Depois do rebaixamento de quatro escolas, o desfile do primeiro grupo do Carnaval de 1979 teria apenas oito escolas. Convenhamos, um número bastante baixo, o que prometia resultar no desfile de menor duração da história no total.

O julgamento não teve alterações, mas pelo menos uma medida agradou: as escolas teriam 85 minutos de desfile, dez a mais do que em 1978, de forma a permitir uma evolução menos apressada.

Mais uma vez, o que se dizia na fase pré-carnavalesca era que seria uma batalha de todos contra a Beija-Flor. Afinal, sobravam organização e recursos para a escola da Baixada, que ainda tinha o pentacampeão Joãozinho Trinta, o diretor de Harmonia Laíla, o casal Élcio PV e Juju Maravilha, e Neguinho da Beija-Flor. Faltava, no entanto, o figurinista Viriato Ferreira, que foi para a Portela.

Pois bem, a Beija-Flor tentaria o tetracampeonato com um típico delírio de João 30, exaltando o sonho da alegria carnavalesca na luta contra as agruras da realidade do dia a dia numa visão surrealista. Restava saber o quão a ausência de Viriato na confecção das fantasias atrapalharia.

Viriato, diga-se de passagem, escolheu um tema bem parecido em relação à Beija-Flor, e o samba-enredo escolhido de David Corrêa, Tião Nascimento e J.Rodrigues prenunciava um grande desfile.

Vice em 1978, a Mangueira levaria para a avenida a história do cacau, mas com um samba que gerou críticas pesadas… Já a Mocidade Independente de Arlindo Rodrigues buscaria seu primeiro título com o enredo “O Descobrimento do Brasil”, uma releitura de um enredo do próprio Arlindo pelo Salgueiro em 1962.

A União da Ilha teria como enredo os bastidores de uma escola de samba e do Carnaval, com mais um samba-enredo de primeira. Sem Fernando Pamplona, o Salgueiro faria um enredo que alertava para a destruição da natureza. Completavam o Grupo 1A a Unidos de São Carlos, que contaria as lendas dos índios karajás e a Imperatriz Leopoldinense, com enredo sobre o culto a Oxumaré.

OS DESFILES

De volta à elite, a Imperatriz teve uma apresentação bastante irregular para abrir os desfiles com o enredo “Oxumaré, a lenda do Arco-Íris” – o Migão já escreveu sobre este desfile. Diga-se, o orixá é o que preside o bom tempo e na África o arco-íris é considerado a serpente que bebe o céu e come a própria cauda, o que representa eternidade e continuidade.

Para passar essa mensagem otimista, a escola tinha um bom samba-enredo cantado pelo estreante Dominguinhos, mas esbarrou na tentativa de ser grandiosa com poucos recursos – o jornalista Mário Barcellos foi quem desenvolveu o enredo.

As alegorias de mão, por exemplo, além de não terem grande efeito, atrapalhavam a evolução dos componentes.

A comissão de frente representava o fascínio dos príncipes africanos, enquanto o abre-alas tinha mulatas fantasiadas com diversas cores para representar o arco-íris. Algumas alas representavam o sol e a chuva.

A ala das baianas estava bonita e simbolizava as iaôs, filhas de santo. Outra alegoria representou o próprio Oxumaré e o último carro foi o da taça da fortuna, entornando dinheiro.

Houve um claro equívoco em relação à bateria, que ficou parada no box por menos tempo do que o normal e com isso as últimas alas não cantaram corretamente o samba, ocasionando um atravessamento. Além disso, houve correria nas últimas alas e a evolução foi esburacada.

A apresentação da Unidos de São Carlos também acabou deixando a desejar. Segundo a lenda abordada pelo enredo, os índios karajás viviam embaixo da terra e tinham vida eterna, mas um dia um chefe ouviu o canto de uma siriema e descobriu a vida do lado de fora. Lá, depois de uma batalha em que o índio derrotou o urubu-rei, o vencedor ordenou que a ave usasse suas penas para criar a lua, as estrelas e o sol. Confuso, não?

Pois bem, o samba-enredo, com muitos termos relacionados aos índios karajás, não caiu no gosto do público, mas até que foi cantado com garra pelos componentes ao som da grande Elza Soares, intérprete oficial.

