No último sábado, apesar de não ser um grande fã do futebol europeu, naturalmente assisti à final da UEFA Champions League entre Atlético e Real Madrid. Horas depois, pela madrugada, encontrei no YouTube a transmissão completa da final do Brasileirão de 1998 entre Corinthians e Cruzeiro. Jogos diferentes, em épocas diferentes e em Universos diferentes, mas que me levaram a este texto de hoje.

O que mais me impressionou na transmissão dessa final do Brasileirão de 1998 foi o horário em que ela se iniciou. Não sei exatamente a que horas Galvão Bueno soltou o seu “bem amigos da Rede Globo”, mas, para o leitor ter ideia, nem os ônibus das duas equipes haviam chegado ao Estádio do Morumbi quando a partida tomou em definitivo o bastão da programação local.

Para quem, como eu, é da era das transmissões abertas às 15:55, algo assim é quase impensável. E isso não acontece exclusivamente por culpa da Globo, mas sim porque o interesse diminuiu. O futebol brasileiro perde fãs ano após ano devido, entre outras coisas, ao baixíssimo nível técnico apresentado. É, portanto, impossível se sustentar por mais que duas horas na tarde de domingo. E é aí que chegamos a este 24 de maio de 2014.

Champions League 2Em 2010, a Globo, depois de muito ignorar o futebol europeu, percebeu que não podia mais desprezar a Liga dos Campeões, que, na TV aberta, já havia viajado por Record, Band e RedeTV!, que, em diferentes épocas, também transmitiram alguns outros campeonatos europeus. A emissora carioca abriu com um Barcelona x Inter de Milão pela semifinal da temporada 2009-2010 sua história no Velho Continente.

De lá para cá, o interesse só aumentou. Ainda não temos um acompanhamento desde o início do torneio, mas, a partir da temporada 2011-2012, os jogos passaram a ocupar a grade nas quartas de final e, neste ano, até o jogo de volta das oitavas entre Barcelona e Manchester City já foi transmitido na voz de Galvão Bueno.

Já era inegável e notório, portanto, que, enquanto o futebol brasileiro sofria um processo de decadência em termos de público, o futebol europeu só crescia. Vale lembrar que, em 2012, a Globo exibiu três jogos da Eurocopa, também algo inédito. Ao mesmo tempo em que a maior emissora do país não ficava mais alheia a um evidente sucesso de público, esse produto que é o futebol estrangeiro também passava a ganhar a adesão não só de quem gosta de futebol, mas de quem estava esperando o filme da Sessão da Tarde.

E neste sábado, eu confesso, fiquei impressionado. A final da Champions League, mesmo sem o queridinho global Barcelona e o também badalado Bayern de Munique, conquistou o país. Que eu me lembre, afora Copa do Mundo, só tinha visto tamanha atenção do público a uma partida de futebol na final da Libertadores de 2012 e no Mundial de Clubes do mesmo ano, ambos conquistados pelo Corinthians. Muito maior que outras finais de Libertadores, Copa do Brasil ou jogos decisivos de Brasileirão. Amigos meus que quase nunca veem futebol estavam ligados; minha mãe que odeia o esporte bretão viu e comentou o jogo. Um fenômeno absoluto.

Há de se considerar, claro, que o horário da partida – 15:30 de um sábado (aliás, incrível como ninguém percebeu que colocar jogos do Brasileirão nesse horário na TV aberta pode ser uma boa) – ajudou, claro que, na última rodada do Brasileirão o público é dividido em cinco, seis jogos, mas eu de fato fiquei impressionado.

Champions League 3Como eu disse no começo, nunca fui exatamente um fã do futebol europeu. Não sei explicar porquê, mas não me atrai. Gosto mais do nosso Brasileirão feio e desorganizado, ou da Libertadores com todos os seus problemas. Não uso desses argumentos de que lá temos um “futebol coxinha”, “sem emoção” e entendo perfeitamente quem torce mais para o Real Madrid do que para o Flamengo ou o Corinthians, mas não gosto. Até por isso, fiquei bastante preocupado em ver esse processo relatado nos parágrafos anteriores.

