A estrutura das escolas de samba não é original.
As agremiações bebem na fonte dos ranchos (com a estrutura dramática dos enredos) e grandes sociedades (com seus desfiles visualmente impactantes, bordados por fantasias temáticas e grandes alegorias).
As escolas trouxeram três novidades básicas a essa estrutura: a dança espontânea do passista substituiu a coreografia rígida dos ranchos, o canto das baianas substituiu o canto das pastorinhas e – atentem para o detalhe fundamental – a harmonia e a cadência do samba urbano carioca, aquele codificado pela geração do Estácio de Sá, passou a ser a trilha sonora de sustentação do cortejo.
Resumo da ópera: a partir do final do século XX, com o desvario da ostentação visual e o declínio do samba-enredo e do bailado dos passistas (cada vez mais encarados como um detalhe secundário; quase irrelevante diante do grande espetáculo), as escolas de samba, a meu ver, estagnaram; abrindo mão daquilo que lhes deu originalidade e desfilando como as grandes sociedades de outrora, mais afeitas ao gosto das classes médias urbanas que desconfiavam dos batuques dos pretos.
A obra da modernidade é simplesmente a perda da originalidade. Somos tão contemporâneos que voltamos em certo momento aos cortejos deslumbrantes e musicalmente impotentes do final do século XIX.
O momento atual, todavia, me parece apontar para algumas esperanças. Os sambas melhoraram de nível, há uma percepção de que as baterias devem ser mais cadenciadas e a tal da crise, ela mesma, pode ter um aspecto muito positivo.
Nos debates que se estendem nos últimos tempos sobre enredos de escolas de samba, financiamentos duvidosos, subvenção pública e quejandos, há um ponto, dentre tantos, que pode também ser mencionado: as agremiações do grupo especial mergulharam no poço sem fundo de um carnaval caríssimo, desnecessário, espetaculoso, onde não raro uma fantasia de casal MS / PB custa mais que um desfile inteiro de uma escola da Intendente Magalhães.
Um carnaval visualmente mais modesto e original parece ilusão; ninguém quer embarcar nessa, já que a nova ordem consolidada, sobretudo, a partir dos delírios maravilhosos de Joãosinho Trinta e seus seguidores, aprofundou a ênfase na parafernália visual e transformou os fundamentos de uma agremiação em elementos secundários de um desfile.
Pagam-se fortunas a coreógrafos, acrobatas, técnicos em efeitos especiais, maquiadores, iluminadores, homens voadores, astronautas, ilusionistas, atrizes, atores, rainhas de qualquer coisa e similares. O padrão show de cassino em Las Vegas tomou conta do babado no século XXI e a glamorização da frase de efeito “pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”, nos levou a essa encruzilhada.
Mas aí veio a crise. Quem sabe ela nos lembre de que samba-enredo de qualidade é luxo, passista dizendo no pé é luxo, casal de MS/PB dançando para valer e para o público – sem correr o risco de ter a fantasia incendiada – é luxo, setor 1 vibrando é luxo, bateria cadenciada é luxo, Velha Guarda é luxo, ala de compositores fechada é luxo.
A crise, quem diria, ao inviabilizar, em certa medida, delírios faraônicos, pode nos lembrar de tudo isso que parecia ter ficado para trás.
Imagens: Arquivo Ouro de Tolo
Concordo, mestre Simas.
E nessa “crise/esperança” acredito que a Rosa Magalhães com a São Clemente, sai na frente, ela não economiza em criatividade.