Só que a falta de recursos ficou patente, com alegorias modestas e fantasias sem grande impacto e acabamento. O grande destaque foi a bateria, que venceria o prêmio do Estandarte de Ouro, de “O Globo”.

Com problemas de evolução, a São Carlos terminou seu desfile com risco de rebaixamento, mesmo com apenas uma escola caindo.

Com uma comissão de frente sem Cartola, que se recusou a desfilar por causa da imposição da cronometragem (“Isso não é Carnaval, mas sim parada militar”). a Mangueira começou dando pinta de que faria uma bela apresentação, mas alguns problemas deixaram o sonho do título mais distante. O enredo “Avatar, e a selva transformou-se em ouro” contaria a história do cacau e sua importância cultural, política e econômica.

Segundo a metáfora do enredo desenvolvido pelo vitorioso carnavalesco Júlio Matos, o cacau seria o ouro surgindo na selva, já que na época da colheita o verde das plantações dava lugar ao dourado dos frutos.

Seriam abordados todos os processos desde a colheita até o produto final, o nosso chocolate. Para isso, a escola começou seu desfile falando do imperador Montezuma, que no México recebia sementes de cacau como moeda de troca. Em seguida, foi mostrado o começo do cultivo do cacau no Brasil no século XVII e o desenvolvimento da indústria. A Mangueira também mostrou a influência francesa nas plantações de cacau no Brasil.

Naquela época, dizia-se que para vencer a Beija-Flor era preciso demonstrar a mesma grandiosidade e poderio visual, já que as tradicionais agremiações se garantiriam no samba no pé. Pois bem, a Mangueira tentou crescer verticalmente e acabou se enrolando.

A escola nunca havia apresentado alegorias tão grandes e isso acabou pesando a escola, embora o acabamento até estivesse superior a 1978, com destaque para o carro que representava a riqueza do cacau. Aliás, foram utilizados muitos elementos dourados e prateados e pouco verde e rosa, o que, para os críticos, descaracterizou a escola.

Para piorar, o samba-enredo era considerado pavoroso e o famigerado refrão “Tem mulata, pessoal / Na colheita do cacau” era repetido no começo e no meio da letra, o que cansou o público e atrapalhou a harmonia.

De qualquer forma, não faltaram aplausos a Nelson Cavaquinho e Carlos Cachaça na comissão de frente, ao casal Neide/Delegado e à bateria de mestre Waldomiro. Mas fato é que o pique inicial do desfile foi se perdendo e houve atravessamento do samba na parte final, sem contar os buracos nas últimas alas. Pena, porque o enredo foi bem dividido.

“A Mangueira é sempre melhor quando se identifica com ela mesma. Se quiser acompanhar, por exemplo, a Beija-Flor, entra pelo cano”, resumiu Sérgio Cabral, o pai, no debate do Estandarte de Ouro.

Se o desfile da Mangueira foi pesado, o da União da Ilha, quarta a desfilar, foi leve como uma pluma. Antes do Carnaval de 1979, a carnavalesca Maria Augusta deixou a Tricolor após divergências com a diretoria na disputa de samba, sendo substituída por Adalberto Sampaio. Mas as características da escola dos anos anteriores foram mantidas.

Na bonita homenagem aos antigos desfiles, às escolas de samba e ao papel dos componentes no Carnaval, as fantasias apresentadas eram de muito bom gosto e a escola optou por não utilizar alegorias de mão, o que favoreceu a evolução dos desfilantes.

Causaram excelente impressão as alas com pierrots e colombinas e outra com bolas de gás. A comissão de frente formada por homens fantasiados de Clóvis coloridos também agradaram. Mesmo sem pesado investimento, as fantasias tinham excelente leitura.

Alguns desfiles históricos foram lembrados, como “Debret” (Salgueiro, 1962), “Barra de Ouro, Barra de Rio e Barra de Saia” (Imperatriz, 1971), “Macunaíma” (Portela, 1975) e “Menininha do Gantois” (Mocidade, 1976), e o carnavalesco acertou ao colocar estandartes de várias agremiações ao redor das alas para homenageá-las.

O mestre Didi assinou mais um lindo samba, desta vez em parceria com o cantor Aroldo Melodia. No desfile, tanto os componentes como o povão cantaram com vontade e a bateria, que tinha o ex-jogador Brito (campeão do mundo em 1970), arriscou convenções mais ousadas e até paradinhas no melhor estilo Mocidade.

