Nesta terça feira, a coluna do estudante Leonardo Dahi inicia uma série de duas colunas sobre os sambas de enredo do Grupo de Acesso A do carnaval carioca, a Série A. Hoje, as escolas de sexta, amanhã as que desfilam no sábado de carnaval.

Não irei escrever sobre o tema, mas entendo que o samba a ser reeditado pela Em Cima da Hora é o melhor de todos os tempos do carnaval carioca. Dos inéditos, Cubango e Alegria tem grandes sambas, em uma safra de mediana para ruim – ou seja, discordo da avaliação do colunista.

Os sambas de enredo da Série A – Parte I (Sexta)

Conforme prometido na minha última coluna, quando avaliei os sambas do Grupo Especial, hoje começo a dar os meus pitacos para a safra da Série A. Lembrando sempre que, para aproximar do julgamento real, dei notas de 9,0 a 10,0, divididas em dois sub-quesitos: letra do samba e melodia, ambos com notas de 4,5 a 5,0. Hoje as escolas que desfilam na sexta feira, amanhã as de sábado.

Agora sim, eis as notas.

Em Cima da Hora

Enredo: “Os Sertões”

Compositor: Edeor de Paula

Intérpretes: Antônio Carlos e Arthur Franco

Recuso-me a fazer maiores comentários sobre uma obra do calibre de “Os Sertões” (acima, o áudio). Não é o meu samba preferido, mas é o maior samba de todos os tempos e, claro, o melhor do ano. A letra é um poema e tal, isso tudo que todo mundo já sabe. Gostaria apenas de fazer uns comentários sobre a gravação. Antes disso, gostaria de me posicionar contra reedições em qualquer caso. Acho um desrespeito com a escola, com as coirmãs e com o público. Certo que é a única chance da escola de Cavalcante se manter no grupo, mas sou contra.

Enfim, quanto à gravação: a meu ver a escola foi inteligente ao acelerar um pouco o andamento do samba. Não comprometeu e evitou o risco do público atual não aceitar um samba de andamento lento, característica da época. Os intérpretes foram bem, evitaram cacos, gritos e se limitaram a cantar o belíssimo samba.

Letra do Samba: 5,0. Melodia: 5,0. Nota: 10,0.

União de Jacarepaguá

Enredo: “Os Iorubás – a história do povo Nagô”

Compositores: Allexandre Valle, Dona Ivanísia, Neyzinho do Cavaco, Mariano Araújo, James Bernardes e Girão

Intérprete: Tiganá

Reza a lenda que, escolhendo um chamado enredo afro, as chances de uma escola entrar na Avenida com um samba ruim são quase zero. A União de Jacarepaguá tem em 2014 uma obra que corrobora bem com esta tese. Usando de outro artifício com o qual eu não concordo muito – a encomenda de samba para compositores – a escola do Campinho tem um belíssimo samba para exaltar a nação Iorubá.

É um samba que segue bem a cartilha de enredos do tipo. Tem uma melodia característica de sambas africanos, uma letra que exalta os animais, a religiosidade, a natureza, a mistura de raças, etc. Pode até parecer um samba clichê, e talvez seja, mas quem disse que clichês são sempre ruins? Gosto bastante da estrofe que leva ao refrão principal.

 Enfim, não é um samba que entrará para a história, talvez não se destaque em uma safra a meu ver de altíssimo nível, mas cumpre muito bem o seu papel. E afinal de contas, não é isso que esperamos de um samba-enredo? Tiganá, embora parecesse um pouco rouco, não comprometeu.

Letra do Samba: 5,0. Melodia: 5,0. Nota: 10,0.

Rocinha

Enredo: “Do paraíso sonhado, um sonho realizado. Sorria, a Rocinha chegou à Barra”

Compositores: Anderson Benson, Alexandre Naval, Flavinho Segal, F Maria, J do Táxi, Leandro RC, Marcelinho e Maurício Amorim

Intérprete: Leléu

Chegamos ao pior dos 17 sambas da Série A. Outra das escolas que apostou em encomenda de samba, a Rocinha, a julgar pelo enredo, pelo samba e pelo protótipo de algumas fantasias, está doida para ir parar na Intendente Magalhães. Na tentativa de disfarçar o inacreditável enredo sobre a Barra de Tijuca, os compositores tentaram criar um novo “pede um podrão no Seu João” (eu gostava disso) e perderam a mão.

