Mais uma vez fecharemos a Justificando o Injustificável com o quesito Enredo. Com a extinção do quesito Conjunto, este é o que mais se aproxima de julgar o desfile em sua completude.Este também é um quesito dividido em subquesitos: Concepção e Realização, cada um variando entre 4,5 e 5 pontos.

Como vocês verão, houve um excesso de justificativas polêmicas neste quesito esse ano. Algumas delas demandaram verdadeiras redações com introdução, argumento, contra-argumento e conclusão para serem analisadas. Isso gerou comentários muito maiores do que o que está sendo o tamanho padrão da série. Por isso, dividi o quesito Enredo em duas partes. A 1ª, com os Módulos 1 e 2, é está que vos apresento. Na quinta-feira o Ouro de Tolo publicará a 2ª parte do quesito Enredo, com os módulos 3 e 4 além do texto de encerramento da Série.

Módulo 1
Julgador: Johnny Soares

Notas

Estácio – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
União da Ilha – 9.7 (concepção 4.9 e realização 4.8)
Beija-Flor – 9.9 (concepção 4.9)
Grande Rio – 9.9 (concepção 4.9)
Mocidade – 9.9 (realização 4.9)
Unidos da Tijuca – 9.9 (concepção 4.9)
Vila Isabel – 10
Salgueiro – 10
São Clemente – 9.7 (concepção 4.9 e realização 4.8)
Portela – 10
Imperatriz – 9.9 (concepção 9.9)
Mangueira – 10

Na justificativa de concepção na Estácio,  já temos um problema. Soares retirou ponto alegando que as alas 19 e 20 (Bandeiras em Guerra e São Jorge – Patrono de Portugal) estariam deslocadas no setor 4 quando deveriam estar no setor 3 do desfile.

A justificativa até faria sentido se isso realmente tivesse ocorrido, afinal o setor 3 representava a devoção de São Jorge no mundo e o Setor 4 era dedicada as lendas que envolvem a história de São Jorge.

O que torna essa Justificativa um erro é que as duas alas citadas não estavam nem no setor 3 nem no setor 4, mas no Setor 5. O Setor 5 retrata a chegada da devoção de São Jorge ao Brasil e ela veio via Portugal. Ou seja, as alas estavam encaixadas dentro do enredo e o julgador viu um defeito que, em tese, simplesmente não existiu. Porém vocês notarão que a Estácio foi penalizada por todos os julgadores por isso…

Agora, por que isso ocorreu? Porque os julgadores ficam bitolados na ideia de que os setores são delimitados pelas alegorias! A Estácio, por algum motivo, decidiu fazer uma roteirização do desfile sui generis colocando 2 alegorias (no caso as alegorias 3 e 4) de forma consecutiva. Isso quebrou um pouco a sequência normalmente usada nos desfiles: um setor de fantasias sendo fechada por uma alegoria. Assim, a alegoria 4 se tornou o início do setor 3, enquanto a alegoria 5 se tornou o início do setor 4.

Nessa roteirização incomum, acabou faltando um marco de divisão entre os setores 4 e 5. Assim, logo após a ala 18, que fecha o 4º setor, já vinha a ala 19 que abre o 5º setor. Realmente é uma divisão incomum, mas uma lida de 5min no Livro Abre-alas já resolve a questão.

Ainda sim pode-se descontar a quebra abrupta de setor, sem uma demarcação, sendo que os setores do desfile da Estácio não se comunicam, não representam uma continuidade narrativa, mas formam várias pequenas narrativas que se juntam para formar um argumento. De qualquer forma, não foi esse o justificado por nenhum dos 4 julgadores.

Para piorar, o décimo perdido em realização também pode ser polêmico. Um dos motivos alegados foi a falta de qualidade estética das alegorias. Só que tal falta de qualidade estética não pode ser julgado em Enredo, mas em Alegorias e Adereços. Em Enredo deve-se julgar apenas a capacidade de compreensão do argumento da Escola através dos diversos símbolos trazidos pelo desfile. Logo, apuro estético não cabe em Enredo.

Em seguida o julgador emendou com aquela famosa bengala do “pouco criativa”. Isso remete a outro problema do quesito enredo. O manual do julgador apenas diz que o julgador deve julgar “A criatividade (não confundir com ineditismo)”. Mas como a criatividade deve ser julgada no quesito Enredo? Com certeza, não deve ser da mesma forma que é julgada em Fantasias ou Alegorias e Adereços. Mas qual são os pontos de corte? O Manual nem sequer ajuda a delimitá-los.