Apenas no fim a Ilha teve problemas de evolução, mas até aquele momento a Tricolor havia superado com tranquilidade as três escolas que a antecederam, a ponto de o público gritar “já ganhou” na dispersão.

Em crise aguda devido a disputas internas na área política, o Salgueiro se recuperou em relação ao caótico desfile de 1978, mas ainda assim faltou aquele algo mais ao defender o enredo “O Reino Encantado da Mãe Natureza Contra o Rei do Mal”.

O primeiro enredo com temática ecológica no Carnaval do Rio era dividido em quatro partes: “A Mãe Natureza”, “O Mal, “A Guerra” e “O Ressurgimento da Natureza Violentada pelo Mal”. A ideia dos carnavalescos Edmundo Braga, Paulino Espírito Santo e Stössel Cândido era mostrar os ataques que a natureza vinha sofrendo e que era possível evitar a destruição que se avizinhava.

O começo da escola tinha muito dourado e prata, algum vermelho e branco da escola e menos verde do que se esperava. O branco representava a natureza, enquanto o vermelho, o mal, numa divisão cromática que deu boa visão geral de conjunto e ajudou na compreensão do enredo.

Mesmo com o Salgueiro gastando estimados Cr$ 2 milhões, um orçamento bem inferior ao da tricampeã Beija-Flor, por exemplo, os carros tiveram bom efeito. Os carnavalescos colocaram alegorias de mão nas laterais das alas com cisnes brancos, o que também funcionou. Havia ainda pequenos tripés representando animais como elefantes.

Só que apesar da sempre correta atuação do cantor Rico Medeiros, o samba-enredo não empolgou o público, mesmo tendo boa melodia. Isso porque a segunda parte da letra tinha versos como “Poluindo nossa terra / Aniquilando o que Deus abençoou / E quem sofre é a Nação / Nesta batalha / Onde não há vencedor”. Embora adequado ao enredo, o trecho transparecia melancolia – curiosamente o autor era o grande Bala, conhecido por sambas alegres.

Com isso, a evolução não foi das mais vibrantes, embora o Salgueiro não tenha deixado buracos entre as alas. De qualquer forma, o ponto alto da apresentação do Salgueiro foi sem dúvida a extraordinária bateria de Mestre Louro, bastante cadenciada e com desenhos de tamborim precisos.

Sexta escola a desfilar, a Mocidade Independente de Padre Miguel confirmou as expectativas de um grande desfile e se credenciou com força a brigar pelo sonhado primeiro título. Muito antes das reedições dos anos 2000, o saudoso carnavalesco Arlindo Rodrigues fez algo nessa linha em 1979, pois já havia desenvolvido o enredo “O Descobrimento do Brasil” no Salgueiro, em 1962, mas repetiu a dose com extrema categoria em Padre Miguel.

O enredo misturava lendas e realidade, e era dividido de forma bastante clara. Começava pela saída da expedição dos portugueses rumo às Índias. Depois, a calmaria e a atuação de Netuno, o deus do Mar, para levar os navegantes rumo às novas terras que seriam descobertas.

No abre-alas, a rosa dos ventos prenunciava o espetáculo que se seguiria com uma ala das baianas lindamente vestida em branco e prata, e com caravelas nos chapéus. Também agradaram bastante os figurinos dos navegadores portugueses da famosa Escola de Sagres.

Tripés com grandes inscrições faziam a divisão do enredo em Portugal, Mar, Índia e a chegada dos desbravadores ao Brasil. As alegorias de mão tiveram ótimo funcionamento, pois complementavam o visual sem atrapalhar os componentes ou pesar as alas.

O carro que mais agradou era o que representava o Mar, com diversos cavalos marinhos a ladear uma embarcação. Do meio para o fim do desfile, o verde da Mocidade começou a aparecer mais, mostrando a natureza do Brasil. A alegoria que fechava o desfile representava a fauna e flora brasileira com muita beleza.

O samba-enredo dos grandes compositores Tôco e Djalma Crill, embora não fosse o melhor do Carnaval de 1979, era inegavelmente bonito e contava perfeitamente a proposta do enredo. Com a precisa e cadenciada bateria de Mestre André, a harmonia da Mocidade se mostrou impecável.

