(por Igor Freitas, sergipano radicado em São Paulo e especialista em Justiça do Trabalho)

O programa de Voluntários Rio 2016 é uma oportunidade para todos aqueles que desejam ajudar na construção e bom andamento do mais grandioso evento esportivo do planeta.

Segundo dados do próprio Comitê RIO 2016, serão 50 mil voluntários com idade mínima de 18 anos, incluindo pessoas com deficiência, atuando em 04 áreas do Rio de Janeiro (Barra, Deodoro, Copacabana e Maracanã), além das outras cidades-sede do futebol – Belo Horizonte, São Paulo, Brasília, Salvador e Manaus.

Os benefícios oferecidos pela organização a quem se voluntariou são treinamentos exclusivos, curso de inglês, uniforme, alimentação nos dias de trabalho e transporte na região metropolitana.

Um dos voluntários participantes do evento assim definiu o significado do seu papel:

0987a4f572e193950121f1f4e4d8f888_voluntarios_rio_2016_-_alexandre_loureiro305“Ser voluntário é DEIXAR DE ACOMPANHAR PARA PARTICIPAR, DEIXAR DE VER PARA VIVER, DEIXAR DE ASSISTIR PARA COMPETIR”.

Complemento que também é deixar de receber acomodação. E também deixar de ser fornecido qualquer atestado para fins de abono de falta ou licença para aqueles que possuem vínculo empregatício público ou privado. Além disso, não há uma declaração oficial quanto à duração da jornada de trabalho, que chegou a 10 horas diárias nas últimas Olimpíadas em Londres.

Mesmo com uma série de afazeres e tendo a responsabilidade de “fazer os jogos acontecerem”, os voluntários ficam excluídos da relação de emprego, tendo em vista a falta do requisito “ONEROSIDADE”, ou seja, haver uma contrapartida financeira em troca dos serviços prestados. Tal exceção está, de fato, contida, nos dispositivos legais trabalhistas.

A Lei 9.608/98 disciplina o serviço voluntário no Brasil. Em seu art 2º, a norma prega que deve haver a celebração de um termo de adesão  entre a entidade, seja pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário, devendo dele constar o objeto e as condições do trabalho. As benesses a título de despesas com alimentação e transporte não implicam a existência de relação empregatícia, conforme o art. 3º da citada lei.

É importante ressaltar que o trabalho voluntário somente pode ser desenvolvido em entidades que não visem ao lucro, o que se encaixa, em tese, no modelo das associações – COI (Comitê Olímpico Internacional) e COB (Comitê Olímpico Brasileiro).

Mas merece aqui uma reflexão – os voluntários trabalham nas mais diversas funções para fazer funcionar a atividade preponderante das associações acima – organizar um evento esportivo. E o mercado capitalista e o marketing não ficam fora disso, haja vista a grande variedade de marcas EXCLUSIVAS associadas ao evento, que acabam por vender a sua imagem e lucrar com isso. Sem contar os ganhos de mídia das redes de TV oficiais e autorizadas. Seria o voluntário mais uma mercadoria associada à marca?

justica_do_trabalhoAo julgar processo em que um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus conseguiu vínculo de emprego (RR – 19800-83.2008.5.01.0065), o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra Martins Filho afirmou que a Lei 9.608/98 contemplou o serviço religioso como voluntário. No entanto, esse serviço deve ser “prestado sem a busca de remuneração, em função de uma dedicação abnegada em prol de uma comunidade, que muitas vezes nem sequer teria condições de retribuir economicamente esse serviço, precisamente pelas finalidades não lucrativas que possui”.

Ives Gandra, ministro do TST, explicou que o caráter “comercial” da Igreja permitiu que fosse reconhecido o vínculo do pastor evangélico.

Que tal uma reflexão ainda maior? Como se sentem os voluntários dos Jogos Panamericanos ocorridos no Rio em 2007 ou da Copa do Mundo em 2014  após os escândalos com suspeitas de desvios de enormes quantias de dinheiro em atividades relacionadas aos eventos?

Fato é que pleitear na justiça direitos trabalhistas em relação ao trabalho voluntário não é tarefa simples, pois a jurisprudência não é pacífica e há muito subjetivismo envolvido; mas há decisões esparsas, como a citada acima, que entendem que, dada a motivação comercial das marcas envolvidas, seria possível reconhecer vínculo empregatício ao prestador dos serviços.