A melodia é até bem construída, a exceção dos versos iniciais e finais da segunda parte, que devem dificultar o canto dos componentes, mas a letra é tosca. Sabe aquele tiozão antipático que de repente vem cheio das piadinhas e acaba ficando constrangedor? Então, é esse samba. Rimar “lelé da cuca” com “Barra da Tijuca” já é o anúncio da desgraça desde o refrão principal. Mas o ouvinte ainda é brindado com versos como “oh meu São Pedro… preciso me mudar / o Paraíso é aqui neste lugar”, sendo que qualquer um que conheça algum carioca sabe que é mais fácil chegar ao Céu do que na Barra da Tijuca – ou sair dela.

Este é o grande problema deste samba: ele tenta romantizar um bairro odiado por 95% dos cariocas. É reflexo de um enredo mal desenvolvido, mas os compositores não ajudaram. Deveriam ter se preocupado mais em apresentar o bairro do que em “vendê-lo”. Gosto da primeira parte, em especial do “verde esmeralda na onda a bailar / no espelho da água o céu quis se olhar / lagoas que adocicam a boca do mar…”. Destaque para Leléu, brilhante na gravação.

Letra do Samba: 4,6. Melodia: 4,8. Nota: 9,4.

Renascer

Enredo: “Olhar caricato. Simplesmente Lan”

Compositores: Moacyr Luz e Cláudio Russo

Intérpretes: Diego Nicolau e Evandro Malandro

Mais uma escola a apostar em uma encomenda de samba (e esta chamando dois compositores que não tem exatamente uma história rica na escola, embora Russo já tenha vencido sambas na agremiação), a Renascer vem com um dos enredos mais interessantes de 2014, uma homenagem ao cartunista Lan. O samba é muito bonito, seria um belo “samba de meio de ano”, mas, como samba-enredo, deixa a desejar. Falta explosão, falta aquele momento em que você enche o peito pra cantar.

É um samba correto demais, que parece não se preocupar em cativar o público. Se a Rocinha é o tio do pavê, a Renascer é o tio mau humorado que quer comer a ceia de natal antes da meia noite porque está com sono. A ideia de colocar uma estrofe depois do fraco refrão principal, se por um lado merece parabéns por fugir do lugar-comum, não saiu bacana. Gosto do trecho do “o Rio de Janeiro é todo Lan”.

Quanto aos intérpretes, não consegui captar quem estava cantando cada trecho, o que pode ser avaliado de duas maneiras: não comprometeram, estavam entrosados; ou, não fizeram nada que mereça destaque.

Letra do Samba: 5,0. Melodia: 4,8. Nota: 9,8.

Porto da Pedra

Enredo: “Majestades do samba, os defensores do meu pavilhão”

Compositores: Duda SG, Bira, Márcio Rangel, Wilson Bizzar, Eric Costa e Alexandre Villela

Intérprete: Anderson Paz

Apenas na quinta escola da primeira noite teremos um samba vencedor de alguma eliminatória em 2013. É o da Porto da Pedra, que após dois anos pouco felizes administrativamente, tenta juntar os seus pedaços para voltar ao Grupo Especial. O enredo escolhido merece aplausos: uma homenagem aos casais de mestre-sala e porta-bandeira.

O samba ganha avaliação parecida com o da Renascer: falta um momento de explosão. Ele vai sempre naquele mesmo andamento em todas as partes e se torna cansativo. Quanto a letra, tem trechos belíssimos como “rainha que herdou toda a nobreza / e a sutileza que dos bailes despontou / mesmo com as marcas que a dura vida trás / o seu encanto não se desfaz”, ou ainda a sacada de descer do morro e vir pro asfalto do refrão do meio. A segunda parte também é bem bonita.

Dois erros na letra: não falar de mestre-sala, apenas de porta-bandeira (ou do casal) e não citar casais famosos. São pontos bem explícitos na sinopse e que não foram explorados. Com todo o respeito ao Anderson Paz, a quem considero um bom cantor, mas o samba ficava melhor com o Luizinho Andanças.

Letra do Samba: 4,8. Melodia: 4,9. Nota: 9,7.

