Neste momento em que muito se fala de Copa e muito se protesta contra ela, ou se aproveitando da visibilidade dela, se aproveita para reclamar que a realização da Copa não trouxe nenhum legado para a infraestrutura do Brasil e para sua população.

Mas será que ela realmente não está deixando nenhum legado ou será que é apenas o décimo segundo mito sobre a Copa que o Migão se esqueceu de derrubar na coluna dele da semana retrasada? A proposta desta coluna, em duas partes (hoje e amanhã), é justamente ajudar o leitor a responder essa pergunta.

Para começar, temos que entender que a Copa do Mundo é um evento muito menos complexo do que os Jogos Olímpicos. Enquanto este envolve 28 esportes concentrados em uma mísera cidade, a Copa do Mundo envolve apenas um esporte e se espalha por várias cidades de todo um país.

Logo, não esperem de apenas uma Copa outra revolução urbana como a que ocorreu para os Jogos Olímpicos de Barcelona em 92, isso é totalmente desnecessário e até um tanto irrelevante para uma Copa. Apenas o Rio, por causa dos Jogos Olímpicos de 2016, pode tomar Barcelona como exemplo.

Parêntese: aliás, sei que estou devendo há tempos uma atualização sobre a situação das obras olímpicas. Já adianto que está delicadíssima, com os bastidores do COI pegando fogo. Não fossem as obras que foram adiantadas pela Copa do Mundo, a situação já teria passado do nível calamitoso.

Para uma Copa do Mundo se precisa, basicamente, de apenas três itens: estádios para se realizarem as partidas, boa mobilidade entre as cidades-sede e hotelaria. Também é preciso haver alguma mobilidade urbana interna (dentro da cidade), especialmente para que o público consiga chegar ao estádio.

Coloco muito da insatisfação dos brasileiros com a realização da Copa em um erro de comunicação dos governos, que ao invés de explicar o dito acima resolveu prometer mundos e fundos justificando a Copa como motivo. O que ninguém entende é que não devem ser feitas obras faraônicas apenas por causa da demanda destes grandes eventos. Afinal, eles são bastante efêmeros e após seu fim as chances dessas obras “exclusivas” se tornarem elefantes brancos ociosos é gigantesca.

brasiliaEsses eventos apenas devem servir para agilizar a retirada do papel de projetos que já eram necessários antes, mas que com a realização do evento tornam-se importantes para sua realização. Isso delimita datas e prazos e é especialmente necessário no Brasil com sua “Sociedade Nelson Piquet” que adora ser atrasada.

Comecemos pelos Estádios.

O “parque industrial” futebolístico brasileiro estava completamente defasado, com estádios antigos, mal estruturados e extremamente mal conservados (vide o acidente fatal da queda da arquibancada da Fonte Nova que acelerou o processo de fechamento para as obras da Copa), incondizentes com a mobilização e o capital que envolvem o futebol em nosso país.

A exceção de Cuiabá (uma sede completamente desnecessária), de Manaus (escolhida de forma errada por motivos políticos em detrimento de Belém) e de Brasília (que apesar de tudo é a capital do país) não há dúvidas: os estádios construídos para a Copa terão bastante uso após o evento. Além disso, a construção desses estádios padrão FIFA modificou o parâmetro de qualidade de construção de novos estádios no país, muito além dos palcos do Mundial.

Não fosse a Copa, duvido que os novos estádios de Grêmio e Palmeiras, apenas para citar dois exemplos, seriam tão modernos quanto foram construídos (o do Palmeiras ainda não está pronto) mesmo que nenhum destes locais veja qualquer partida da Copa.

Essa mudança no padrão não deixa de ser um legado, já que Mundial mostrou que essas “arenas” são rentáveis. Estamos discorrendo sobre um esporte que tem 20 clubes na 1ª divisão e mais 20 na 2ª, que arrasta 15 mil pessoas em média por jogo a cada final de semana.

05202014_guarulhos2_820A grande reclamação da população quanto a Copa pode ficar em relação aos Aeroportos. Em um grande torneio que abrangerá todo o vasto território nacional, o avião é o meio de transporte vital para fazer a devida conexão entre as cidades-sede e aeroportos que suportem esta capacidade são primordiais.

Aeroporto é um gargalo nacional há tempos e todos os principais do país, não apenas os das grandes metrópoles do Sul, mas também de várias capitais do Nordeste estão operando muito acima de sua capacidade e precisam urgentemente de expansão.

O governo sabia disso desde 2008 e nada fez por quatro anos. Já em cima do prazo, no desespero, começou a se mexer e ensaiou um movimento de desestatização dos terminais. Fez alguns e depois recuou, mudou o modelo de desestatização e deu sobrevida a uma das empresas mais ineficientes do Brasil, a Infraero.

O tempo foi passando, as obras não acontecendo e o resultado encontrado em quase todos os aeroportos foi o improviso. Fez-se um puxadinho aqui, outro ali e outro lá no qual teto conseguiu cair antes da inauguração.

É na base desse improviso que o governo espera que os Aeroportos das cidades-sede suportem a altíssima mobilidade entre as cidades durante a Copa. Pode até dar certo na competição, mas os passageiros se acotovelarão nos terminais em busca de espaço (de modo geral esses “puxados” apenas agilizam o embarque e desembarque, direcionando todos para o mesmo terminal lotado já existente anteriormente, além do mais não saiu nenhuma pista nova relevante) e tais improvisos não devem conseguir funcionar bem por muito tempo.

Nesta área, mesmo que vital para uma boa Copa em um país tão grande, o legado foi bastante deficitário. Para não dizer que não houve nenhum, ao menos ele acelerou o processo de desestatização/concessão dos Aeroportos, já que tornar a Infraero mais produtiva parece que ninguém quer.

Os aeroportos nos levam a outro ponto complicado: a mobilidade urbana. Não é novidade para ninguém que o melhor meio de transporte para grandes cidades é o metrô. Porém, para se fazer uma linha inteira de metrô gasta-se muito dinheiro e tempo e, mesmo que o anuncio das cidades-sedes da Copa tenha sido feito ainda em 2009, não haveria tempo hábil para se construir essas malhas metroviárias.

Sabendo disso, as cidades-sedes evitaram planejar novas linhas de metrô para a Copa. Em compensação choveram projetos mirabolantes de BRTs (Bus Rapid Transport, aqueles corredores exclusivos de ônibus articulados) e VLTs (Veículo leve de transporte, um sistema de trilhos na superfície).

12302013_transcarioca_estaiada1_820Talvez seja por causa da algazarra feita neste ponto pelos governos (por todos, de todos os níveis e partidos) que tenha ficado no povo a percepção que a Copa não deixou legados.

A Copa foi vendida como a mola que propulsionaria todas as obras possíveis e necessárias para resolver a questão de transportes nas cidades-sede. Assim inúmeros BRTs e VLTs foram prometidos, muitos deles sem grandes relações para a Copa (não esqueçamos que para a Copa, apenas 3 pontos da cidade importam: o Estádio, o Aeroporto e a principal área hoteleira).

Assim foram prometidos vários projetos muito interessantes, mas que não saíram do papel; seja pela burocracia seja porque a obra realmente não era importante para a FIFA e ela nem se preocupou em cobrar.

Amanhã retomarei a coluna, falando sobre obras inacabadas, hotelaria e “legado intangível’.

Imagens: Fifa e Portal da Copa 2014

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