A 11ª coluna da série Sambódromo em Trinta Atos, do jornalista esportivo Fred Sabino, volta ao desfile de 1994. Um desfile, diga-se de passagem, marcado por muitas surpresas, equilíbrio entre as escolas, e a justa vitória da Imperatriz Leopoldinense, que realizou uma apresentação recheada de bom gosto e técnica. Teve também presidente sendo visto ao lado de modelo sem calcinha no camarote…

1994: O brilho da Imperatriz em meio ao grande equilíbrio

Antes de relembrarmos especificamente do desfile de 1994,  é preciso voltar ao meio de 1993. Isso porque 14 bicheiros foram condenados à prisão pela juíza Denise Frossard, por suposta ligação entre seus negócios de jogo do bicho com o narcotráfico.

bichoEntre eles, os principais dirigentes das escolas de samba que terminaram nas quatro primeiras posições no desfile do Grupo Especial em 1993: o presidente do Salgueiro, Waldomiro Paes Garcia (o Miro), e os patronos da Imperatriz Leopoldinense, Luiz Pacheco Drummond (o Luizinho), da Beija-Flor, Aniz Abraão David (o Anísio), e da Mocidade Independente, Castor de Andrade.

Com isso, ficou a expectativa de que a preparação dessas escolas fosse abalada. No excelente disco (ou CD ou fita, como queiram) de sambas-enredo, houve citações a patronos nas faixas por intermédio dos puxadores.

Campeoníssimo de 1993, o Salgueiro tentaria o bi com o enredo “Rio de lá para cá”, sobre a Cidade Maravilhosa. O samba também era vibrante e prometia um novo sacode na voz do novo intérprete Quinzinho, que substituiu Quinho, este de volta à União da Ilha.

Já a Imperatriz desfilaria com o enredo “Catarina de Médicis na Corte dos Tupinambôs e Tabajeres”. Para entender: no século XVI, cerca de 50 índios brasileiros foram levados para a França pelo rei Henrique II e Catarina de Médicis para mostrarem seus rituais festivos aos locais, em confraternizações às margens do Rio Sena na cidade de Ruão (ou Rouen).

O curioso é que o Império Serrano tinha um enredo praticamente igual ao da Imperatriz. Havia, portanto, a expectativa de como as duas escolas, com as mesmas cores e a mesma temática, se apresentariam.

Já a Beija-Flor entraria na passarela de uma forma ecologicamente correta, numa homenagem a Margaret Mee, pesquisadora inglesa que catalogava espécies de plantas brasileiras. O carnavalesco seria Milton Cunha, que venceu um concurso realizado pela escola – ele substituiria Maria Augusta.

Por outro lado, causou surpresa a escolha do enredo da Mocidade. Renato Lage levaria para a Sapucaí a Avenida Brasil e seus aspectos do dia a dia, numa temática muito diferente do que a escola e o público haviam se acostumado. O intérprete também seria diferente: o então jovem Wander Pires cantaria no lugar de Paulinho Mocidade.

Mas, das primeiras colocadas de 1993, nenhuma causava tanta expectativa quanto a Mangueira, que, num estilo de enredo muito característico de sua história, homenagearia personalidades da música brasileira. No caso, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethânia, os Doces Bárbaros. O samba de David Corrêa, numa surpreendente incursão na Verde e Rosa, era extremamente popular e as rádios o executavam sem parar na fase pré-carnavalesca.

Samba-enredo forte, como de costume, também teria a Portela. Na estreia do carnavalesco José Félix, a Azul e Branco escolheu o enredo “Quando samba era samba”, que contaria as origens do gênero na África e o desenvolvimento no Brasil.

Mas o melhor samba do ano, pelo segundo ano consecutivo, era da Unidos de Vila Isabel. O enredo contaria a história do bairro de Noel e a obra dos compositores André Diniz, Evandro Bocão e Bombril era espetacular, unindo “pegada” e riqueza melódica.

Quem também tinha um belo samba era a Viradouro, que contaria a história de Teresa de Benguela. Mas a grande notícia era a contratação de Joãozinho Trinta, que prometia um desfile de muito luxo, como na época em que reinou como o carnavalesco mais badalado do Carnaval – o cantor Rico Medeiros, ex-Salgueiro, era outra novidade.

