Domingo, dia de repercutir bons textos no Ouro de Tolo.
Hoje trago depoimento bastante interessante do jornalista Luiz Carlos Azenha em seu Viomundo. Ele explicita alguns dos problemas ocorridos no país vizinho e as relações do Comando Vermelho carioca e o Primeiro Comando da Capital paulista com os produtores de droga locais.
Vamos ao texto. O vídeo abaixo, que acompanha a matéria original, é estarrecedor. Vale a pena ver.
“Fiz algumas reportagens no Paraguai. Para a CartaCapital, fui visitar a base aérea de Mariscal Estigarribia, no Chaco, cuja existência foi noticiada como sendo parte de uma expansão militar dos Estados Unidos na região. É estranho, mesmo, encontrar um aeroporto daqueles no meio de um lugar quase deserto. Mas o fato é que não há tropas americanas lá. A base, para todos os efeitos, está desativada. Pousam apenas pequenos aviões, de gente que tem propriedades de terra na região.

O Chaco já foi disputado militarmente entre a Bolívia e o Paraguai. Mariscal foi uma espécie de “Brasília” do ditador Alfredo Stroessner. Uma das formas de garantir a soberania paraguaia naquela região, mais próxima da fronteira com a Bolívia do que de Assunção. O plano era de fazer infraestrutura para um futuro polo de desenvolvimento regional. Tornou-se um imenso elefante branco.

Voltei ao Paraguai para fazer uma reportagem sobre os barões da maconha, na região fronteiriça com o Brasil. O país é um dos grandes produtores mundiais. Foi o que atraiu Fernandinho Beira-Mar à região. O traficante carioca foi o primeiro a calcular que, se controlasse as duas pontas do negócio, teria lucros maiores. Baixaria o custo de produção da maconha e, controlando a ponta das vendas especialmente no Rio de Janeiro, teria o monopólio do negócio. Isso está na origem da matança que se seguiu à disputa pelo controle da produção em Capitán Bado, onde Beira-Mar eliminou a concorrência dos irmãos Morel. Uma disputa comercial resolvida à bala.

O PCC, baseado em São Paulo, e o Comando Vermelho carioca “dividiram” a região. O PCC atua mais na área de Ponta Porã (do lado paraguaio, Pedro Juan Caballero). O CV, na região de Capitán Bado. Porém, esse é um processo bastante dinâmico, dada a “alta rotatividade” dos executivos do tráfico, e às alianças locais, inclusive com autoridades, que se fazem e desfazem. Com o avanço da soja sobre o Paraguai, no entanto, a produção está ameaçada. A soja, produzida especialmente mas não apenas por fazendeiros brasileiros, provoca devastação ambiental, deslocamento de populações locais e… a pressão sobre as terras onde se planta maconha. A produção está migrando aos poucos para o sul, onde há menos policiamento e mais terras desocupadas.

Tendo como base as cadeias paulistas, o PCC é hoje um “partido” internacional, que expande seus negócios em direção ao Paraguai e à Bolívia. Contaminou as instituições, no Brasil e fora dele.

Há quem acredite em um nexo entre o crime organizado e as atividades do Exército Popular Paraguaio, que levou o presidente Fernando Lugo a decretar estado de emergência em regiões fronteiriças com o Brasil. Ah, sim, também há quem diga que o EPP recebe apoio das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC.

Aqui eu entro no campo da opinião, pois não disponho de dados factuais sobre essas relações. Vi a expansão da soja no Paraguai. Testemunhei o ressentimento de paraguaios com a invasão brasileira. Se no Brasil a legislação ambiental não é respeitada, imaginem num país institucionalmente frágil como o Paraguai. Isso criou uma grande demanda por mudanças, da qual resultou o governo Lugo. E uma fração dos movimentos sociais, aparentemente, partiu para a luta armada, frustrada com o ritmo das mudanças. Lugo se equilibra sobre uma aliança frágil. Aparentemente, deu ao exército e à polícia liberdade para “pacificar” a região sojeira, onde o ressentimento com as condições materiais de vida é aguçado ainda mais pela presença ostensiva de brasiguaios bem sucedidos.

O que testemunhamos aqui é a expansão de grandes grupos econômicos, voltados para a exploração de recursos naturais e a exportação de água e comida, especialmente para atender ao mercado da China. E a fricção dos interesses deles com os interesses das populações locais, que tentam arrancar uma fatia desse bolo. Jogar o PCC e as FARC nessa mistura é politicamente conveniente para aqueles que acham que a questão social é um caso de polícia.

PS: O produtor Gustavo Costa, com o qual viajei para fazer a série que foi ao ar no Jornal da Record, entrevistou o senador paraguaio Roberto Acevedo no curso de uma investigação sobre as conexões do tráfico de cocaína na rota Bolívia-Paraguai-Brasil. Dias depois, o senador sofreu um atentado. Gustavo viu o esquema de segurança de Acevedo e esteve com os dois funcionários dele que foram assassinados. O material vai ao ar no próximo Domingo Espetacular.”