Uma vez havia um cachorro. Destes de rua, vira-latas.
Comia as latas de lixo que revirava. Vagava pelas ruas, assombração terrena neste mundo cão. Sobrevivia.
Seu sonho era ganhar um afago, um carinho. Andava, latia docemente, buscava agradar e fazer agrados, abanava o rabinho. Mas sempre era tratado a paulada por aqueles a quem tentava se aproximar. Sofria.
Caminhava pelas ruas, olhar dócil e ao mesmo tempo de tristeza infinita. Tentava, se esforçava para tal, andava e olhava e sentia. 
Quando olhavam para ele, sempre buscavam a imprecação: “sai daí ! Some! Vou te dar chumbinho!” Mal sabiam que a solidão e a carência eram piores que qualquer veneno que o matasse fisicamente.
Um dia, após muito caminhar pela vida de cão, recolheu-se ao banco de praça que lhe servia de abrigo. Perto dele havia uma bela morena moça, fazendo seu exercício cotidiano.
Para nosso cão nada parecia que seria diferente.
Entretanto, a morena moça olhou para o cachorrinho. Contemplou-o. Viu que atrás de um cachorro de rua havia um coração entristecido e endurecido pelas pauladas nossas de cada dia. Contudo, naquele olhar canil percebeu um coração pronto para se conquistar e oferecer um prêmio majestoso.
A moça o chamou. Nosso cão olhou, desconfiado. Afinal de contas, quantas pauladas recebera ?
Mas ela o chamou de novo, com uma doçura na voz que derreteu o gelo do canino coração. O vira-lata se permitiu um rasgo de esperança e atendeu ao apelo.
Como recompensa, pela primeira vez em sua “vida de cão” ganhou um afago e palavras doces. A moça o pegou no colo e, a partir dali, tudo seria diferente.
Ganhou veterinário, uma cama, um lar. Acima de tudo, pôde amar e ser correspondido pela jovem.
Esta, solitária e triste, descobriu uma razão de viver naquele cãozinho fiel, dulcíssimo e sempre com um sorriso à espera de sua menina. O amor sempre vence.
A moça e seu cão foram felizes para sempre.