Falando em samba, a safra de 1994 foi uma das mais interessantes. Além das já citadas escolas, outra que escolheu uma obra bastante melódica e bonita foi a Grande Rio, cujo enredo seria sobre a umbanda brasileira. As demais escolas apresentaram sambas mais leves e populares, como União da Ilha (principalmente), Tradição, Caprichosos, Unidos da Ponte, Unidos da Tijuca e Estácio de Sá, mas praticamente todas as obras eram agradáveis.

OS DESFILES

A Unidos da Ponte abriu os desfiles com uma homenagem à cantora Alcione. O enredo “Marrom da cor do samba” relembrou os sucessos da artista, fez um passeio pelo folclore do Maranhão, estado natal de Alcione, e ainda exaltou o trabalho dela na Mangueira do Amanhã.

Mesmo sem grandes recursos que possibilitassem alegorias ou fantasias supertrabalhadas, o desfile foi simpático, graças ao bom samba e à espetacular cadência da bateria.

Já o desfile do Império Serrano infelizmente foi um caos do começo ao fim. Três carros quebraram, o que provavelmente faria a escola perder pontos por se apresentar com menos alegorias do que o permitido pelo regulamento (oito).

Tais problemas também comprometeram seriamente três quesitos, além de Alegorias e Adereços, claro: Evolução, Harmonia e Conjunto. No desastre imperiano, salvaram-se o samba, que, além de muito bom, foi conduzido corretamente por Roger da Fazenda e Carlinhos da Paz, e a sempre brilhante bateria.

A terceira escola a desfilar foi a Unidos da Tijuca, com um enredo sobre o verão carioca e suas características. O samba era divertido e perfeito para o intérprete Carlinhos de Pilares, que faria sua única apresentação pela escola.

As alegorias e fantasias não eram exuberantes, mas, dada a leveza do tema, estavam de acordo com a proposta da escola e eram multicoloridas. Foi o melhor desfile até então, mas dificilmente a escola ficaria entre as primeiras.

viradouro1994Até porque a Unidos do Viradouro fez uma ótima apresentação e se credenciou com força a ficar na parte de cima da tabela. O luxo de alegorias e fantasias ajudou o carnavalesco Joãozinho Trinta a contar a história de Tereza de Benguela, rainha africana que virou escrava no Pantanal do Mato Grosso, e fundou e presidiu um Quilombo no século XVIII.

Agradou muito o segundo carro do cortejo, que contava o sonho de Tereza de formar uma raça síntese por intermédio da miscigenação de outras raças. Outro elemento muito bem realizado era o que mostrava a Arca de Noé no Pantanal.

O longo samba era poético e contava muito bem o enredo. O intérprete Rico Medeiros, depois de muitos anos como cantor principal ou apoio no Salgueiro, estreou com o pé direito na escola e conduziu o samba com garra.

Em seguida, a Estação Primeira de Mangueira fez uma apresentação quente como se esperava na homenagem a Caetano, Gil Bethânia e Gal, mas bastante aquém do que se imaginava no conjunto.

O samba empolgou o público e contou na sua condução com um Dream Team de intérpretes: além de Jamelão, a escola teve um apoio de luxo com Sobrinho, Rixxa, Eraldo Caê e David Corrêa (um dos autores).

Mas em termos plásticos, a escola falhou. As alegorias tinham formas simples e as fantasias, idem. Além disso, a divisão cromática fugiu em muitos momentos do verde e rosa. Além disso, uma alegoria quebrou e matou uma evolução que já era confusa devido aos 5 mil componentes.

Para piorar, como no ano anterior e em outras oportunidades, a escola teve alegorias que emperraram na torre de TV e atrapalharam a progressão dos desfilantes. Falando neles, como relatou “O Globo”, “havia argentinos, ingleses, paulistas, gaúchos, amigos e curiosos; ficou fora aquela gente bronzeada, que, com léguas de samba, faz a harmonia mangueirense funcionar no automático”.

A sexta a passar no desfile de domingo foi a Vila Isabel. O enredo “Muito prazer! Isabel de Bragança e Drummond Rosa da Silva, mas pode me chamar de Vila” foi bem desenvolvido pelo saudoso carnavalesco Oswaldo Jardim e a escola se apresentou com muita criatividade nos quesitos plásticos, com uma bela junção de cores ao azul e branco.

