Nesta quarta o colunista Rafael Rafic inicia uma série de duas colunas sobre as eleições americanas restritas da semana passada, sobre a qual me referi superficialmente na última semana.

Eleições Americanas – Parte 1

Terminando a série “pagamento de dívidas”, volto hoje a um assunto que esta coluna não aborda desde a reeleição de Obama: política americana.

Não esperem de mim um longo relato sobre a crise política que quase resultou em uma crise fiscal em relação à aprovação ou não do orçamento. Esse assunto, além já estar bastante debatido, ainda está longe de acabar. A solução encontrava foi paliativa e o problema apenas foi empurrado para o dia 7 de fevereiro. Podem esperar que do meio de janeiro em diante este assunto voltará a pauta e deverá ser o principal tema do “State of the Union”, o famoso discurso feito pelo presidente americano ao Congresso no início de cada ano.

Esse impasse não é apenas um impasse político-financeiro, mas é uma crise do sistema partidário americano, especialmente do Partido Republicano, que não está sabendo lidar bem com um movimento, o TEA Party, forte nas hostes partidárias mas que provoca uma resposta de repulsa de igual força no eleitorado independente – aquele que define as grandes eleições.

Por isso deixo para comentá-lo quando da nova crise. Até lá o cenário das eleições legislativas de 2014 (as “mid-term elections”) estará mais definido e poderei fazer a conexão dos dois fatos de forma mais precisa.

Quero aqui debater alguns resultados das eleições ocorridas no último dia 5 de novembro, já comentadas “en passant” pelo editor em seu primeiro post sobre a viagem a New York.

De modo geral, as eleições ocorridas em anos ímpares são bem menos badaladas porque não envolvem eleições gerais para cargos federais (seja de deputado, senador ou presidente) e sequer costumam envolver eleições para governadores de estado: elas costumam ser focadas nos cargos municipais.

Esse ano não foi diferente e apenas dois estados tiveram eleições para governador: New Jersey e Virginia. Porém foram duas eleições interessantes e que ajudaram a definir os novos tempos eleitorais americanos.

No caso da Virginia, que era um estado majoritariamente republicano, houve mais uma mostra que está havendo uma mudança no perfil do eleitorado estadual e que as vitórias de 2008 e 2012 de Obama não foram ocasionais. O estado, que era governado pelo republicano McDonnell, passou para a mão do democrata McAuliffe em uma vitória apertada contra o republicano Cuccinelli: 48% a 45,5%.

Agora, além de ter dado vitória ao candidato presidencial democrata nas duas últimas eleições e ter seus dois senadores democratas o estado também tem um governador democrata. Apesar de todas essas eleições terem sido ganhas de modo apertado, sempre o foram pelos mesmos 2,5% a 3% de diferença para o mesmo lado, o que indica uma estabilização dos resultados ao longo de 5 anos.

Dessa forma, podemos anunciar uma mudança no mapa eleitoral americano. Apaguem o vermelho-escuro sobre Virginia (indicativo de estado fortemente republicano) e pintem de azul-claro (indicativo de leve tendência democrata) com previsão de azul-escuro (indicativo de estado fortemente democrata) no longo prazo devido a mudança gradativa de eleitores democratas do nordeste americano para este estado.

Não ficaria surpreso se daqui a alguns anos o mesmo ocorrer com a Carolina do Norte, estado fronteiriço a Virginia. As previsões dos analistas políticos começam a se concretizar e os democratas vão aos poucos dominando o cenário político nacional.

Já a eleição de New Jersey, por outro lado representou um sopro de esperança aos republicanos com a reeleição de Chris Christie (foto) com avassaladores 60,4% contra apenas 38,1% da adversária democrata Barbara Buono. Não que isso represente que o estado altamente democrata de New Jersey (logo ao sul da cidade de New York) esteja tendo uma guinada rumo aos republicanos, longe disso. Os dois senadores são democratas e os democratas ganham no estado todas as eleições presidenciais desde 1992.

De fato, a vitória e a reeleição de Christie em um estado democrata é um fenômeno isolado e que condiz mais com o político em si e a situação de momento da administração estadual do que com qualquer mudança no comportamento eleitoral do estado. Tal fenômeno não é tão incomum, já tendo ocorrido em tempos recentes com o ex-prefeito de New York, Rudy Guiliani, o ex-governador de New York, George Pataki e o próprio adversário de Obama ano passado, Mitt Romney, ex-governador de Massachusetts.

