Temos a estreia de uma nova coluna hoje. É a “Impressões Digitais”, assinada pelo advogado e compositor Alexandre Valle – que também assinará uma segunda coluna, a estrear sexta feira. No texto de estreia Valle discorre sobre o conceito de voto obrigatório e suas implicações. Seja bem vindo!

Democracia Adolescente

“O preço da liberdade é a eterna vigilância”

(Thomas Jefferson)

“Sabe o que é isso? Democracia demais!”… “Direitos Humanos… Pois sim… Tem que matar mesmo… Esse Amarildo era traficante e traficante tem mais é que ser fuzilado mesmo!”… E tem mais: Pra dar jeito nesse país, só fechando  o Congresso, essa pouca vergonha, e colocando os militares no Poder… “Bom mesmo era no tempo da ditadura!…”

Essas frases, infelizmente, resumem o pensamento de boa parte do povo brasileiro que, ainda cheio de espinhas e em plena puberdade política ainda não se deu conta de que vive uma Democracia Adolescente. Sim, digo e repito: Democracia Adolescente, até mesmo pelo fator cronológico. Enquanto outros países já convivem há muito tempo com aquele regime que Churchill definiria como “a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”, ainda somos – quase que – neófitos na matéria.

Creio que até assiste alguma razão a todos aqueles que não aceitam a coexistência da democracia com o malfadado voto obrigatório, até certo ponto, ressalve-se.

Sou radicalmente contra a obrigatoriedade do voto, bem como suas consequências legais para aqueles que não cumprem com tal “obrigação”, e penso, inclusive, que aquilo que se faz contra a vontade pode acabar sendo feito de forma displicente, negligente, irresponsável e inconsequente, até mesmo em função de o cidadão estar sendo coagido a fazer algo que não deseja. Raciocínio infantil daqueles que agem dessa forma?

Não generalizo, não desprezo a possibilidade, mas, em verdade, não me preocupo com que move, o que pensam ou, ainda, como qualificar aqueles que votam dessa forma. O que me preocupa, verdadeiramente, é o resultado desse voto compulsório, para toda a população. E assim segue o “Efeito-Tostines”: O Brasileiro vota mal porque não teve Educação ou não tem Educação porque vota mal?

Mais curioso ainda é observar certas análises que chegam à brilhante conclusão: “Se sendo obrigatório já tá ruim, imagine se o voto deixa de ser obrigatório?”

Com todo o respeito aos defensores dessa linha de pensamento, estou convencido de que, sendo facultativo, o voto seria mais qualificado por ter sido sufragado por aqueles que realmente desejam participar do processo político, da vida política do país, de forma consciente, livre e sem a espada da obrigatoriedade pairando sob suas cabeças. Diria até que, como corolário, os candidatos teriam uma preocupação a mais, ou seja, além de cativar o eleitor para fazer a opção por seu nome, teriam, antes, que motivar esse mesmo eleitor a votar.

Forte argumento favorável aos defensores do fim do voto obrigatório é o fato de que, dentre os 15 maiores PIBs do mundo (EUA, China, Japão, índia, Alemanha, Reino Unido, Rússia, França, Brasil, Itália, México, Coréia do Sul, Espanha, Canadá e Indonésia) somos o único país a adotar o sistema do voto obrigatório. Por essa razão, acho que fica clara a minha posição contrária à obrigatoriedade  do voto [1].

O que não posso concordar é com a conclusão – equivocada, a meu ver – daqueles que afirmam que, por não ser facultativo o voto não existe Democracia no Brasil. Aí, sinceramente, acho que o discurso deixa de ser sério e parte para o campo do exagero.

É claro que o País, o Governo, as oposições, as instituições como os Poderes constituídos, o sistema eleitoral, os partidos políticos, tudo isso, está recheado de imperfeições, assim como nossas caras espinhentas de adolescentes da Democracia, mas, é sempre bom lembrar que se elas existem, é exatamente em função da nossa condição de democratas adolescentes, se é que se recordam do início do texto.