O samba rendeu bem como se esperava e a escola revisitou com categoria o passado de um dos bairros mais queridos – e boêmios, claro – do Rio de Janeiro, além de homenagear Noel Rosa e os grandes nomes da escola, o fundador Paulo Brasão, que morreria naquele ano de 1994, e, claro, o primeiro e único Martinho da Vila.

Foi uma apresentação muito simpática, agradável de se ver, e, imagino, divertida para o componente, que sambou do começo ao fim do desfile e cantou a plenos pulmões – o Migão já escreveu sobre esse desfile no blog.

Sem o patrono Castor de Andrade, a Mocidade tentou retomar o caminho da vitória com o enredo “Avenida Brasil. Tudo passa. Quem não viu?” O carnavalesco Renato Lage voltou a brilhar com seu estilo high tech.

As soluções estéticas foram bastante criativas, como visto na comissão de frente, que era formada por motociclistas batedores – pela primeira vez num desfile uma comissão usou um elemento alegórico, no caso um tripé que continha motocicletas.

Um carro interessante era formado pela Linha Vermelha, que tinha um avião passando por cima rumo ao Galeão e diversos veículos abaixo. Outra alegoria marcante foi a que representou o caos das enchentes. As alas também eram criativas, com os contrastes da via, com carros de luxo e carroças como dizia o samba, e muambas que passam por ela.

No entanto, a Verde e Branco acabou falhando nos quesitos de pista, como harmonia e evolução. O samba, que teve boa condução de Wander Pires, não era mesmo dos mais poéticos, e o público acabou não se empolgando muito.

imperatriz942A última a entrar na passarela no desfile de domingo (já era madrugada de segunda-feira) acabou fazendo a melhor exibição do dia. A Imperatriz Leopoldinense de Rosa Magalhães tinha o mesmo enredo do Império Serrano mas foi infinitamente superior em tudo.

A começar pela extraordinária atuação da comissão de frente (foto), cujos componentes estavam maravilhosamente trajados e ainda faziam uma evolução abrindo seus leques em verde e dourado, o que dava um efeito incrível.

Além disso, o desenvolvimento do enredo sobre os indígenas brasileiros que foram convidados a se confraternizarem com os franceses, por intermédio do rei Henrique II e de Catarina de Médicis, foi impecável, já que a divisão das alas fazia a apresentação ter início, meio e fim.

É chover no molhado comentar a qualidade e requinte de alegorias e fantasias, que mesclavam com perfeição diversas cores com as da escola, no caso o verde, o branco e o dourado. Desde os setores dedicados à nobreza da França ou aos indígenas, tudo tinha extrema beleza.

imperatriz943imperatriz944Algumas alegorias chamaram muito a atenção como a do “Carrossel francês com onças selvagens”, que tinha excelente acabamento, bem como o carro “A cor que aplaude a dança dos índios”, que tinha diversas (e belas) índias com os seios de fora.

O samba era dos melhores da safra e foi conduzido brilhantemente (e com garra) por Preto Jóia, que estava no melhor de sua forma. A sustentação do banjo, como já vinha virando tradição na escola, e a atuação da bateria do Mestre Beto coroaram a ótima exibição da Rainha de Ramos.

O desfile de segunda-feira começou com chuva, mas isso não impediu uma apresentação divertida da Caprichosos de Pilares com o enredo sobre os 90 anos da Avenida Rio Branco, desenvolvido por Luiz Fernando Reis.

Com um samba irreverente, bem cantado por Luizito, a escola lembrou diversas coisas características do local, como a Galeria Cruzeiro e o Cordão da Bola Preta. Foi uma bela reação após o fiasco de 1993.

Em seguida, depois da chamada feita pela locutora Íris Lettieri, do Aeroporto Internacional do Galeão, a Tradição embarcou no desfile sobre a paixão do homem por voar. E foi uma viagem inesquecível, em velocidade de cruzeiro.

A carnavalesca Lícia Lacerda foi muito feliz na apresentação do enredo, que passeou pelos céus nas asas de cêra de Ícaro, no 14-Bis de Santos Dumont, nos voos dos pássaros, na carruagem de Apolo, nos balões, nos paraquedas e até nas espaçonaves interplanetárias.

