinha um samba melhor e fez um desfile superior. Transformou-se em um candidato ao Grupo Especial, enquanto a Ilha passou apenas razoável. O Jornal Extra estampou “Boi vence o duelo da Ilha”. Com medo do vexame de ficar atrás do Boi da Ilha, o presidente da União não foi a apuração.

No fim, a União ficou em terceiro e venceu o duelo com o Boi, que ficou em sexto. Uma rivalidade ali foi criada. Em 2003, o componente de uma não podia desfilar na outra, as duas fizeram finais no mesmo dia e a União teve de atrasar o início da sua porque a do Boi estava superlotada.

Doze anos se passaram.

Felipão e sua Seleção foram humilhados na Copa jogada em casa. Lula não é mais presidente, mas fez sucessora. Mais um Carnaval se aproxima.

E União da Ilha e Boi da Ilha?

A União voltou ao Grupo Especial. Tem hoje uma das quadras mais modernas e confortáveis do Brasil, fazendo ensaios superlotados. É disputada por celebridades que querem desfilar na escola. Vem de um quarto lugar com estrutura, força política e condições de brigar com qualquer uma.

O Boi não tem mais quadra. Ensaia na frente de um bar para uma dúzia de pessoas. Seu carro alegórico está abandonado na frente do barracão. Recebeu 280 reais de subvenção e está no último grupo do Carnaval, com riscos de cair pra grupo de avaliação.

Mas o que aconteceu?

boidailhaPra começar, 2002 e 2003 foram enganosos. Nem a União era tão pequena nem o Boi era tão grande. Logo em 2003 a União percebeu isso, o Boi não.

O Boi não tinha estrutura para “brigar” com a União da Ilha. Não podia se dar ao luxo de vender enredo e samba como 2003. A maior noite do Boi, a final do Carnaval 2003, também representou o começo de sua queda, com uma junção meramente política.

O inesquecível presidente Eloy era centralizador e não criou novas lideranças e componentes. Tudo ficou nas mãos e costas de poucos abnegados. Com a morte de Eloy, Cadu Zugliani assumiu e fez carnavais grandiosos como no inesquecível ano de 2009. Talvez seu último suspiro.

A escola não tinha estrutura para carnavais como aqueles. Dívidas surgiram e dois grandes golpes abalaram de vez a escola. O bizarro rebaixamento de 2010 por falta de empurradores de carros alegóricos e a perda da quadra.

O Boi da Ilha, celeiro dos sambistas insulanos, agoniza. Agoniza sem rumo, sem casa e nas mãos de incompetentes e aproveitadores. Alguns se iludem e por amor tentam ajudar uma direção que rebaixou a agremiação duas vezes e por algumas horas “enrolou sua bandeira” ano passado faltando dois dias para o Carnaval.

Outros se chegam como parasitas tentando se aproveitar da situação. Urubus que mordem a carne do moribundo enquanto ele agoniza e o presidente, teimoso e incompetente, usa da premissa do viciado. De não aceitar a realidade e que quando quiser tudo irá se ajeitar.

Essa coluna não é uma caça às bruxas e nem quer desestabilizar ninguém. É um pedido de ajuda na verdade. Todos nós somos culpados pela situação atual do Boi e eu me incluo. Então, pelo menos nesse momento o ideal é deixar divergências de lado. Então chamo quem puder que vá desfilar na escola que é a décima escola na Intendente Magalhães domingo de carnaval. No momento o pavilhão é mais importante que tudo.

Assim segue o Boi da llha. Muito longe de 2002, mas sem essa de fim. Porque enquanto houver corações batendo apaixonados por essa escola, o fim não chegará. Mesmo com tanta incompetência e irresponsabilidade.

Boiadeiro tem raça, se esmera.

3 Replies to “A agonia de uma escola de samba”

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