Vítor Monteiro, trinta e poucos, carioca. Um homem multitarefa: químico do Cenpes – o Centro de Pesquisas da Petrobras, sambista, presidente de ala e ainda participou do departamento de carnaval do império Serrano durante os anos da gestão Humberto Carneiro.

Muitos anos convivendo em listas de discussão pela internet e na empresa, com convergência de pensamentos, levaram-nos a uma profícua amizade. Vítor Monteiro é o entrevistado de hoje da coluna Jogo Misto.
1 – Muitas vezes falam do do Cenpes, Centro de Pesquisas da Petrobras, e as pessoas não sabem qual é exatamente o seu papel. Afinal de contas, qual é a missão do Centro de Pesquisas da Petrobras ? Em que consiste sua atuação ?
VM – O Cenpes é um elemento pouco conhecido pelo grande publico. No entanto seu papel é muito importante em algumas questões estratégicas. Foi do Cenpes que surgiram as tecnologias inéditas em todo o mundo que fizeram a Petrobras ser líder em águas profundas. É no Cenpes que estamos tratando os desafios do pré-sal, um cenário exploratório tão desafiador e desconhecido pela industria do petroleo como um dia foi a questão das águas profundas. 
O papel do Cenpes é resolver os gargalos tecnológicos do presente e antecipar os problemas que virão no futuro. No momento, por exemplo, muitos esforços são colocados na questão ambiental. A visão da empresa é que no futuro isso será tão importante quando a saúde financeira da companhia.
2 – Qual a influência do Cenpes no dia a dia do leitor?
VM – Muitas pessoas passam pela linha vermelha todo dia e avistam a torre doCcenpes com o simbolo verde e amarelo da empresa. Mas poucos sabem o que acontece ali. Ali são projetadas plataformas de petróleo, novos processos de refino, novas tecnologias visando aumentar a produção brasileira de gás – para citar alguns exemplos. São cinco mil pessoas entrando e saindo todos os dias do maior centro de pesquisas da América Latina. 
3 – Como você avalia a gestão atual das nossas escolas de samba?
VM – Acho o poder público omisso. Ele trata aquilo apenas como um grande espetaculo e isso está errado. Não é apenas show. É muito mais do que isso. Muita gente esta por trás daquilo. Esse conceito de “show” foi criado pelo Cesar Maia e ficou até hoje. 
O poder publico precisa estar mais presente. Fiscalizando as licitações do sambódromo e da Cidade do Samba, porque essas foram construídas com dinheiro público. Os gastos das escolas também precisam ser fiscalizados, quando as mesmas também recebem verba pública. 
E o julgamento, para mim o ponto chave de tudo, precisa ser isento e controlado por uma empresa de auditoria externa. Não é razoável que as próprias escolas julguem a si próprias. Já vimos muitas escolas ganharem títulos seguidos porque seu “patrono” era presidente da LIESA. 
As pessoas tem que escolher. Ou bem são jogadores ou bem são árbitros. Os árbitros não podem ser escolhidos pelos jogadores do jogo.
4 – De que forma você avalia a atuação da Liesa à frente do desfile de escolas de samba do Grupo Especial?
VM – A Liesa se cria em cima da incompetência do poder publico. É como uma privatização de uma rodovia. Quando essa rodovia era uma via pública vivia cheia de buracos. Isso deixava o caminho aberto para a privatização. Ninguém gosta de buracos na pista.
Daí vem a iniciativa privada e tapa os buracos enchendo a rodovia de pedágios e auferindo bons lucros. Nesse momento a opinião pública fica favorável à privatização. 
Fernando Henrique Cardoso fez isso: sucateou várias empresas públicas para poder ganhar apoio do povo na hora de vendê-las. É uma grande armação. A Liesa foi lá e tapou os buracos. Hoje o desfile é organizado e não tem atrasos. Eu não posso concordar com essa visão limitadora da maior festa popular do mundo. 
A Liesa propôs um carnaval formatado, hermético e pasteurizado. Há uma super valorização do visual, de alegorias e de teatralizações comandadas por corpos de balé ou de teatros profissionais. E o sambista, coitado, “sambou”, como previa o samba da São Clemente em 1990.
5 – O Império Serrano vive uma grande crise há quase vinte anos. Quais os motivos que levaram a este quadro, onde a escola está no Grupo de Acesso?
VM – Não concordo com esse tipo de visão. O Império tem uma crise de bons resultados segundo o julgamento da LIESA. Isso não significa que não tenha feito ótimos desfiles num passado bem recente. 
Em 2002, por exemplo, fizemos um ótimo desfile, todos acharam isso. Em 2004 arrebatamos a Sapucaí com uma catarse popular pouco vista nos 27 anos de Sambódromo. Em 2006 merecíamos estar no Desfile das Campeãs e ficamos em oitavo. 
Em 2009 ninguém dava o Império como rebaixado, mas ele foi o escolhido. São muitos resultados injustos em tão pouco tempo. É dificil lutar contra isso. Veja que eu citei quatro ótimos desfiles num intervalo de sete anos. Não parece bom? 
Pode parecer choro de torcedor de futebol, daqueles que gostam de culpar sempre o juiz pela derrota do seu time, mas pergunto aos leitores: em todos os anos citados acima o Império não foi, de fato, muito prejudicado? 
Se a gente tivesse ido pro desfile da campeãs em 2006 qual seria o futuro da escola? O presidente recém eleito teria ótima situação para trabalhar. O carnavalesco daquele ano teria ficado na escola. E se a escola não caísse em 2009? Talvez hoje sua pergunta seria outra. 
O problema é que a gente se baseia no resultados do julgamento oficial, claro, porque ele é único que existe. E nesse caso, de fato, o Império não vai bem. Para melhorar precisa ser comandado por pessoas que conheçam melhor como funcionam as coisas na LIESA, não basta fazer carnaval. 
6 – Qual a saída para a crise da escola?
 