Não houve descompassos marcantes na evolução e a Mocidade Independente deixou a pista com a certeza de ter feito uma excelente apresentação.

Melhor ainda fez a Portela, penúltima escola a entrar na avenida. O enredo “Incrível, Fantástico, Extraordinário”, idealizado e desenvolvido por Viriato Ferreira, emocionou a Sapucaí e credenciou a Azul e Branco de Madureira e conseguir mais uma estrela para o seu já recheado panteão de glórias.

A entrada da escola foi simplesmente apoteótica, com gritos de “já ganhou” antes mesmo de a águia branca – desta vez com as asas fechadas e feita em isopor – começar a evoluir.

Outra mudança, que até gerou polêmica antes do Carnaval, foi a decisão de Viriato de não colocar a Velha Guarda na comissão de frente, mas sim Reis Momos vestindo dourado e branco. Por mais que tenha sido uma tradição quebrada, funcionou bem na pista.

No começo, diga-se de passagem, não havia muito azul, e sim branco, nas alegorias e figurinos. Estes, aliás, foram o ponto forte da Portela e do próprio Carnaval de 79 nos quesitos plásticos – os inesquecíveis Vilma e Benício (foto abaixo) vieram com um figurino em azul e branco de extremo bom gosto sem estar pesado. O carnavalesco, talvez num recado a Joãozinho Trinta, quase não usou alegorias de mão, permitindo aos componentes uma evolução, de fato, leve.

Falando em leveza, o sambaço, puxado pelo próprio autor David Corrêa, foi cantado de ponta a ponta pela escola e pelo público, o que fez até Paulinho da Viola, ainda brigado com a direção da Portela, chorar durante o desfile. Só que a invasão de pista foi tanta, que no momento em que a bateria estava no box, o carro de som ficou estacionado de uma forma em que havia pouquíssimo espaço para componentes e alegorias passarem.

A bateria do Mestre Cinco, que sempre se caracterizou por passar “reta” numa época em que apenas a Mocidade tinha nas paradinhas sua marca registrada, desta vez apresentou bossas interessantes, como no verso “O carioca tem o “quê / Sabe amar e viver /  Ao dançar no salão ou no cordão”.

O enredo começou por um setor dedicado aos ranchos, depois passou pelo frevo em alas multicoloridas, os bailes de gala e as grandes sociedades em tons de azul, as escolas de samba em tons claros, e terminando com um bloco de sujos.

A mensagem do enredo, de que era possível superar as dificuldades do dia a dia e fazer uma festa considerada o maior espetáculo da Terra, foi transmitida no alvorecer de forma incrível, fantástica e extraordinária!

Em busca do tetracampeonato, a Beija-Flor fez mais um desfile de extrema riqueza e luxo, mas desta vez sofreu críticas pesadas pelos excessos. Joãozinho Trinta desenvolveu o enredo “O Paraíso da Loucura”, cuja temática era semelhante à da Portela, mas associando-a ao quadro surrealista “Jardim das Delícias”, de Hieronymus Bosch.

No gigantesco (para a época, claro) abre-alas, os chuveiros da ilusão traziam os destaques Jésus Henrique e Pinah, além de um sem-número de mulatas. As alegorias, embora bem acabadas, não chamaram tanto a atenção, exceto ao carro da nave, que tinha muitas crianças e luzes numa lembrança ao Ano Internacional das crianças.

Mas o problema maior é que, sem Viriato Ferreira, as fantasias da Beija-Flor ficaram grandes e pesadas, com chapéus enormes e muitos adereços de mão, o que claramente atrapalhou a evolução dos desfilantes. Como o samba também não era a “pedrada” do ano anterior, os componentes passaram sem empolgação. A divisão cromática também se mostrou pesada, com tons fortes de amarelo, ouro e até marrom unidos ao azul e branco da escola.

Talvez para dar vazão aos estimados 3 mil componentes, a bateria tenha adotado um andamento mais rápido e as alas desfilaram tão compactas, mas tão compactas, que tinham dificuldade para evoluir. Houve até uma briga entre os diretores da escola no meio da pista. O público desta vez não perdoou e vaiou boa parte da passagem da escola.

Os jurados da TV Globo também não assimilaram a proposta surrealista da Beija-Flor e a colocaram numa distante sétima colocação na classificação liderada pela Portela – e, pior, com apenas uma nota acima de 9, a do casal com a porta-bandeira Juju Maravilha e o mestre-sala Élcio PV.