As alegorias não eram grandes já que a Tradição não tinha os mesmos recursos das grandes escolas, mas passavam com muita clareza e coerência a proposta do enredo. As fantasias eram simples, mas bastante leves e permitiam uma evolução vibrante aos componentes.

O samba foi bem cantado pelo intérprete Edmilton de Bem e era vibrante, principalmente no refrão principal “Vou voar de asa delta/O céu do meu Rio de Janeiro/ Vou voar/Delirar com a natureza/ Refletir no espelho o azul do mar”. O público cantou junto desde o começo e isso impulsionou a escola. Não só a meta de fugir das últimas colocações foi atingida, como voos mais altos (com o perdão do trocadilho) eram possíveis.

Se a exibição da Tradição já havia sido mágica, a União da Ilha literalmente teve ainda mais magia em sua apresentação. O enredo “Abrakadabra, o despertar dos Mágicos”, do carnavalesco Chico Spinoza, falava de tudo que poderia ser considerado “mágico” e rendeu à agremiação seu melhor desfile desde 1989 com sobras.

O conjunto visual da escola estava muito bonito e com uma divisão de cores muito coerente. Em alguns setores, a coloração era mais densa e escura, principalmente na parte mais mística do enredo. Em outros, os tons eram mais leves. Mas tudo descrevia com muita clareza o enredo.

A alegoria dedicada à Era de Aquarius foi o grande destaque do desfile graças a uma criativa (e mais barata) solução do carnavalesco: milhares de garrafas pet com líquido azul simulavam o movimentos das águas marítimas.

ilha94Outra alegoria muito criativa era a da Alquimia (foto), que não só era bem concebida, como soltava uma fumaça ora branca, ora vermelha, que dava excelente efeito. O escritor Paulo Coelho (“O Alquimista”, 1988) desfilou em cima daquele carro.

De volta à Tricolor insulana, o cantor Quinho deitou e rolou nos cacos e cantou muito bem o samba animado de Franco e Almir da Ilha. E, como sempre, a bateria de Mestre Paulão deu show, com paradinhas e bossas criativas.

A Ilha não foi tão luxuosa e técnica como a Imperatriz, mas foi a primeira a receber gritos de “é campeã” na Praça da Apoteose. Se o título finalmente viria era outro papo, mas a briga pelas primeiras colocações era uma certeza.

Quarta a passar no desfile de segunda-feira, a Acadêmicos de Grande Rio prometia com o enredo “Os Santos que a África não viu”, mas acabou não conseguindo conquistar o público.

Apesar do bom samba-enredo conduzido com firmeza por Nêgo (vencedor do Estandarte de Ouro), a escola não teve uma boa evolução e o conjunto visual não era dos melhores daquele Carnaval. Foi um desfile arrastado.

A Beija-Flor de Nilópolis buscou na natureza a inspiração para desfilar bem. O visual da escola estava inegavelmente bem acabado, mas a divisão cromática com excesso de cores, embora pertinente a uma certa parte do enredo sobre Margaret Mee, acabou pesando um pouco.

Por outro lado, Neguinho da Beija-Flor teve ótima atuação e o samba-enredo, que não era dos mais cotados na fase pré-carnavalesca, cresceu no desfile, rendendo uma ótima harmonia e puxando o público para cantar com a escola.

A bateria esteve muito firme e empolgou, com diversas paradinhas. Mas no fim a evolução da escola foi prejudicada por um incêndio no último carro alegórico. Por sorte, o fogo não demorou a ser controlado e não houve um desastre como o da Viradouro dois anos antes.

salgueiro94Campeão de 1993, o Salgueiro começou seu desfile ao som de uma incrível e demorada queima de fogos, mas como o tempo no Rio ainda estava muito fechado apesar de a chuva ter parado, a fumaça não se dissipou e a pista ficou encoberta por uma expessa nuvem (foto).

O samba era dos mesmos compositores do fenômeno “Explode Coração” de 1993 e o público cantou com a escola desde o começo do desfile, demonstrando que o Salgueiro era mesmo um dos favoritos a mais um campeonato.

salgueiro942O enredo sobre o Rio de Janeiro era de facílima leitura, mas, como já havia acontecido no ano anterior, o conjunto alegórico estava inferior ao de outras escolas, como Imperatriz (principalmente), União da Ilha, Viradouro, Mocidade e Beija-Flor.