VM – Acho que respondi acima.  Semana retrasada teve feijoada com show de Arlindo Cruz. A quadra estava repleta. Repleta é pouco. Estava tomada, beirando o insuportável. O calor era de matar e não havia uma molécula de oxigênio livre. Essa escola está em crise? 
Não adianta bater. O Império é que nem bolo, quanto mais bate mais cresce. É uma escola orgânica, viva, visceral e imortal. Outras escolas não resistem aos maus resultados. No Império isso não é a única questão.
7 – Em que consiste o trabalho de um Presidente de Ala? Quais as etapas do processo até a fantasia ser entregue ao desfilante? 
VM – Essa resposta acredito que vai me consumir um dia inteiro digitando…..risos…é brincadeira, claro, mas a verdade é que eu estou há sete anos nessa parada e tenho muito o que dizer. Muito mesmo. Vou tentar ser menos prolixo para a resposta caber no espaço adequado. 
A ala do Devotos pode dizer sem problemas que é uma ala comercial completamente diferente das demais. Pra começo de conversa, na nossa ala não basta entrar, pagar e desfilar. Não é assim que funciona. Se uma agência de turismo me telefonar agora querendo colocar 10 estrangeiros na ala eu não aceito. Nosso conceito primordial é ajudar o Império. É por esse motivo que a ala foi fundada em 2003 pela minha ex-mulher Inês Valença [N.doE.: na foto, com o entrevistado e o autor deste blog]. 
Para desfilar na nossa ala é fundamental participar do eventos da escola, ir aos ensaios, saber cantar o samba. Posso dizer que somos uma ala comercial, mas que mistura alguns elementos daquilo que chama de ala de comunidade.É por isso que quando nossa ala passa na avenida as pessoas percebem a diferença de qualidade do desfilante.
Isso é na verdade um ciclo virtuoso. Quem gosta de desfilar, quem gosta do Império, quem é do “metier”, quando descobre a ala dos Devotos não quer sair mais. Ninguém gosta de desfilar em ala cheia de gringos ou paraquedistas em geral. 
É por isso que a ala vive cheia e nunca tem problemas de falta de componentes. Todo mundo gosta de desfilar na Devotos. As pessoas se conhecem, se cumprimentam. Eu conheço todos os componentes pelo nome. Qual presidente de ala comercial pode dizer isso? 
Tem também o lance da grana. Na Devotos quem participa mais paga menos.Temos uma espécie de ranking de pontos. Ir nos ensaios, auxiliar na confecção da roupa (isso mesmo, fazemos mutirões para decorar as nossas próprias fantasias), pagar em dia, auxiliar no dia do desfile, trazer novos componentes, tudo isso gera “pontos” para a pessoa. Quem tem mais pontos paga menos. É um sistema tipo bolsa de estudos…risos…os bons alunos recebem incentivo porque é de nosso interesse que eles permaneçam na nossa ala. 
Uma coisa puxa a outra. As pessoas sabem que recebem desconto por participação. Daí chega no ensaio técnico enquanto tem ala comercial com 20, 30 pessoas (e algumas que nem aparecem para ensaiar). A nossa tem 80-90 pessoas. A ala passa animada e tal. Um amigo chama o outro, assim a ala vai crescendo. 