REPERCUSSÃO E APURAÇÃO

A Portela foi considerada pela crítica a grande escola do Carnaval de 1979, a ponto de receber seis prêmios do Estandarte de Ouro de “O Globo”: escola, samba-enredo, porta-bandeira (Vilma), ala (Velha Guarda), passistas masculino (Marcelo) e feminino (Denise).

“É a antecipação da vitória. Na pista, o público já consagrou a Portela como campeã do carnaval”, disse Viriato Ferreira, que deixou clara a sua mágoa com a Beija-Flor e Joãozinho Trinta:

“Ganhamos o primeiro round contra a Beija-Flor. Particularmente me considero feliz por um motivo: a minha saída da Beija-Flor, onde fui figurinista nos últimos três anos, acabou virando uma briga pessoal e aumentou a rivalidade entre as duas escolas. O resultado é que o Joãozinho Trinta deixou de falar comigo e, para vencer, a Beija-Flor gastou Cr$ 9 milhões (o equivalente a 700 mil dólares), mais do que a soma das despesas dos três anos anteriores.”

A tricampeã Beija-Flor foi apontada como grande decepção do ano, enquanto Mocidade, pela beleza e correção de seu desfile, e União da Ilha pela comunicação com o público, eram cotadas como ameaças à vitória portelense. O vice-presidente da Águia, Nésio Nascimento, chegou a dizer que via a escola de Padre Miguel como a única capaz de derrotar a Portela:

“Saíram bonito também, mas infelizmente se atrapalharam no final, chegando a até atravessar o samba”.

Como era costume naqueles tempos, a apuração foi muito tumultuada. Pouco antes da abertura dos envelopes, os presidentes de Beija-Flor (Anísio Abraão David) e Mocidade (Osman Pereira Leite) denunciaram que os mapas dos jurados Cláudio Bojunga (Enredo) e Adelson do Prado (Fantasia) haviam vazado.

Os dirigentes entregaram à comissão julgadora a lista do que seriam as notas, mas inicialmente os mapas dos jurados seriam validados porque os envelopes ainda estavam lacrados, o que não corroboraria a acusação de quebra de sigilo. E na prática as notas vazadas eram diferentes das reais.

A Beija-Flor pulou na frente após ser a única a levar duas notas 10 em Bateria. Em Harmonia, a escola de Nilópolis também somou 20 pontos, enquanto Mocidade e Mangueira vinham na vice-liderança, um ponto atrás.

A Portela reagiu com a leitura das notas de samba-enredo e fez pontuação máxima, enquanto a Beija-Flor levou duas notas 9, o que empatou a disputa. Mas a alegria dos portelenses durou pouco.

No quesito Mestre-Sala e Porta-Bandeira, causaram revolta na Portela – e também na Mangueira – as notas da julgadora Marlene Belardi: os dois maiores casais do Rio, Vilma/Benício e Neide/Delegado levaram nota 9.

Mas a Majestade do Samba ficaria em situação ainda delicada depois de levar um 9 e um 7 em Evolução, enquanto a Beija-Flor levou 10 e 9. Depois da leitura das notas de Fantasia, a escola de Nilópolis seguia líder com dois pontos de vantagem para a Mocidade e três para a Portela.

Quando a Beija-Flor se encaminhava para o tetracampeonato, a sorte virou a favor da Mocidade. As notas do julgador Cláudio Bojunga (Enredo), que já haviam sido alvo de protestos antes da apuração, foram anuladas mas por outro motivo: ele não escreveu por extenso as notas e nem assinou seu mapa.

No mapa de Bojunga, Mocidade e Beija-Flor tiraram 8, enquanto a Portela levou 10, o que embolaria a apuração. Mas foi a segunda julgadora de Enredo, Neusa Fernandes, quem determinou efetivamente a virada: ela deu 6 para a Beija-Flor e 10 para Mocidade e Portela.

Com isso, a dois quesitos do fim da apuração, a classificação ficou com a Mocidade (124) à frente de Portela (123) e Beija-Flor (122). Em Comissão de Frente, a Verde e Branco somou os 20 pontos, assim como a escola da Baixada Fluminense, enquanto a Águia fez 19.

