Alerto já nesta primeira frase que o artigo a seguir é triplamente aborrecido. Primeiro, porque é longo (em duas partes); segundo, porque cito muitos números; terceiro, porque digo uma coisa que ninguém vai gostar de ouvir: o Brasil simplesmente não tem dinheiro para dar saúde e educação de qualidade para seus cidadãos. OK, adeus, até a vista! Provavelmente seguirei sozinho a partir do próximo parágrafo.

“Não vai ter Copa” foi possivelmente a palavra de ordem mais marcante das passeatas de junho. Ela era esclarecida por outro slogan não menos eloquente: “Da Copa eu abro mão/Quero dinheiro para saúde e educação”. O sentimento expresso nos motes era e continuou sendo alimentado por sucessivas reportagens que tratavam de forma escandalosa os investimentos públicos na Copa. Aqui, um exemplo: http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/custo-total-da-copa-podera-chegar-aos-30-bilhoes-de-reais.

Não que tenha sido uma novidade para as pessoas informadas, mas na semana passada a Folha de S.Paulo publicou uma reportagem desconcertante, que mostrava que as despesas totais com a Copa – R$ 25,8 bilhões – equivalem a não mais de um mês do orçamento anual da educação pública (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/05/1458720-custo-da-copa-equivale-a-um-mes-de-gastos-com-educacao.shtml), que é de R$ 280 bilhões.

20130622_131648Mesmo isso ainda é um exagero. Setenta por cento dos chamados “gastos públicos com a Copa” se destina a projetos de segurança e infraestrutura (aeroportos, telecomunicações, mobilidade urbana, etc.). O total investido nos tais estádios “padrão FIFA” foi R$ 8 bilhões, por Estados, Municípios, clubes e empresas. O governo federal emprestou metade desta quantia via BNDES. Também vale lembrar que o dinheiro foi aportado nos estádios ao longo de sete anos. Se dividirmos o total gasto com educação pública ao longo de todo este tempo pelo investimento público final em estádios no mesmo período, veremos que as arenas custaram o equivalente a um dia e meio de orçamento da educação vezes sete (1,5 para cada ano de projeto) [1].

Os que tomaram birra da Copa dizem que, ainda assim, é muito dinheiro. Passo este debate, pois não me proponho, aqui, a discutir os prós e contras do evento. Outros afirmam que o levantamento prova que o problema da educação, assim como o da saúde (orçamento anual de R$ 206 bilhões), não é a falta de dinheiro, mas o desvio e o desperdício deste por gestores corruptos e incompetentes. Só um louco atestaria a qualidade e a honestidade da administração pública brasileira, mas a gestão está bem longe de ser nosso principal problema.

Quase R$ 500 bilhões por ano pode parecer muito dinheiro, mas somos 200 milhões de habitantes, o que também é muito. Comecemos pela saúde. O orçamento dos três níveis de governo, somados, corresponde a R$ 1 mil por habitante do país por ano, ou R$ 83 por mês. Qualquer pessoa que paga um plano de saúde sabe que isso não é suficiente para proporcionar saúde de qualidade para ninguém. Nem precisamos considerar que mesmo a saúde privada, no Brasil, está a léguas do paraíso.

E todos sabem que o Estado tem obrigações com a saúde pública que vão muito além daquelas das operadoras de planos: distribuição gratuita de remédios, vacinação, programas de erradicação de doenças como hanseníase, controle de epidemias como AIDS e tuberculose, combate ao mosquito da dengue, campanhas de esclarecimento à população, saneamento básico, eliminação de detritos sólidos e muito mais saem do orçamento da saúde pública.

Tomemos, agora, a educação. O Brasil tem 40 milhões de estudantes nas redes públicas estadual e municipal (sem contar a rede federal de ensino fundamental e médio). A evasão, que precisa ser eliminada, é de 3,5 milhões. O Programa de Ensino Técnico tinha seis milhões de matrículas registradas em março, e meta de chegar a oito milhões até o fim do ano. Os estudantes de universidades públicas são 1,5 milhão, sem falar dos 380 mil beneficiários do PROUNI.

Nosso portentoso orçamento para a educação reserva menos de R$ 450 por mês para cada uma dessas crianças e jovens. Lembra quanto é a mensalidade da sua filha? Pois é. As 20 escolas privadas com melhor colocação no ENEM cobram, em média, R$ 2 mil por mês. Um bom curso técnico custa mais que o ensino de segundo grau. E o valor da mensalidade média das faculdades de medicina do Brasil é R$ 5 mil.

A comparação que fiz com despesas privadas de saúde e educação é ainda inexata, porque dar saúde e educação de qualidade aos pobres é mais caro que dar aos ricos e remediados. Para os estudantes carentes, o Estado precisa fornecer livros, merenda e transporte. Os pobres brasileiros, por muitas vezes não terem saneamento básico, repouso suficiente nem alimentação adequada, adoecem mais, têm imunidade mais baixa e um desgaste maior na terceira idade.

ciep_478.01Se alguém ainda tem dúvida de que o problema é dinheiro, e não gestão, analise o desempenho brasileiro no PISA. Cada resultado do teste internacional renova o nosso vexame, pois as notas médias dos nossos estudantes frequentemente ficam atrás dos de países mais pobres. Quando, porém, olhamos os dados com lupa, nos deparamos com algumas surpresas.

Como se podia esperar, a média dos brasileiros que estudam em escolas particulares é bem superior à dos de escolas públicas. Mas o que joga para baixo a nota da educação pública é a rede estadual/municipal. Os alunos dos colégios federais (ensino médio e militares) têm média superior aos de escolas privadas brasileiras, e fazem uma ótima figura no contexto internacional. Ficam à frente dos americanos e suecos em matemática, e entre os cinco melhores do mundo em leitura. Na nota agregada, um desempenho superior ao dos suíços, alemães e canadenses.

Devemos concluir daí que os governos estaduais e municipais são ineptos, mas que o federal é um excelente gestor, melhor que a iniciativa privada? O senso comum preferirá encontrar aqui a resposta: o gasto médio com um aluno das redes municipais e estaduais no Brasil foi de R$ 2,3 mil no ano de 2009. Na rede federal de ensino médio, foi de R$ 7,2 mil, e nos colégios militares, de R$ 14 mil. Milagre tem preço.

Amanhã, a segunda parte.

[N.do.E.: grifo do editor. PM]

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