Obs: para uma explicação do procedimento das prévias americanas e de alguns termos técnicos usados nesta coluna, leia a coluna explicativa.

Há um ditado na política americana de que “quando o eleitor quer mostrar que uma disputa pela indicação acabou, ele dá o recado por um resultado anormal sempre a favor de quem já está à frente”. Foi exatamente o que vimos nesta semana na primária democrata. Os resultados nos três estados que votaram foram tão desproporcionalmente favoráveis a Biden que, em apenas um dia, ele dobrou a diferença na corrida de delegados construída nos outros 23 estados anteriores.

Especialmente na Florida, quarta maior fonte de delegados em todo país, a diferença foi de absurdos 40%: 62% a 23% com direito a vitória de ponta a ponta no estado. Ao final, pelas projeções do The Green Papers, só a Florida deu a Biden 101 delegados a mais em relação a Sanders. Uma diferença de 3 dígitos em apenas um estado numa disputa real não era vista desde 2004, quando o já franco favorito John Kerry a obteve em New York na Super-terça contra John Edwards.

Mesmo considerando o cenário adverso para Sanders no estado, como relatado na coluna da semana passada, a Florida é um estado diverso e que indicou como candidato a governador há apenas 2 anos atrás um político do grupo de Sanders. Não era para Sanders ter uma performance tão ruim. Pelo menos 30% era perfeitamente possível, tal como há 4 anos atrás ele conseguiu 33%.

Depois, em Illinois, sexto maior estado em delegados, outra vitória retumbante de Biden: 59% a 36%. Mesmo também sendo outro estado não muito prolífico para Sanders, na teoria não era ele perder por mais de 20%, no máximo uns 15%. Porém as urnas marcaram nada menos que 23%. Pior, não houve sequer uma divisão territorial.

Em 2016, quando ele perdeu apertado para Clinton por 50% a 48%, ainda ganhou com folga em várias cidades médias e pequenas no interior do estado, só perdendo na soma final por causa dos votos da metrópole Chicago. Desta vez ele apenas ganhou um mísero condado e por meros 3%. O resto do estado inteiro foi para Biden.

Por fim, nem mesmo o Arizona com sua grande população latina de origem mexicana que tanto ajudou Sanders nas vizinhas California e Nevada, o salvaram de outra forte derrota. O Arizona é mais um estado no qual o voto por correio é muito popular e por isso a apuração final ainda deverá demorar mais 1 ou 2 semanas. Mas atualmente com uma estimativa de 88% dos votos contados, Biden lidera por mais de 10%: 43% a 31%.

A pancada só não foi ainda maior porque o governador de Ohio, com 136 delegados, resolveu cancelar a primária que também seria realizada nessa terça na noite de segunda feira por causa da Pandemia de COVID 19. Aliás, foi uma decisão polêmica, pois ele afrontou uma decisão judicial tomada minutos antes garantindo a realização das primárias na data marcada. Para sorte do Governador e de todo o sistema americano de divisão de poderes, a Suprema Corte Estadual na mesma madrugada cassou a decisão e “legalizou” a suspensão das primárias ordenada.

Volto a pergunta da semana passada: se Sanders não consegue ganhar sequer no Arizona e em Washinington, onde Biden virou e até abriu um pouco ao fim da apuração, ganhará onde? A diferença de delegados já está em 300 e não tem mais estado forte para Sanders restando na programação.

Para piorar, as campanhas tanto de Sanders como de Biden cancelaram todos os eventos nas próximas 3 semanas por causa da pandemia. Assim como os candidatos, os estados estão entrando em uma corrida para adiar suas primárias para evitar grandes aglomerações de pessoas próximas umas a outras nos locais de votação. Fora os que já adiaram e os que apenas estão cumprindo as últimas formalidades para adiar, até o dia 28 de abril só deveremos ter primárias em 3 estados que votam quase que exclusivamente por correio: Hawaii, Alaska e Wyoming.

Porém são 3 estados pequenos que somados tem apenas 53 delegados. Ou seja, mesmo que Sanders ganhe, não fará nenhuma diferença, mesmo que sejam vitórias com mais de 50% de diferença. Além disso, tendo em vista a situação da disputa nas últimas duas semanas, é inimaginável uma distância dessas a favor de Sanders.

Por tudo isso, a pressão de todos os lados para Sanders abandonar logo a disputa é gigantesca. Seja do próprio comando do Partido Democrata, seja da imprensa, seja dos colegas congressistas. Afinal, o momento é de juntar energias para combater a pandemia, que nos EUA está se alastrando em velocidade superior a vista nos primeiros dias na Europa.

Para dificultar ainda mais a situação de Sanders, ele não está conseguindo vitórias interessantes ou derrotas apertadas em estados importantes, como ele conseguiu prolificamente há 4 anos. Pelo contrário, a tendência em todos os nove estados que votaram nessas duas últimas terças foi uma perda considerável de terreno em relação aos resultados de 2016.

Por todo exposto, até o próprio Sanders já admite que está “avaliando o estado de sua candidatura” nesse tempo sem prévias, mas ainda nega qualquer pensamento de desistência. Mas o tom já demonstra uma mudança de retórica em relação a disputa passada quando ele manteve o tempo inteiro o discurso enfático que se manteria na disputa até o último estado, que aliás era a California.

Em virtude da insegurança em relação a eventuais adiamentos e remarcações por causa da pandemia, hoje a coluna não terá a parte final das “próximas prévias”, pois é impossível sabê-las nesse momento. Porém é certo afirmar que, salvo algum fato completamente surpreendente do tipo “Biden pega COVID 19 e está internado em estado grave”, o candidato já está escolhido. Sendo assim, a coluna fará uma pausa e só deverá retornar após o dia 28 de abril. Nesse dia estão marcadas todas as prévias dos estados do nordeste, incluindo os mamutes New York e Pennsylvania. Serão nada menos que 663 delegados disponíveis, no que será a maior distribuição concentrada da temporada após a Super-terça de duas semanas atrás. De hoje até esse dia só são esperadas as alocações dos míseros 53 delegados supracitados.

Finalizo esta coluna com a fala de David Axelrod, estrategista chefe das campanhas de Obama, dita na madrugada de quarta na CNN: “Isso está acabado. Está acabado. A disputa acabou nesta noite.”. Não há melhor resumo.

Contagem de delegados

Biden – 1192 delegados

Sanders – 893 delegados

Bloomberg – 75 delegados (desistiu)

Warren – 66 delegados (desistiu)

Buttigieg – 27 delegados (desistiu)

Klobuchar – 7 delegados (desistiu)

Número mágico: 1990 delegados

Fonte: The Green Papers