A histórica primeira vitória da Mocidade Independente foi sacramentada no quesito Alegorias e Adereços, já que tanto ela como a Beija-Flor tiraram 5 e 4, o que manteve a diferença em dois pontos (163 a 161). A Portela amargou o terceiro lugar a três pontos da Mocidade.

“Não há preço que justifique o sacrifício de uma escola de samba. O dinheiro, a meu ver, não significa nada diante do sacrifício de todos, passistas, ritmistas, porta-bandeira, mestre-sala, todos, enfim. O trabalho do Arlindo Rodrigues, do osman, do mais simples operário de construção de quadra… Apuração é uma incerteza. Teve uma hora em que eu tremi, mas estava confiante”, disse o patrono da Mocidade, Castor de Andrade.

Mestre André finalmente comemorou seu primeiro título na agremiação de Padre Miguel:

“Eu sei o que faço. E faço o que agrada ao povo. Sei que queriam ver a Verde e Branco prejudicada, mas não deu. Ganhamos mesmo. Agora é partir para o bi!”

Presidente da Beija-Flor, Anísio Abraão David, reconheceu a derrota e ainda cutucou os críticos da escola:

“Para quem falava em sétimo ou oitavo lugar, o segundo foi um grande prêmio. Houve uma hora em que estava empatado com a Mocidade e se permanecesse empatado até o final, eu ganharia porque venci na Bateria. Mas nesse caso eu tinha tudo preparado: ia pegar o microfone e anunciar que dividiria o título com a Mocidade porque seria questão de justiça. O título está muito bem entregue, a Mocidade se preparou, apresentou um excelente carnaval e mereceu ganhar.”

Do lado portelense, indignação. Houve até tiros na quadra e o presidente Carlinhos Maracanã, que deixou a apuração no meio, disparou:

“É uma roubalheira, é só roubo.”

Nas demais colocações, a Mangueira suspreendentemente terminou em quarto, a apenas um ponto da Portela e à frente da União da Ilha (que ficou muito atrás na pontuação), Salgueiro e Imperatriz. A oitava colocada Unidos de São Carlos seria rebaixada com o oitavo lugar, mas depois foi mantida no Grupo 1.

RESULTADO FINAL

POS. ESCOLA PONTOS
Mocidade Independente de Padre Miguel 163
Beija-Flor de Nilópolis 161
Portela 160
Estação Primeira de Mangueira 159
União da Ilha do Governador 154
Acadêmicos do Salgueiro 151
Imperatriz Leopoldinense 140
Unidos de São Carlos 148

No Grupo 1B, o que hoje equivale à Série A, Império Serrano e Vila Isabel confirmaram o favoritismo e fizeram os melhores desfiles.

A Vila foi a sexta de oito escolas a entrar na pista e homenageou Carlos Machado com um desfile de bom gosto nos quesitos plásticos e muita empolgação. O samba era de fácil assimilação e o público cantou ao som do novo e brilhante intérprete Marcos Moran.

Apesar de um descompasso de evolução na parte final, a Vila deixou a pista aplaudida e com boas expectativas para a apuração.

O Império veio logo a seguir e levou um susto com uma pane no sistema de iluminação dos primeiros 200 metros de pista. Mas a escola logo conseguiu iniciar bem seu desfile e se apresentou bem na homenagem aos 70 anos do Theatro Municipal.

Evandro de Castro Lima desenvolveu o enredo e conferiu bom gosto às fantasias e alegorias. O Império também apresentou uma bateria cadenciada e um samba melhor do que o sobre Oscarito em 1978.

Arrastão de Cascadura e Arranco do Engenho de Dentro, que também haviam sido rebaixadas da elite no ano anterior, também fizeram bons desfiles mas não pareciam ameaçar Império e Vila na apuração.

E, de fato, as duas tradicionais escolas conseguiram com tranquilidade as duas vagas no Grupo 1A. A Vila Isabel conquistou o título com um ponto de vantagem sobre o Império (163 a 162), enquanto a Arrastão ficou num distante terceiro lugar (140 pontos).

No Grupo 2A o título ficou com o Império da Tijuca, enquanto o Grupo 2B viu a conquista da Foliões de Botafogo.

CURIOSIDADES

– O samba da Mocidade foi usado na vinheta de Carnaval da TV Globo. Se fosse hoje em dia, com as redes sociais em polvorosa, os teóricos da conspiração diriam que a escola de Padre Miguel ganhou o título por causa disso.

