Na segunda parte o advogado Rafael Rafic nos fala sobre as eleições de New York.

Eleições Americanas – Parte 2 (New York)

Hoje comentarei um fato que o Migão já descreveu na coluna de sexta feira: após 20 anos um democrata voltará a ser prefeito de New York após a vitória retumbante de Bill de Blasio (foto) com 73,3% dos votos. O Migão tentou de maneira bem superficial explicar essa vitória com o problema social vivido por New York nestes dias, com um número considerável de miseráveis. Porém não acredito que a resposta principal seja esta.

De pronto já temos um erro na definição da pergunta a ser respondida. A dúvida aqui não pode ser “Por que um político democrata voltou a ganhar a prefeitura de New York após 20 anos?”. A pergunta correta a ser formulada é “Como é que os democratas ficaram 20 anos afastados da prefeitura de New York?”.

New York, junto com Boston, é a cidade mais democrata dos Estados Unidos desde os tempos de Franklin Delano Roosevelt (presidente americano entre 1932 e 1945); logo não há motivos demográficos aparentes que expliquem cinco derrotas consecutivas nas urnas para os predominantes democratas. Mal comparando, é como se o PT perdesse cinco eleições consecutivas para o governo do Rio Grande do Sul.

A resposta dessa pergunta não passa por questões sociais, econômicas, regionais ou nacionais, mas sim puramente locais e por culpa exclusiva dos próprios democratas de New York.

Após sucessivos governos democratas ineficientes nas décadas de 70 e 80, a cidade estava largada, imunda e extremamente violenta por conta dos devaneios populistas dos democratas que, em nome do “respeito aos pobres” simplesmente negligenciou os cuidados básicos com a ordem e a segurança da cidade. A situação estava tão fora de controle que até os vagões do metrô da cidade estavam pichados e isso havia se tornado uma marca da cidade.

Após tantos desmandos, surgiu um candidato republicano em 1989 com um discurso de moralidade e, principalmente, com foco no departamento de polícia. Seu nome: Rudolph Guiliani. Apesar de perder a eleição de 89, seu discurso encontraria bastante eco na cidade durante o mandato do democrata David Dinkins, especialmente desastroso.

Assim, Giuliani concorreu de novo em 1993 e dessa vez conseguiu derrotar Dinkins. Rapidamente ele pôs em prática seu famoso plano de segurança, o “Tolerância Zero”, que até hoje é exemplo mundial na área de segurança pública (para quem não sabe, Giuliani hoje é contratado da Secretaria de Segurança Publica do Rio de Janeiro como analista especial de segurança pública).

O plano de Rudy foi muito bem sucedido, a cidade teve seus índices de criminalidade bastante reduzidos, passando de uma das cidades mais violentas dos EUA para um das mais seguras em questão de três anos.

O plano ia além da segurança pública e introduziu o conceito que sem ordem pública não há segurança pública (percebam que esse é exatamente o discurso de Beltrame à frente da supracitada secretaria) e uma das primeiras ações foi justamente a reforma dos vagões de metrô para retirar as pichações, junto a um longo plano da policia para evitar a ação de novos pichadores.

Com o sucesso do plano, a cidade ressurgiu, a economia deu pulos de produtividade e todos ficaram bastante felizes. A prova disso é que em sua reeleição em 1997, até os jornais democratas ‘puro-sangue’ The New York Yimes e Newsday endossaram a candidatura de Rudy Giuliani contra a democrata  Ruth Messinger.

Enquanto Giuliani se preocupava com a recuperação da cidade e colhia os louros de seu trabalho, ao invés dos democratas revisarem suas políticas, admitirem que erraram e que aprenderam a lição com Giuliani, eles apenas reclamavam da política “excessivamente dura” do plano “Tolerância Zero” e exigiam a revisão desta política quando a mesma tinha a aprovação de mais de 85% dos habitantes da cidade.

Se um político insiste em lutar contra idéias defendidas por 85% da população, ainda mais idéias centrais para a vida atual da cidade como o “Tolerância Zero”, a única consequência que ele terá será a derrota em eleições sucessivas e foi exatamente isso que ocorreu em 1997 e 2001.

O Partido Republicano em 2001 indicou como candidato a sucessão de Giuliani o rico empresário Michael Bloomberg, dono do canal de TV especializado em economia de mesmo nome. Foi uma tacada de mestre porque ao mesmo tempo que o partido pode vender a continuidade dos planos de Giuliani, Bloomberg ainda tinha o atributo de ser um democrata histórico que apenas largou o partido no mesmo ano de 2001, justamente por perceber que não teria nenhuma chance de ser candidato pelo partido democrata apoiando uma continuidade.

Para sacramentar de vez a eleição, um mês antes do pleito ocorreu o atentado ao World Trade Center que guinou nacionalmente o eleitorado americano em favor dos republicanos. Dessa forma, Bloomberg se elegeu sem dificuldades. Após um bem avaliado primeiro mandato, a reeleição de Bloomberg foi natural e assim os democratas foram derrotados pela quarta vez consecutiva.

Por fim, após brigar com o partido Republicano e ficar sem partido, Bloomberg conseguiu uma mudança casuística na legislação municipal para permitir que ele pudesse tentar um terceiro mandato, campanha que ele se lançou mesmo sem partido.

Apesar de ser muito criticado por fazer essa mudança (ainda mais porque se desconfia que os meios utilizados envolveram algumas transferências monetárias para certas pessoas), Bloomberg conseguiu a vitória na eleição de 2009 por uma apertada margem de votos. Contribuiu para essa vitória o que eu chamo de “força da inércia”: a cidade ainda tinha em mente as desastrosas administrações democratas e preferiu continuar com o que estava dando certo há 8 anos.

Então finalmente semana retrasada, com uma nova geração de democratas comandando o partido na cidade e sem a presença de Bloomberg nas urnas, a vitória democrata ficou fácil.

Para contribuir, a população de New York se posicionou claramente contra a política recente de Bloomberg em relação a segurança pública do “stop and frisk”, que permitia a polícia a parar qualquer um na rua e fazer uma revista completa sem qualquer suspeita aparente. A cidade já está “pacificada” e tais excessos não são mais vistos como necessários.

Como o candidato democrata foi um dos maiores opositores a esta política, sendo um dos advogados responsáveis pela declaração da ilegalidade da lei do “stop and frisk” na justiça do estado, enquanto a posição do candidato republicano era a favor de levar a luta pela legalidade/constitucionalidade da lei até a Suprema Corte, a eleição terminou sendo uma lavada.

[N.do.E.: o curioso, e nisso sim vejo novidade, é que Bill de Blasio se assume como esquerda em um país onde mesmo o Partido Democrata não pode ser considerado exatamente como tal.]