Paraíso do Tuiuti

Enredo: “Kizomba, a festa da raça”

Compositores: Luiz Carlos da Vila, Rodolpho e Jonas

Intérprete: Daniel Silva

Outro clássico que não merece grandes comentários (acima). Kizomba é um dos melhores sambas da história da Marquês de Sapucaí e agora passará de novo pela Avenida (em 88, as fortes chuvas cancelaram o desfile das campeãs; então, é a segunda chance de vermos esta obra prima na Avenida). Agora, tem um detalhe: se eu sou contra a reedição da Em Cima da Hora, o que dizer da Tuiuti, que reedita samba de outra escola? “Hoje a Vila é Kizomba”?

O intérprete Daniel Silva foi muito bem.

Letra do Samba: 5,0. Melodia: 5,0. Nota: 10,0.

Inocentes

Enredo: “O triunfo da América – o canto lírico de Joaquina Lapinha”

Compositores: Manelão, Abílio Mestre-Sala, Tico do Gato, Altamiro, Vinicius Ferreira, Claudinho, Chiquinho do Bar, Paulo e Juruna Zona Sul

Intérprete: Ciganerey

Uma grata surpresa. De volta ao segundo grupo após um muito injusto rebaixamento em sua estreia no Grupo Especial, a Inocentes de Belford Roxo vem homenagear a cantora lírica Joaquina Lapinha (aí chega no Especial e fala da Coreia do Sul, não dá para entender…). O samba, fruto de junção, é maravilhoso.

A primeira parte é muito bem feita, mas o samba começa a crescer mesmo é no espetacular refrão do meio. O início da segunda parte tem uma das melhores sacadas do ano, brincando com as palavras concerto, conserto e conceito: “concerto da lança e a lira / conserto o meu conceito de inspiração”. Também gosto muito do trecho o final, “na ópera do povo eu quero ser feliz de novo”. Ciganerey também cantou muito bem.

Uma pena que, tal como Renascer e Porto da Pedra, falte um grande momento. A parte final nos leva a crer que teremos um refrão explosivo, mas ele, apesar de muito bonito, não “acontece”. É   um samba perfeito pro CD, mas, pra avenida, falta algo mais.

Letra do Samba: 5,0. Melodia: 4,9. Nota: 9,9.

Império Serrano

Enredo: “Angra com os Reis”

Compositores: Paulinho Valença, Henrique Hoffmann, Popeye, Victor Alves, Filipe Araújo, Tião Pinheiro, J. Centeno e Beto do Império

Intérprete: Clóvis Pê

O enredo do Império Serrano é tosco. Ponto. É confuso, nada quer dizer com nada e alguém tem que prender o “gênio” que resolveu falar de Angra dos Reis falando dos Reis Magos. Porém, o Império Serrano pode agradecer a Deus por sua ala de compositores, que lhe deu um samba no mínimo agradável.

O refrão principal é bacana e a primeira parte é muito boa. Destaco os versos de “palhaços, cantadores, dançarinos, reis magos da folia / a beleza das flores” até o trecho final, “seguindo o cortejo posso ouvir o toque do agogô / emoção em verde e branco / o reizinho de Madureira chegou”. A segunda parte também tem uma melodia agradável, mas faltam citações mais concretas da cidade homenageada. Também acho o refrão do meio muito arrastado. A interpretação de Clóvis Pê não é só ruim, como também é irritante com esses “hehe” a cada cinco segundos.

Letra do Samba: 4,9. Melodia: 4,9. Nota: 9,8.

Amanhã, as avaliações das escolas de sábado.

One Reply to “Filho Pródigo: “Os sambas de enredo da Série A – Parte I (Sexta)””

  1. COMO NÃO ENCNTOREI OPÇÃO PRA EDITAR, SEGUE O MEU COMENTÁRIO EDITADO: “Em nome da parceria da UNIÃO DE JACAREPAGUÁ, agradeço as gentis palavras do colunista ao analisar nossa obra. Em verdade, o samba afro em questão buscou através dessa temática, fugir do tradicional cultos aos orixás e suas lendas E fazer uma nova leitura, MOSTRANDO QUE O MESMO negro que foi estirpado dos braços da MÃE ÁFRICA reencontrou “novamente aquele abraço” nos braços da MÃE DE SANTO na Primeiro Terreiro de Candomblé inaugurado no Brasil (Bahia, bem como realça a total ausência de preconceitos de cor, de classe sexual e de opção sexual entre seus seguidores. Na verdade, é uma abordagem que, julgo, ainda não foi feita por nenhuma Escola. Espero que os jurados tenham o mesmo entendimento do colunista e QUEpossamos ajudar a nossa UNIÃO a fazer um desfile inesquecível.”

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