Na Ilha, o julgador, entre outros problemas, despontuou a inovação da Ilha que misturou 41 fantasias em uma ala só “com a mesma paleta de cores, formando uma massa exageradamente pesada.” Essa inovação da Ilha resultou em uma ala gigantesca, com fantasias misturadas e ficou difícil olhar todas com atenção. Era um blocão.

O julgador também reparou que um grupo que deveria vir antes da última ala, conforme o Livro Abre-alas, não apareceu.

Quanto à Beija-Flor, o desconto ocorreu porque o julgador sentiu falta de uma explicação mais clara da relaçao do Marques de Sapucaí com o carnaval, que convenhamos, é mesmo muito fruto do acaso (eu já havia escrito na prévia das sinopses que essa seria a maior dificuldade da Beija-Flor).

Na Grande Rio, outro fato que eu já havia adiantado na referida coluna: o destaque dado ao futebol, além de ter sido uma quebra drástica na narrativa histórica, ficou demasiamente desproporcional ao argumento do enredo que foi a cidade de Santos como um todo.

Na Unidos da Tijuca, outra justificativa polêmica: o julgador cita a falta de uma ala sobre a água no Setor 1 da escola, que retratou os elementos fogo, ar e terra. A polêmica é que, como o próprio julgador pontuou, a água apareceu com bastante destaque na alegoria que encerra o setor. Aqui há argumentos para os dois lados: contra a justficativa, podemos arrolar o que já escrevi aqui ano passado sobre a interação de alegorias e fantasias na construção do enredo: não há nada que obrigue a alegoria ser a síntese do setor e por não haver nenhum problema na explicação do enredo, não há motivos para se descontar a escola porque ela apresentou o elemento do enredo apenas no carro e não em fantasia. A favor da justificativa podemos dizer que a alegoria em momento algum ressaltou a água como o 4º elemento, de importância central para a agricultura. Inclusive a própria defesa da alegoria no abre-alas apenas justifica que as águas cristalinas apenas conferem exuberância a paisagem apresentada pela alegoria.

Nesta mesma linha de “esquecimento” da água, o julgador estranha a presença de uma ala para representar os peixes no setor do “solo sagrado”. Por mais que o setor seja dedicado aos animais criados na região de Sorriso, realmente é um tanto quanto complicado aliar solo a peixes. Na São Clemente, em concepção, o julgador retirou décimo porque a ala do circo (ala 12) veio antes da ala do seu criador, Philip Astley (ala 14). Aqui, mais uma vez, acredito que Rosa Magalhães foi incompreendida pelo julgador e pelo extremo apego dos julgadores aos setores, algo que não está escrito em lugar algum.

Se olharmos o plano de desfile da São Clemente, entenderemos que Rosa decidiu inicialmente apresentar o circo e depois o que compõe o circo, fazendo com que o público realmente estivesse como espectador dentro do circo, vendo as atrações. Então, a ala 12 apresenta a estrutura do circo e a ala 13, o palhaço equestre criado por Astley. Aí vem a alegoria 3, representando o próprio circo e seus elementos. Para encerrar tal apresentação do circo, Rosa apresenta ao público aquele que teve toda a ideia das alas 12, 13 e do carro, o próprio Astley.

No desconto da realização mais problemas: o julgador disse que “o tema irreverente sugeriria mais ousadia e humor, o que não se viu”. Mais uma vez: o julgador não pode julgar o que acha que deveria ser apresentado, mas sim pelo que a escola se propôs a apresentar.

A São Clemente em momento algum propôs a fazer um enredo irreverente, tal intenção está claríssima no Abre-alas, seja na sinopse do enredo (uma aula de história e quase sem irreverência, no máximo um pouquinho ao fim) ou na justificativa do enredo. Ou o julgador não leu o Livro Abre-Alas ou não entendeu o que estava escrito (no que seria uma péssima interpretação) ou partiu de parâmetros errados de julgamento.

Para terminar essa justificativa, ele também descontou o fato de que a bateria não estava com a cara pintada para representar os palhaços de cara branca. Aqui, reporto-me a possível polêmica que já escrevi no módulo 1 do quesito Fantasias.

Para finalizar este julgador, mais uma justificativa complicadíssima para a Imperatriz Leopoldinense: o julgador disse que as alas 12 (Romaria) e 13 (Rei do Gado) estariam fora de ordem. Segundo o julgador, a ala 13 tinha que estar no setor 2, sobre a agricultura, enquanto a ala 12, deveria estar no setor 4, sobre o folclore.