O Brasil precisa urgentemente virar esse jogo. É uma questão de sobrevivência. Temos uma geração, de pequenos torcedores a adolescentes quase adultos, que está praticamente entregue ao futebol de lá. Os europeus não apenas dividem a atenção do garoto de 16 anos com o time do coração. Ele, agora, sequer tem time aqui. Nenhum dos times daqui o atrai e os jogos do clube estrangeiro passam toda semana na TV. Um futebol, de fato, mais bem jogado e apresentável.

Se não tentarmos reverter esse quadro, em breve perderemos outra geração e, aí, os nossos times, com menos torcida, levarão cada vez menos público aos estádios, ganharão cada vez menos dinheiro e, claro, serão cada vez mais defasados em relação à Europa. É uma bola de neve que fará do Brasil um país quase desprezível no cenário mundial.

Quem cuida do nosso futebol precisa aprender com a Europa. Esse fenômeno não acontece só porque o produto deles é melhor, mas porque eles sabem como vender. Sabem divulgar, sabem organizar. Tem suas falhas, mas valorizam o que tem em mãos. Não se trata de copiá-los porque são mundos diferentes, mas sim saber como se trabalhar com o que se tem.

champions league 4Porque melhorando a divulgação, a bola de neve vai em direção contrária. Aumenta-se o público, os clubes se valorizam mais e crescem. Para isso, é preciso um campeonato organizado, em que os times possam jogar nos seus estádios, que não haja inversão de mando, com jogos em horários e a preços acessíveis. Esse é o primeiro passo. Depois, os clubes precisam ser mais competentes na formação de seus times, parar de jogar dinheiro no lixo com medalhões, investir na base, entender a importância dos pequenos, esquecer esse preconceito bobo com técnicos estrangeiros – hoje muito melhores do que os nossos – e, principalmente, respeitarem o torcedor.

Hoje, admitamos, só vai a um jogo do Campeonato Brasileiro quem gosta muito de futebol. Não é um produto nem um pouco atrativo para convencer o filho de 12 anos a sair de casa e perder a final da Copa da Itália. Os jogos são ruins, os times são péssimos e, dependendo do local, ir, ficar e voltar de lá é quase uma saga. Isso se ninguém jogar uma privada na sua cabeça na saída. Aliás, quando isso acontece o cara não é preso e seu time vai jogar lá no Oiapoque.

Independente de preferências de cada um, acho que duas coisas podem ajudar: a primeira é a criação de uma Liga de Clubes. Uma Liga séria (ouviu, Andrés?), que não se sujeite aos desmandos da Globo (que não é a vilã da história, apenas defende seus interesses como qualquer empresa), que pense em um futebol para os clubes (ouviu, Andrés?) e para seu maior “cliente”, os torcedores.

Champions League 5Outro ponto que acho que pode ser interessante é a volta do mata-mata. Temos aqui uma cultura que dificulta a aceitação do formato de pontos corridos. Gostamos de uma final (o que talvez explique a disparidade de sucesso entre a Liga dos Campeões e o Campeonato Inglês por aqui – alguém espera ver o Inglesão na Globo pelo menos nos próximos 10 anos?) e, quanto pior o campeonato, mais ela se faz necessária.

Não acho nosso campeonato um lixo. Acho que passamos por uma crise em termos de qualidade, mas, vez ou outra, temos bons campeonatos, como o de 2011. Acho que a Libertadores tem melhorado muito, mas, independente disso, esbarramos em pontos quase amadores, que sempre tem a ver com vender este produto. Precisamos mudar isso e logo.

Ou, em breve, vai ser o futebol daqui a surpreender a dona de casa que espera a Sessão da Tarde em uma tarde qualquer de terça-feira.

Imagens: Uefa