– Uma das grandes atrações do Carnaval de 1979 nos camarotes da Sapucaí foi atriz suíça Ursula Andress, conhecido sex symbol dos anos 60 e que na época estava com 42 anos. Ela foi ciceroneada pelo prefeito Marcos Tamoyo e pelo escritor Jorge Amado, e ainda posou para fotos ao lado de Pelé nos camarotes… Durante a passagem da Mangueira, Ursula não conteve a empolgação na beira da pista e, portanto, também “teve loura, pessoal, na colheita do cacau…”

– A porta-bandeira Vilma Nascimento conquistou seu terceiro Estandarte de Ouro consecutivo, no que seria o seu último desfile pela Portela. Desentendimentos com a direção da escola presidida por Carlinhos Maracanã a fizeram deixar a Águia e, em 1984, a fundar com outros portelenses a Tradição.

– Arlindo Rodrigues faturou pela Mocidade seu primeiro título fora do Salgueiro, depois de cinco conquistas ao lado de Fernando Pamplona. Logo depois ele foi contratado pela Imperatriz, pela qual também levou o caneco em 1980 e 1981. O carnavalesco ficou na escola de Ramos até 1983, foi para o Salgueiro em 1984, voltou para a Imperatriz em 1985, esteve na União da Ilha em 1986 e fez seu último trabalho na escola de Ramos em 1987, ano em que morreu.

– Depois do rebaixamento do Império Serrano no ano anterior, Fernando Pinto não assinou nenhum desfile em 1979. No mesmo ano ele seria contratado pela campeã Mocidade para o lugar de Arlindo Rodrigues. Na escola de Padre Miguel, o carnavalesco teria sua fase mais pujante e criativa. Curiosamente, Fernando Pinto morreu com poucas semanas de diferença para Arlindo.

https://www.youtube.com/watch?v=N0Jvs408crU

– Inconformado com as críticas à exageradamente luxuosa apresentação da Beija-Flor em 1979, Joãozinho Trinta teria disparado em entrevista à revista “Veja” uma de suas frases mais famosas e polêmicas antes do Carnaval seguinte: “Pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”. Mas veja no Cantinho do Editor que não foi bem assim… De qualquer forma, em entrevista à TV Globo, João explicou a frase dele. Ou não…

– Com seis prêmios do Estandarte de Ouro em 1979, a Portela estabeleceu um recorde que três escolas igualariam: o Império Serrano em 1982, a Mangueira em 1990 e Unidos de Vila Isabel em 2012. Apenas o Império foi campeão.

CANTINHO DO EDITOR (por Pedro Migão)

A contratação de Viriato Ferreira pela Portela foi uma medida tomada pelo então presidente Carlos Teixeira Martins no sentido de modernizar a escola, que estava ficando para trás em termos visuais após a revolução trazida por Joãozinho Trinta.

1979 marca a primeira das quatro vitórias seguidas de David Corrêa na Portela. Com as vitórias de 1973, 1975 e 2002, ele é um dos recordistas de vitórias na escola, com sete. Ele também representa uma nova geração de compositores que se afirmou na Águia após os “rachas” de 1974 e 78, com intensa debandada da ala de compositores da escola.

No pré-Carnaval de 1979 a Portela perderia um de seus principais nomes, ainda que então afastado: Candeia faleceria com apenas 43 anos devido a complicações renais derivadas de sua paralisia, em 16 de novembro de 1978.

Ao contrário do que muita gente pensa, a famosa frase “Pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual” não é de autoria de Joãozinho Trinta, e sim do jornalista Elio Gaspari. Em seu livro “Notícias do Planalto”, o jornalista Mário Sergio Conti explica que o jornalista tinha fama de cunhar estas declarações e propor aos “entrevistados” que as assumissem como suas. Como na transcrição reproduzida abaixo:

“Em Notícias do Planalto, lançado em 1999 e prestes a ser reeditado, Mario Sergio Conti relata a esperteza de Elio Gaspari, então em início de carreira:

“[Gaspari] estava numa agência de notícias no Galeão. O aeroporto era o ponto de passagem dos poderosos da República. Os políticos, ainda em trânsito da antiga para a nova capital, embarcavam nos voos matutinos para Brasília. No Galeão desembarcavam as celebridades estrangeiras que visitavam o Rio. Como se podia entrar na área da alfândega, os jornalistas circulavam e faziam entrevistas. Os repórteres da agência tinham de falar com os passageiros famosos, redigir as matérias na sala de Imprensa, tirar cópias num estêncil a álcool e mandá-las para os jornais. Gaspari logo constatou que o tempo médio de embarque e desembarque, vinte minutos, era escasso. Enquanto entrevistava um deputado, perdia outros três que entravam no avião para Brasília. Passou a acordar de madrugada para ler os jornais e, com base neles, escrever pequenas entrevistas de políticos comentando os assuntos do dia. Se concordavam com as respostas, passavam a ser os entrevistados de fato e de direito. Assim, podia mandar aos jornais três, quatro entrevistas, em vez de uma. Os entrevistados agradeciam porque, além de estarem nos jornais, às vezes pareciam mais inteligentes ou engraçados do que realmente eram.”

Esses políticos jamais poderiam sonhar que algum dia lhes cairia no colo um assessor tão bom, e ainda por cima gratuito. Conti prossegue, muito divertido:

“Em Veja, o método foi refinado e usado anos a fio. Gaspari inventava um raciocínio para avivar uma matéria, geralmente de madrugada, no calor do fechamento, e mandava um repórter achar alguém famoso que quisesse assumir a autoria. A frase “O povo gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual” nasceu assim, proposta por Gaspari ao carnavalesco Joãozinho Trinta. O truque era puro Elio Gaspari. Tinha algo de molecagem, mas ficava nos limites das normas jornalísticas, na medida em que ninguém era forçado a encampar uma declaração. O seu fim último era levar um fato novo ao leitor (…)”.

O enredo da Imperatriz talvez seja o único da história da escola com temática “afro”. Na homenagem a Jorge Amado em 2012 há referências aos Orixás no enredo, mas como acessório. Em 2015 a escola abordou a África como tema, mas em uma abordagem que não enfocava os Orixás nem as religiões de origem afro brasileira.

Das 44 escolas que desfilaram nos então quatro grupos naquele 1979, nada menos que 10 não existem mais – incluída a União de Vaz Lobo, que pediu licença neste 2017. Além disso a Unidos de Bangu e a Tupy de Braz de Pina enrolaram suas bandeiras e retornaram recentemente. A então Grande Rio seria uma das escolas que se transformariam no que é hoje a Acadêmicos do Grande Rio.

A Beija Flor não conseguiu quebrar uma escrita que resiste desde 1960: obter um tetracampeonato. Nem na primeira década deste milênio, quando obteve cinco títulos em seis anos, houve um tetracampeonato. A Imperatriz em 2002 também não logrou êxito nesta tarefa.

Mestre André, que faleceria em 4 de novembro de 1980 (curiosamente, dia em que faço aniversário) obteria seu único título em 1979.

VÍDEOS

O desfile que deu à Mocidade o seu primeiro título

A luxuosa apresentação da vice-campeã Beija-Flor

A inesquecível exibição portelense

O empolgante desfile da União da Ilha

Fotos: O Globo e Revista Manchete

[related_posts limit=”3″]

9 Replies to “1979: O descobrimento do Brasil e da glória maior para a Mocidade Independente”

  1. Mais um Carnaval que não vivi e tenho saudades… Essa série está muito legal, parabéns Fred!

    Neguinho da Beija-Flor disse em uma entrevista antes do carnaval de 2006, quando a escola tentaria novamente o tetracampeonato (sem sucesso), que em 1979 os componentes estavam com um salto alto enorme…

    Dizem as más línguas que a revolta na Portela foi tão grande que o enredo do ano seguinte “E Hoje tem Marmelada”, na verdade foi uma resposta disfarçada ao julgamento injusto sofrido pela escola.

    Uma dúvida: o sentido dos desfiles foi o mesmo de 1978, vindo do Catumbi?

    1. Sim, mesmo sentido. Eu vou contar esta história da Portela semana que vem.

      Os mais antigos dizem que a Portela jamais poderia ter perdido esse carnaval

    2. Oi, Luis Fernando, valeu por escrever! Sim, o sentido ainda era Catumbi-Presidente Vargas. Isso mudou em 1980 e permanece até hoje. Convido você a seguir acompanhando a série! ABS!

Comments are closed.