As fantasias estavam melhores e passavam a mensagem de cada ala com bastante coerência, até porque o carnavalesco Roberto Szaniecki acertou na escola de cores, preservando o Vermelho e Branco do Salgueiro sem ser repetitivo.

A bateria de Mestre Louro brilhou como de costume e a harmonia da escola esteve perfeita, já que os componentes cantaram com força o samba do começo ao fim, sem oscilações.

Apesar do incrível contingente de 6 mil pessoas, a evolução não apresentou graves problemas, o que credenciava a Vermelho e Branco a, de fato, brigar na parte de cima já que fez o desfile mais vibrante do ano.

Contando a história do comércio no S.A.A.R.A., o Estácio de Sá passou muito longe de reeditar seus melhores momentos em 1994. O enredo falava sobre os diferentes tipos de comerciantes e produtos vendidos naquela região do Centro do Rio, mas poderia ter sido melhor desenvolvido.

O samba, que era bastante coloquial, não rendeu apesar da competência de Dominguinhos na condução. Para piorar, a escola estava inchada e a evolução foi confusa graças a problemas com alegorias – no fim, uma ala passou correndo pela pista e o som ainda por cima foi desligado antes do estouro do cronômetro. Um ano para os estacianos esquecerem.

A Portela encerrou os desfiles de 1994 com bastante categoria ao contar as origens do samba na África e a solidificação do gênero como tipicamente brasileiro depois que os escravos trouxeram o ritmo para o nosso país.

Curiosamente, num desfile sobre as raízes do samba, pela primeira vez a comissão de frente da Portela não teve a presença da Velha Guarda. Coisas do julgamento, já que a escola era a última a resistir à tendência das supercomissões de frente coreografadas…

A Águia veio representando um malandro do Rio e usava chapéu. Tanto em alegorias como em fantasias, o carnavalesco José Félix acertou no desenvolvimento do enredo, cuja mensagem era a de que Oswaldo Cruz e Madureira haviam se tornado a casa do melhor samba.

O samba-enredo, como já mencionado na coluna, era um dos melhores do ano, e o andamento da bateria foi simplesmente espetacular, o que valorizou a fortíssima melodia.

O enredo tinha um quê de protesto, que ficava evidente em alguns versos do samba, como “Esse batuque gostoso não pode parar” e “Resistência que a força não calou”. A se lamentar, apenas, a quebra de uma das alegorias.

REPERCUSSÃO E APURAÇÃO

Terminado o desfile, a sensação era a de incerteza sobre a escola vencedora, já que não houve nenhuma apresentação que tivesse conquistado de forma contundente o público e crítica, como nos anos anteriores.

Os melhores desfiles foram da Imperatriz (pela qualidade estética e equilíbrio de sua apresentação), do Salgueiro (pela vibração durante toda a passagem), da Ilha (também pela empolgação, além do conjunto da obra), além de Portela e Mocidade, mas outras escolas se exibiram muito bem como Beija-Flor, Viradouro e Tradição.

lilianramosPorém, antes que se pensasse na apuração, uma bomba foi deflagrada nos sempre agitados camarotes da Sapucaí. Isso porque o presidente da República, Itamar Franco, foi flagrado ao lado da modelo Lílian Ramos, que estava sem calcinha e dançava de forma beeeeeem desinibida, para deleite dos fotógrafos… Itamar jurou de pés juntos que não sabia da falta da peça íntima da moça, mas o assunto foi manchete por vários dias em jornais e revistas de fofoca.

A apuração teve um incrível passeio da Imperatriz Leopoldinense, que não recebeu nota dez de apenas três dos 30 jurados, um em Enredo, outro em Evolução e, por fim mais um em Mestre-Sala e Porta-Bandeira. Se vitória em si foi justíssima, pela grandeza da apresentação da escola, surpreendeu a grande vantagem de 3,5 pontos para o vice-campeão Salgueiro.

A Viradouro terminou num inédito terceiro lugar, seguida pela União da Ilha, enquanto Beija-Flor e Tradição (outra grata surpresa) terminaram com a mesma pontuação, com a escola de Nilópolis levando vantagem no desempate (Alegorias e Adereços).