O fato que importa na vitória de Christie é que ele mostrou aos republicanos a fórmula para ganhar votos de hispânicos, mulheres, independentes e pobres. Esses são quatro dos cinco grupos de eleitores com os quais os republicanos atualmente não tem conseguido se comunicar e por isso acumulando derrotas sucessivas em eleições chaves, inclusive algumas dadas como barbadas para os republicanos. Segundo as pesquisas de boca-de-urna, Christie ganhou em todos os grupos citados.

O quinto grupo é o dos negros, no qual ainda segundo a boca-de-urna, Christie também não conseguiu nenhum sucesso, perdendo de 21% a 78%. O que Christie mostra é que quanto mais radical se torna a posição nacional do Partido Republicano, mais ele se afasta do americano médio e independente e esse afastamento é fatal para qualquer pretensão de vitória em eleições importantes.

Com um governo clássico republicano, ou seja austero e eficiente, ele vem cativando o povo de New Jersey que lhe tem dado índices de aprovação recorde ao seu governo.

Ao mesmo tempo, por ser oriundo de um estado democrata, Christie mesmo sendo republicano não entra em polêmicas político-doutrinárias contra Obama como a reforma do sistema de saúde americano ou os gastos para a recuperação da economia, até porque concorda com a maioria dessas medidas. É o único político do partido que acena publicamente com pontes de comunicação com os democratas.

Quando da tragédia do Furacão Sandy que destruiu seu estado em 2012 faltando apenas uma semana para a eleição que daria o segundo mandato a Obama (aquele mesmo que causou fortes estragos em New York), o governador não deixou a política nacional influir no seu discurso e faz um discurso agradecendo Obama pessoalmente pelo seu empenho no socorro as vítimas de New Jersey e o pronto atendimento do governo federal dos recursos solicitados pelo estado para enfrentar a tragédia.

Tal fala deixou os republicanos irados porque apenas daria munição eleitoral a favor de Obama, que poderia usar a fala de Christie para fazer um contraponto à displicência dos republicanos com a tragédia de outro furação, o Katrina que arrasou New Orlelans em 2005.

Há o boato de que o Presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, o republicano John Boehner (que tem se mostrado um pífio negociador, refém dos radicais do TEA Party) ligou para Christie para admoestá-lo pela fala. Tendo isso ocorrido ou não, a verdade é que mesmo passado um ano da passagem do furação, sempre que pode Christie critica Boehner veementemente por não ter feito absolutamente nada para ajudar os esforços de resgate e posterior recuperação da área afetada pelo Sandy.

Por tudo isso, mesmo estando ainda 3 anos distante das eleições, Christie é tido como o principal candidato republicano a sucessão de Obama. Ele tem exatamente o perfil que o eleitorado independente pede de um candidato a presidente e ainda terá o trunfo de “roubar” os importantes 14 delegados de New Jersey das mãos dos democratas.

O problema é que antes de se lançar candidato nacional ele terá que enfrentar as primárias internas do Partido Republicano e toda a força do TEA Party que luta exatamente contra tudo aquilo que ele sempre defendeu.

Será muito interessante verificar nessas primárias qual será a posição política de Christie, já que ele terá duas possibilidades.

A primeira é repetir o que fez Romney em 2012 e este em busca de uma conciliação com o TEA Party rasgou sua vida política passada e mudou de opinião em diversas questões como o sistema de saúde e o aborto. O resultado é que Romney apesar de ter ganho facilmente as primárias, não conseguiu nem a adesão total do TEA Party nem conseguiu convencer o eleitorado americano que não perdoou essa mudança repentina de posição.

Se Christie repetir esse caminho a tendência é que ele se anule como candidato, mesmo se conseguir ganhar as prévias, e dê de bandeja mais um mandato para os democratas.

A segunda opção é tentar juntar todos os republicanos moderados (que não são poucos, mas tem sido constantemente calados na força pelo TEA Party) em torno de sua candidatura, o que na atual conjuntura não é difícil, e fazer uma guerra total contra o TEA Party. Ainda sim, os resultados da primária seriam incertos e mesmo em caso de vitória nas primárias, o partido entraria rachado na campanha eleitoral com reflexos na moral da militância.

Traduzindo em apenas uma frase: o TEA Party está deixando o Partido Republicano sem qualquer espaço para manobra nas próximas eleições presidenciais.

Amanhã comentarei sobre as eleições para a Prefeitura de New York e os motivos que levaram os democratas a demorar 20 anos para reassumir esse posto.

(Foto: Getty Imagens)

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