Controvérsias à parte, é inegável a contribuição dos voluntários às Olimpíadas do Rio. Afinal de contas, compartilhar, ser solidário, altruísta, só aumenta as chances de tudo melhorar para todos.

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21 Replies to “Rio 2016: Voluntário tem Direitos Trabalhistas?”

  1. Só sei que, tentei ser voluntária na Copa do mundo e não consegui, fiz inscrição, eles me responderam com uma mensagem automática pra eu aguardar maiorea detalhes, depois nunca mais deram notícia. Nas olimpíadas nem tentei. Acho estranho que eles dependam tanto de pessoas voluntárias, mas fazem pouco caso de quem se habilita. Inclusive isso é uma tendência que já vi em trabalhos voluntários, eles nunca facilitam, ficam criando impecilhos. É mais fácil arranjar emprego do que conseguir ser voluntário, na minha experiência.

    1. Realmente o processo seletivo desse evento teve alguns percalços. Você não é a primeira a reclamar.

        1. Nem eu Pedro! Trabalho voluntário para uma organização comercial que visa lucro é concorrência desleal ao trabalhador. Se o COI e o COB (ou a Fifa) não cobrassem nada nos eventos, faria algum sentido o voluntariado, mas como o Esporte (em geral) se tornou uma atividade puramente capitalista, o lógico seria a remuneração de todas as pessoas que trabalhariam no evento. Mas como o tio Marx cantava a bola lá no século XIX, o trabalho (dos outros) é a maior fonte de riqueza para o capitalista…

  2. Igor, estive em Londres e vi o trabalho deles de perto! Realmente, sem voluntario nao tem evento!! Eles ajudavam tanto no evento, quanto no tansporte, e conversavamos bastante com eles quando estavamos no metro indo para algum evento (sao tantos, que era facil encontrar).. E sim, eles estavam exaustos, nao reclamavam, mas falavam que estavam há varias horas no trabalho, ou no dia anterior ate tarde.
    Muito bom o texto!!

    1. Realmente o trabalho voluntário tem muito valor Maira! Eles, muitas vezes, são a linha de frente em vários aspectos, especialmente quanto às reclamações hehe! O texto busca incitar uma reflexão sobre o aspecto legal e socio-econômico desse tipo de prestação de serviços.

  3. Bom…Não ou nenhum especialista em direito trabalhista. Mas na minha forma leiga de pensar acredito que ha direitos sim…Poderia ir além, acho que não deveria ser um trabalho voluntário e sim remunerado, gerar empregos e fazer a economia rodar. Boa reflexão. Como futuro educador físico, vejo nesse evento uma grande oportunidade de grandes oportunidades no esporte para nosso país. Só não ei como pagar direitos trabalhistas sem valor de salário? Isso não seria uma brecha pra que todo voluntariado exigissem valores trabalhistas?

    1. Não sei se é o caso André de todo trabalho voluntário ver reconhecido algum tipo de vínculo empregatício, mas desde que se respeitem certas premissas, valores e aspectos legais.. ou seja, LIMITES.

  4. O trabalho voluntariado é regulamentado no Brasil pela Lei 9.608/1998. É considerado serviço voluntário “a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade”. Os jogos olímpicos modernos só visam três coisas: política (nacionalismo e supremacia nacional e /ou racial), comercialismo e capitalismo exarcebado sem contar a hipocrisia, sendo assim, ao meu ver deveria ter trabalho assalariado e não voluntário, pois não encontrei em nenhuma finalidade dos jogos os objetivos citados pela Lei. No mundo de hoje fica difícil entender a aplicação de PARTICIPAR como voluntário e TRABALHAR duro sendo escravo do “ser voluntariado”???.

  5. Discutir a relação advinda de um trabalho voluntário é importante para que saibamos os reflexos que ela pode trazer. O artigo do Igor traz de forma didática e clara os diversos aspectos dessa relação, inclusive a inexistência. Onerosidade e o fato de ser para fins não lucrativos. Parabéns Igor!

  6. Boa noite. Eu gostaria de me candidatar a voluntária para as olimpíadas de Tókio. Alguém sabe me informar se estrangeiros podem se candidatar e se eles que arcam com os meus custos de viagem, hospedagem e etc?

    Grata.

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