Nesta segunda feira, temos mais uma “Bissexta”, assinada pelo advogado Walter Monteiro. Hoje o artigo é sobre a estapafúrdia proposta de criação de diversos novos estados, que tramita em fase de aprovação no Congresso Nacional.
O vídeo acima, a propósito, foi feito pelo grande Gláuber Rocha por ocasião da primeira posse de José Sarney no governo estadual do Maranhão, em… 1966! Como o leitor poderá ver, Sarney não aprovou o vídeo…
Haja Imposto!
Está na moda a proposta de criação de novos estados. 
Se não errei na pesquisa que fiz, há doze projetos em tramitação no Congresso Nacional, sendo que dois deles já em estágio tão avançado que o plebiscito para dividir o estado do Pará e criar os estados de Carajás e Tapajós está marcado. 
Vou fingir que acredito nas boas intenções de quem faz essas proposições. Afinal, há um argumento irrefutável: como se tratam de regiões pouco prestigiadas pelos governos estaduais de hoje, a emancipação aqueceria a economia local ao criar um novo pólo econômico. 
O problema é o custo envolvido nessas operações. 
Cada novo estado elegerá três senadores e, no mínimo, oito deputados federais e vinte e quatro deputados estaduais. Dados da organização Transparência Brasil estimam que cada senador custa aos cofres públicos R$ 33 milhões anuais, cada deputado federal R$ 6,5 milhões e cada deputado estadual, no mínimo R$ 2 milhões, considerando todos os gastos envolvidos (pessoal, verbas em geral, etc). 
Portanto, só para criar um novo Legislativo, cada estado vai consumir R$ 200 milhões por ano. 
É preciso criar também um novo Judiciário. 
Um Tribunal de Justiça custa uns R$ 160 milhões por ano, a julgar pelos custos de Tocantins, o menor e mais novo estado brasileiro e que vai servir de paradigma para todos os exemplos desse texto. É obrigatória a criação de um novo Tribunal Regional Eleitoral, que custa cerca de R$ 50 milhões. Tem também o Tribunal de Contas, que formalmente não é órgão do Poder Judiciário, mas fica aqui nesse parágrafo para que ninguém se esqueça que são mais R$ 50 milhões. 
Depois vem o Executivo. 
Tocantins possui vinte e seis secretarias, sem contar, claro, a Procuradoria-Geral, a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros, a Controladoria Geral e vários outros órgãos necessários à administração. São, na verdade, mais de cinquenta órgãos da administração direta e indireta, como o site do governo estadual orgulhosamente informa. 
Somando tudo, o gasto do Poder Executivo de Tocantins, em 2009 superou os R$ 2,5 bilhões em 2009 e, se acrescentados o Legislativo e o Judiciário, foi de cerca de R$ 3 bilhões. E, o que é mais grave: uns 80% desse valor foi gasto com despesas de pessoal, para pagar os 56 mil funcionários públicos. Floriano, município piauiense que poderá ser a capital do futuro estado do Gurguéia, tem 57 mil habitantes. 
Claro que para abrigar toda essa gente (inclusive os que irão para Brasília acompanhando os novos deputados e senadores) há que se construir ou ao menos alugar e reformar novos prédios. 
Diante de tantos gastos novos, fica até difícil precisar quanto, de fato, custa criar um estado. Mas só pelos dados citados dá para concluir que não custa menos de R$ 3 bilhões ao ano, em uma perspectiva bastante conservadora. Uma quantia muito superior a atual arrecadação de impostos estaduais dessas regiões. 
Basta ver que o futuro estado do Alto Solimões tem um PIB de R$ 600 milhões, um potencial de arrecadação em torno dos R$ 100 milhões. Que coisa! 
Como fechar essa conta? Essa gente é louca? 
Claro que não, é só esperta em excesso. 
Poucos brasileiros se dão conta disso, mas 48% de tudo que o Governo Federal arrecada com o Imposto de Renda e o IPI é automaticamente transferido para os Estados e Municípios, as chamadas “transferências constitucionais”. Especificamente, 25% do total desta arrecadação vai para o chamado Fundo de Participação dos Estados – FPE. 
E esse fundo tem uma regra de distribuição bastante justa do ponto de vista de sua finalidade social, mas ao mesmo tempo completamente desigual em relação às proporções populacionais e sobretudo de arrecadação: 85% dos recursos do FPE são distribuídos para os estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Isso fez com que o Maranhão recebesse em junho passado mais de R$ 300 milhões, contra os R$ 42 milhões entregues para São Paulo. 
Nem vou entrar no mérito dessa forma de divisão do bolo, se é justa ou não. Mas é fato que os recursos do FPE representam a tábua de salvação de estados com baixo potencial de arrecadação. 
E, o que é ainda melhor, a criação do Maranhão do Sul não vai fazer com que o Maranhão atual fique com a metade do que arrecada. A cada estado novo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste é feita uma nova divisão: os estados atuais perdem apenas uma pequena fatia (e que talvez se compense com a redução da despesa que terão), os estados novos ficam com uma bela quantia para remunerar os milhares de novos empregos que criarão. Ficam todos felizes. 
Quando Tocantins foi criado ninguém deu muita bola, era só uma despesa a mais, passou despercebido. Mas agora, caramba, são doze estados novinhos em folha, dois deles já na marca do pênalti para serem instituídos de forma definitiva. Passará de R$ 36 bilhões a conta a ser paga – valor inclusive próximo ao total de recursos do FPE, que gira em torno de R$ 50 bilhões anuais. 
Sempre que eu digo que a sociedade brasileira tem a carga tributária adequada às demandas que formula, vem alguém brigar comigo dizendo que eu sou um tonto, um ingênuo e que se os políticos roubassem menos, os impostos seriam menores. 
Para quem acredita nessa simplificação, nada melhor do que o plebiscito de Carajás e Tapajós para desmenti-la. A proposta está na mesa, corre sérios riscos de vingar e estamos todos preocupados com firulas. 
O que deveria ser motivo de uma insurreição é tratado com absoluto descaso pela população brasileira, inclusive aquela elitizada e politizada. Não tem um parlamentar valente o suficiente para denunciar o descalabro, o assalto às contas públicas, a deslavada falta de ética de quem está por trás dessas propostas, que age assim em busca das benesses que os novos estados irão propiciar. Estão todos em obsequioso silêncio, para não se indisporem com a população envolvida no plebiscito. O tema só desperta oposição na política regional, por conta de disputas paroquiais, como se não dissesse respeito ao país inteiro. 
Depois que o Pará for fatiado, o Maranhão idem, o Piauí idem, o Mato Grosso, o Amazonas, a Bahia, etc., não venham reclamar da comissãozinha que um barnabé qualquer cobrou para aprovar um contrato. O que realmente desequilibra as contas são esses gastos constitucionais obrigatórios, inclusive porque são permanentes. 
Vamos jogar fora mais de US$ 20 bilhões de dólares por ano, só para agradar um punhado de caciques políticos. O PIB uruguaio, não custa lembrar, é de US$ 40 bilhões. 
Um Uruguai jogado no ralo a cada 2 anos! Haja imposto…