Mais uma vez, o julgador não entendeu a estrutura do enredo da Imperatriz. As duas alas estavam no setor que falava sobre as raízes da música sertaneja brasileira. Oras, Rei do Gado e Romaria são dois clássicos da música sertaneja, como elas estão fora de ordem? As duas alas estão representando as respectivas músicas, não as figuras de um grande pecuarista ou alguma romaria religiosa.  Ou seja, o julgador demonstrou um total desconhecimento do cancioneiro sertanejo brasileiro.

Em defesa do julgador, há de se admitir que a defesa das fantasias no Livro Abre-alas foi feito de modo desastroso. Se não se tem conhecimento prévio da existência das músicas, simplesmente não se consegue advinhar que essas fantasias as representam. Transcreverei aqui ambas as justificativas.

Ala 12 (Romaria): “Como eu não sei rezar/ Só queria mostrar/ Meu olhar, meu olhar, meu olhar…” Nos versos de Renato Teixeira, o caipira olha nos olhos da santa e expõe toda a sua verdade: Só lhe resta a fé”(as maiúsculas foram mantidas da forma como estão escritas no livro)

Ala 13 (Rei do Gado): “O gado tem presença marcante na vida sertaneja e em sua música, estabelecendo paralelos entre patrão x peão. Goiás possui o terceiro maior rebanho bovino do país.”

Realmente, essas defesas feitas pela Imperatriz foram um tiro no próprio pé. Sem conhecimento das músicas, simplesmente se acha mesmo que as fantasias estão deslocadas. Péssimo trabalho. Ainda sim, se espera de um julgador de enredo um conhecimento vasto e boa capacidade de interpretação, senti falta das duas qualidades no julgamento deste módulo.

Johnny Soares já teve uma mega polêmica em relação a erro de matemática na nota da Império da Tijuca em 2014, já apresentou um caderno errático em 2015 e agora apresenta este caderno complicado em 2016. É mais um que tem poderia entrar na listinha de avaliação criterosa da LIESA para permanência ou exclusão.

imperatriz2016aMódulo 2
Julgador: Artur Nunes Gomes

Notas

Estácio – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
União da Ilha – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
Beija-Flor – 9.9 (concepção 4.9)
Grande Rio – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
Mocidade – 9.9 (realização 4.9)
Unidos da Tijuca – 9.9 (concepção 4.9)
Vila Isabel – 9.8 (realização 4.8)
Salgueiro – 10
São Clemente – 10
Portela – 10
Imperatriz – 9.9 (concepção 9.9)
Mangueira – 10

De forma impressionante, Gomes e Soares repetiram praticamente TODOS os mesmos motivos de desconto para todas as escolas de domingo. Uma coincidência extrema que nunca tinha visto nesses anos todos lendo cadernos de julgamento. Logo tudo o que falei da Estácio até a Unidos da Tijuca em Johnny Soares servem como uma luva para Artur Gomes…

Quanto à Vila Isabel, o julgador descontou falta de unidade temática (“alas e alegorias muito desiguais”), dificuldade de entendimento em 2 alas e outras 3 alas com solução plástica semelhante.

Já na Imperatriz, o julgador descontou que a música sertaneja deveria ser o fio condutor do enredo de acordo com o Livro Abre-alas e ao fim, o fio condutor acabou sendo a própria biografia da dupla sertaneja homenageada, “ancorada na exibição de diferentes aspectos da vida econômica e cultural do estado e Goias, terra natal dos homenageados”. Logo, não houve o adequado desenvolvimento do tema de acordo com o proposto pela escola. Aqui, nada a retocar. O Livro abre-alas é claro ao dizer que a música sertaneja será o fio condutor do enredo em um texto explicativo nas páginas 227 a 229 do Livro Abre-alas de segunda-feira. Esse texto aliás, batizado de “Histórico do Enredo”, não foi divulgado junto com a sinopse no meio do ano passado, só sendo revelado no próprio Abre-alas. Ao mesmo tempo, eu também não identifiquei a música sertaneja como fio condutor do enredo. No máximo apenas teve um setor dedicada a ela no desfile. Mais um décimo perdido pela Imperatriz por problemas na confecção do Abre-alas.

Para um julgador estreante, Gomes teve um caderno mediano, com justificativas polêmicas no domingo e dois descontos bem entendidos na segunda-feira. Alias, essa extrema coincidência de justificativas no domingo com Soares é raríssima.

3 Replies to “Justificando o Injustificável 2016: Enredo – Parte 1”

    1. Igor, esqueci por que abordarei o motivo na parte 2 que também descontou o mesmo motivo, mas foi a falta de uma marionete prevista na ala 2 segundo o Livro Abre-alas

  1. Após ler esta série é complicado dar crédito a qualquer título e classificação do Carnaval Carioca. O que vale é a arte e a emoção mesmo.

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