Muitas alas baixam os preços de fantasias encalhadas perto do carnaval. Quem desfila sabe disso. Então fica todo mundo fazendo esse jogo “contra” os pobres presidentes de ala. Na Ala dos Devotos nós conseguimos inverter essa regra. Quanto mais cedo a pessoa chega junto e começa a pagar, ela paga menos. Quem vem depois, paga mais subvencionando a fantasia dos “bens colocados no ranking”. Ninguém fica “jogando” com a gente esperando por encalhe de roupas porque isso nunca acontece. Nossa vagas costumam ser preenchidas perto do Natal e as vezes, como nesse ano, no meio de janeiro. 
A gente sempre entrega a fantasia no mesmo dia há sete anos. Isso é outra coisa importante. É sempre na quinta-feira que antecede ao carnaval. O Devoto paga sua mensalidade e sabe que na quinta-feira, faça frio ou faça sol, ele vai receber sua fantasia intacta e perfeita. Tomar calote de presidente de ala comercial é o fim da picada e acontece muito frequentemente, né? 
Sempre buscamos fazer a fantasia 100% dentro da proposta do carnavalesco. É aquilo que eu escrevi lá em cima. A ala foi fundada com esse único preceito: enaltecer e colaborar com a linda trajetória do nosso amado Império Serrano. Nunca tivemos e nem teremos ala em outra escola. 
Os dois parágrafos acima (entrega no prazo e qualidade no acabamento) me remetem ao nome de José Carlos Albernaz. Ele é meu sócio nessa parada desde a fundação. Sem ele seria impossível. A parte “pesada” da roupa é feita por ele. Ele entende muito de carnaval, de materiais e etc. Tudo que aprendi sobre fantasias de carnaval foi com o ele. 
Já falei sobre ciclo virtuoso, né? Quer ver outro exemplo? 
A ala tem uma enorme procura. Com isso a gente já sabe conhece os componentes com antecedência. Eles pagam com antecedência. Assim conseguimos comprar materiais mais baratos porque vamos às compras muito antes dos demais presidentes de ala e pagamos à vista, sempre recebendo bons descontos. Essa antecipação de componentes, além de gerar dinheiro ajuda na logística. 
A gente já sabe as medidas dos componentes com antecedência. Daí podemos mandar fazer os calçados sob medida, por exemplo. Cada componente recebe seu calçado na numeração correta e sem sobras. Já soube de alas que mandam fazer uma “grade” padrão de calçados e depois vão encaixando os componentes naqueles calçados já existentes. Isso acontece porque eles vendem fantasias faltando poucas semanas para o desfile. 
É claro que vai ter componente desfilando com o pé apertado né? Cá para nós: você voltaria a desfilar no ano seguinte numa ala que você desfilou e usou um sapato aprertado? Nem pensar….
Tem ala que passa por renovação de 80% dos seus componentes a cada ano. Os componentes desfilam e nunca mais voltam. Isso ocorre porque as alas não trabalham com foco no cliente. O cliente precisa ser cativado, cuidado. Nosso componente é tratado com respeito. Nossa taxa de renovação a cada carnaval é da ordem de 25%.
 