Num desfile muito equilibrado, surpreenderam o sétimo lugar da Portela (principalmente), o nono da Vila Isabel e o 11º da Mangueira (as três mereciam estar mais acima). Houve ainda o lamentável 16º e último lugar para o Império Serrano, que perdeu cinco pontos por desfilar com um número de alegorias inferior ao mínimo exigido (oito) mas ficaria apenas em penúltimo caso não tivesse sido punido.

Não houve rebaixamento, o que acabou salvando o Império, e em 1995 o desfile teria 18 escolas, com o retorno da São Clemente, após três carnavais no Acesso, e a estreia da Unidos de Villa Rica, também da Zona Sul (Copacabana), em um resultado muito contestado.

RESULTADO FINAL

POS. ESCOLA PONTOS
Imperatriz Leopoldinense 298
Acadêmicos do Salgueiro 295
Unidos do Viradouro 294,5
União da Ilha do Governador 292,5
Beija-Flor de Nilópolis 291,5
Tradição 291,5
Portela 290,5
Mocidade Independente de Padre Miguel 290
Unidos de Vila Isabel 289
10º Caprichosos de Pilares 287,5
11º Estação Primeira de Mangueira 287
12º Acadêmicos do Grande Rio 274
13º Estácio de Sá 274
14º Unidos da Tijuca 270,5
15º Unidos da Ponte 259
16º Império Serrano 258,5

CURIOSIDADES

– Foi o último ano de Dedé da Portela como cantor principal da Portela. O também compositor morreria nove anos mais tarde, de infarto, quando tinha 65 anos.

– A Manchete voltou a transmitir os desfiles do Rio em 1994, com sua tradicional equipe formada por Paulo Stein, Fernando Pamplona, José Carlos Rêgo, Haroldo Costa e Roberto Barreira.

– Na Globo, a grande novidade era a estreia de Fátima Bernardes na condução das transmissões ao lado do já experiente Fernando Vannucci.

– O 13º lugar foi o pior resultado da Estácio de Sá desde que a escola passou a ter esse nome (antes era Unidos de São Carlos). Em 1997, a escola repetiria a 13ª posição e seria rebaixada para o Acesso; dez anos mais tarde, a Vermelho e Branco fez breve retorno ao Grupo Especial, repetiu a 13ª colocação e caiu.

– Por outro lado, com o terceiro lugar, a Viradouro obteve a melhor posição de sua história até então. Em 1997, a escola se consagraria campeã pela única vez – em 1999, 2000 e 2006, a agremiação de Niterói também ficou na terceira posição no Grupo Especial.

– Foi a última vez que Quinzinho participou do Carnaval como cantor principal de uma agremiação. Em 1995 e 2002, ele foi apoio no Império Serrano, escola que o projetou.

CANTINHO DO EDITOR – por Pedro Migão

Gilberto Gil, homenageado da Mangueira, chorou no camarote da escola ao ver a sua Portela passar…

Por falar em Mangueira, após o fiasco da escola no desfile surgiram duas versões jocosas do samba:

“Me leva que eu vou
Sonho meu
O Salgueiro já é bi
E a Mangueira se fodeu…”

A segunda era:

“Me leva que eu vou
Sonho meu
Atrás da verde e rosa
Só fica quem já desceu…”

Muitos imperianos até hoje juram que houve sabotagem nas alegorias da escola. Por outro lado, o rebaixamento também foi anulado devido ao fato de a Unidos da Ponte, escola do então presidente da Liesa, Paulo de Almeida, ter sido rebaixada…

O enredo da Acadêmicos do Grande Rio sobre a Umbanda é o único na história do carnaval a abordar a centenária instituição.

O resultado do Grupo de Acesso despertou muita polêmica. Villa Rica e São Clemente subiram com nada menos que 20 pontos de diferença para a terceira colocada. Em especial a escola de Botafogo, que, segundo os analistas, fez um desfile que a credenciaria às últimas posições. O imbróglio resultaria na criação da Liesga (Liga Independente das Escolas do Grupo de Acesso), que teria vida curta.