Quem são os adolescentes? Não são aqueles se situam entre a terceira infância e a vida adulta, que possuem entre suas características a auto-afirmação e os intensos processos conflituosos? Não são aqueles que, ora dizem aos pais que ainda estão muito novos para certas práticas, ora alegam não serem mais crianças para outras? Não são aqueles que atravessam a fase de mudanças do corpo, dos pelos, da pele e, principalmente, de sua formação biopsicossocial?

Adolescentes, por vezes, sofrem da “dor do crescimento” (dor músculo-esquelética) que, segundo os ortopedistas, por vezes, se manifesta nos ossos e nas articulações, em virtude do rápido alargamento e crescimento dos membros. Crescer dói, mas é preciso crescer, evoluir, amadurecer.

Aristóteles já descrevia a natureza dos jovens como “imprevisível, impulsiva, apaixonada e com pouca capacidade para retardar a gratificação ou tolerar a crítica“. É exatamente esse, amigos, que entendo ser o processo de conquista da Democracia e o nosso momento. Bem similar à fase da adolescência, justamente por ser, ao mesmo tempo apaixonante e dolorosa e por alternar momentos de plena maturidade, com outros de profunda infantilidade.

Se por um lado somos elogiados mundialmente por nosso processo de apuração eleitoral eletrônica, com alta tecnologia, admirado até por países do chamado Primeiro Mundo, por outro, somos primatas na questão do voto  compulsório e ainda não conseguimos livrar a população do voto de cabresto, dos currais eleitorais e das práticas clientelistas.

Se temos uma elogiável constituição democrática e conseguimos o impeachment de um Presidente da República sem que isso causasse qualquer abalo às instituições democráticas ou ameaça de recaída autoritária, ainda existem saudosistas de regimes de força, regimes esses que defendem a volta do “Direito do Estado” para subjugar o “Estado de Direito” e sufocar qualquer voz que se levante contra sua tirania antidemocrática, ceifando a liberdade do cidadão em um violento atentado à natureza humana

A esses deixo uma reflexão: Qual o grande país do mundo que não tenha adotado a Democracia como regime e o Estado Democrático de Direito como fundamento maior? Perfeitos? Nunca serão… Nem os Países, nem as Democracias… Aliás, cá entre nós, assim como os adolescentes que vivem em constante contradição e mutação, qual de nós, adultos que, por vezes, não se contradiz na maior cara-de-pau ou não “paga um mico básico” de imaturo, de vez em quando?

Não… não será com regimes de força que seremos fortes e progressistas. Não será com o uso da violência na política e nas relações com a Sociedade que um Estado se fará respeitar diante de seus cidadãos e perante a comunidade internacional. As gerações que tanto lutaram para que hoje pudéssemos estar discutindo ideias, publicando pensamentos, divergindo de quem quer que seja, sem medo de tortura, censura, cassação de direitos políticos ou prisões ilegais não merecem que esse nosso “suor sagrado” seja manchado por esse “sangue amargo” .

Democracia e Vida têm quase tudo em comum. Quem tem, não quer perdê-las. Mas devem ser alimentadas, tratadas com carinho, respeitando e reconhecendo suas imperfeições, aperfeiçoando-as dentro de seu próprio tempo de crescimento e de sua caminhada e aproveitando tudo de bom que elas têm a nos proporcionar, até porque, se pararmos pra pensar seriamente no que fizemos, estamos fazendo e ainda faremos com as duas até hoje, sempre haveremos de reconhecer que não foi “tempo perdido”, até porque… “somos tão jovens”…

[N.do.E.: o fim do voto obrigatório pode, a meu ver, trazer um efeito reverso. Aumentar justamente a percentagem do “voto de cabresto”, dirigido por líderes em comunidades carentes – como milícias ou coisas do tipo, através de coerção. Ao mesmo tempo em que parcelas mais atuantes no processo político acabem por preferir a praia à cabine de votação, deixando o processo muito mais à mercê de poucas pessoas.]

2 Replies to “Impressões Digitais – “Democracia Adolescente””

  1. Bela coluna poeta, concordo em tudo, só tenho medo nessa democracia adolescente que temos o fim do voto obrigatório devido o voto de cabresto.

  2. Na Nação onde a melhor escola ainda é a de samba e o melhor técnico ainda é o de futebol, voto – com ou sem obrigação – ainda permanecerá latente, e indiferente, por muito tempo. Por toda adolescência.

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