Tem mais um monte de coisas para escrever mas acho que essa resposta ficou longa demais. 
[N.do E.: desfilei na Ala dos Devotos em 2010 (foto acima) e embora esteja fora em 2011 por questões de logística, posso atestar a competência do trabalho desenvolvido pela ala. Recomendo]

8 – O que você pensa a respeito da literatura disponível sobre carnaval?
Confesso que não tenho muito interesse. Em termos de carnaval prefiro a prática do que a teoria. Tem muito teórico escrevendo um monte de bobagens sem nunca ter pisado na quadra do Arame de Ricardo. 
VM – Claro que não me refiro a todos. Mas não leio muito sobre carnaval. Tenho muito livros sobre o tema. Sempre ganho de presente, mas as vezes nem abro.
 
Veja só: 100% das musicas que ouço são sambas de enredo (o ano todo), acesso os sites especializados (inclusive o seu blog) todos os dias, tenhos DVD gravados com desfiles desde a década de 70, grupo de acesso e tudo mais. Se eu ficar preso em livros de carnaval também seria complicado… eu viraria o cara mais alienado do mundo! Leio muito, de outros assuntos, normalmente sobre politica, guerras, história em geral e biografias. 
 
9 – Um desfile inesquecível. Por quê? 
VM – Difícil dizer né? Foram tantos, vou citar então o primeiro que vi na vida ao vivo da Sapucai: Portela 1980. Imagina só, um menino de 8 anos vendo aquele mar de palhaços coloridos na avenida. Foi fascinante. De lá para cá nunca mais parei….rs
10 – Um livro inesquecível. Por quê ? 
VM – Vou citar dois bem diferentes, um em cada estilo – e ambos ótimos. ‘O amor nos tempos do cólera’, de Gabriel Garcia Marquez e “Noticias do Planalto” de Mário Sérgio Conti. 
Apesar de muito diferentes, cada um no seu estilo, ambos foram marcantes. Recentemente li a biografia Berzelius que deveria ser leitura obrigatória do curso de química, gostei muito. O penúltimo livro que li foi a Ditadura Escancarada do Gaspari. Agora fiquei com vontade de ler os demais livros da série. Tem também o 1968 do Zuenir Ventura. Excelente. Caramba…tô lembrando de vários agora… 
11 – Uma canção inesquecível. Por quê ? 
VM – Díficil é o Nome 2001 sobre o Norte Shopping….risos….
Sei lá Migão, que pergunta dificil. Esse lance de canção não rola. Só ouço samba enredo. Quando eu era criança escutava o LP na minha vitrola e sabia de cor todos os sambas do antigo grupo 1-A. Os discos de 80, 81 e 82 já devem ter tocado, cada um, umas 132 vezes na minha vitrolinha vermelha. 
Já adolescente incorporei o grupo 1-B que logo depois virou grupo I. Daí veio o grupo II e assim por diante. Lá pelos anos 90 a gente tinha uns 40 sambas novos a cada carnaval pra escutar. Atualmente com a internet entrei de cabeça na “praga” dos concorrentes. Baixo tudo pro meu micro e escuto tudo. Deve dar uns 500 samba por ano. Como saber qual é a canção inesquecível?
12- Livro ou filme ? Por quê? 
VM – Almoço ou jantar? Praia ou samba de noite? Não dá pra escolher. Quero os dois. Quero tudo. São prazeres diferentes. 
13 – Finalizando, com os agradecimentos do Ouro de Tolo, algumas poucas palavras sobre o blog ou seu autor/editor 
VM – Parabéns pelo blog. Aqui tem umas coisas muito chiques (politica internacional, comportamento e etc) e sempre com um texto muito bom. Pena que pintou essa entrevista esculhambada com esse tal de Vitor, que como diria o Cel. Nascimento, é um fanfarrão!

3 Replies to “Jogo Misto – Vítor Monteiro”

  1. Grandes Vitor e Migão,
    Ainda bem que vc, Vitor, não se deixou conquistar pelo desfile da Potela de 1980… E se tornou imperiano com “o vento trazia poeira, poeira de ouro, e transformava meu caminho em tesouro”. Se assim não fosse, nem teríamos nos conhecido (porque desfilar na Potela jamais) e não teria desfilado na ala dos Devotos e não teria ajudado o Império a subir novamente em 2008… Grande Ala e Grande Escola! Saudações verde-rosa! Abração Aloysio Felix

  2. Amei a entrevista! A paixão pelo Carnaval, especialmente pelo Império Serrano, é “marca registrada” do Vítor. Todos os que têm a felicidade de conviver com ele sabem disso. Eu, particularmente, acho maravilhoso. Qualquer atividade vivida com paixão tem um poder incomensurável. Principalmente, quando é paixão do bem.

  3. Bela entrevista. Que coisa boa! Esse é o Vitor, Imperiano de Fé, cara sério. Tenho prazer em ser componente da Ala dos Devotos presidida por ele junto com o Albernaz. Parabéns cara, estamos juntos. Ronaldo Martins

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