Foi a primeira vez que a Tradição ficaria à frente da Portela. O curioso é que a escola de Campinho reeditaria este samba em 2007 com exatamente as mesmas fantasias – e um carro em o 14 Bis era maior que a Torre Eiffel… Obviamente, foi rebaixada.

O Salgueiro sofreu com um problema que se tornaria uma constante nos trabalhos do carnavalesco Roberto Szaniecki: alegorias inacabadas.

A Difícil é o Nome foi a campeã do Grupo de Acesso B, na terça feira de Carnaval. Também subiram a Vizinha Faladeira e a Em Cima da Hora para o Grupo de Acesso A.

Abaixo, a capa do Jornal do Brasil da quarta feira de Cinzas daquele ano. Falando em impeachment para Itamar por causa das partes pudendas de Lilian Ramos…

JB 1994

Links

O desfile campeão da Imperatriz Leopoldinense em 1994

http://www.youtube.com/watch?v=j5bxBXu2sTE

A apresentação empolgante do Salgueiro

A passagem da União da Ilha

A surpreendente exibição da Tradição

https://www.youtube.com/watch?v=evbQ8XbwTKQ

 

Fotos: O Globo, Extra e reprodução de TV

9 Replies to “Sambódromo em 30 Atos – “1994: O brilho da Imperatriz em meio ao grande equilíbrio””

  1. Mangano revoltadinho com o vice e quebrando o troféu. Inesquecível. O Salgueiro tentou o bicampeonato com um “novo Ita” e quebrou a cara, porque a Imperatriz foi quase perfeita e esse título é merecido. Já o de 1995…

    1. Não nesse ano de 1994, mas o Quinho gritando “FUTUCA, MANGANO!” nos sambas do Salgueiro era engraçadíssimo rsrsrs

  2. Nesse ano teve aquela história de 2 recuos de bateria, que até hoje, eu não entendi. Alguém sabe explicar pra que que foi feito aquilo?

  3. Como salgueirense, me lembro do “Me leva que eu vou, sonho meu. Salgueiro já é bi e a Mangueira se f*deu, ôôô”. Pena que não rolou o bi… Tinha uma outra versão também que era mais ou menos assim: “Me leva que eu vou, sonho meu. Atrás da Verde-e-Rosa só ficou quem já desceu, ôôô”. Bons tempos de encarnação com as co-irmãs sem a preocupação de soar politicamente correto. Porque hoje em dia, qualquer piada já é motivo pra esculhambação, ainda mais em tempos de internet.

  4. Esse carnaval foi maravilhoso! O desfile do Salgueiro empolgante! A Ilha fantástica, de arrepiar a paradinha só com a lira. Portela, Tradição, Mocidade, Viradouro e Mangueira! Um dos melhores carnavais pelo conjunto da obra!

  5. Merecidíssimo título para a Imperatriz, apesar de eu gostar mais do samba da Império Serrano (do mesmo tema).

    Sobre o samba da Mangueira, um amigo meu, torcedor (!!) da Viradouro, me contou que o canto era:

    “Me leva que eu vou
    Sonho meu
    Depois da Viradouro
    A Mangueira se f… ô”.

    Disse ainda que saiu um quebra-pau monstruoso entre integrantes e torcedores de ambas as escolas depois do término da decepcionante apresentação da verde e rosa.

    Sobre a Mocidade, bem… o que dizer de um enredo sobre a Avenida Brasil?

    Em tempo: o samba da Tradição é sensacional. Do jeito que muitos gostam, a melodia que leva ao refrão central não tem uma quebra melódica brusca; ela continua com o refrão: “Será verdade… Icaro marcou bobeira…”. Curiosidade babaca: o Edmilton (intérprete da escola do Campinho) foi o intérprete da minha escola virtual, a Foliões do Boteco, em 2012.

    E até hoje o Edmilton manda muito bem nos microfones! Azar dele cantar alguns sambas ruins na Tradição (1995 e 1996) e na Estácio (1998 e 1999).

  6. Lembro que a apuração foi uma confusão por si só, atraso de uma hora no começo e teve um queba-pau sem fim! Era torcedor discutindo com fotógrafo, mesa apuradora sendo invadida, os dirigentes querendo briga… E no meio da confusão a Maria Helena, porta-bandeira da Imperatriz desmaiou.

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