Assistindo à bela série de reportagens “O Quinze”, no Jornal Nacional (quem não viu, recomendo. Lindíssimo trabalho de fotografia e belo roteiro) da semana passada, pensei neste título para uma coluna sobre carnaval. Não em repetir o do livro da Rachel de Queiróz, mas usar o meia dúzia ali acima. A minha viagem nada tem a ver com a seca no Ceará. Mas está, de certa forma, relacionada a uma outra seca. De títulos. Minha escola, o Império Serrano, jamais foi campeã do Grupo Especial no Sambódromo.

Os títulos conquistados ali são estrelinhas de prata no currículo. Três vezes campeões do grupo de Acesso. Bem, isso também não é o tema desse texto.

O tema é “O seis”. Ou os anos que terminam neste numeral. A começar por 1946.

Foi por causa de um desacordo com os rumos que a escola de samba Prazer da Serrinha tomava, um ambiente pouco democrático, muito impositivo, que alguns componentes decidiram que aquele seria o último carnaval deles por ali. Era 1946. Não o ano de fundação em ata, mas o ano da idealização, da semente que, germinada, seria o GRES Império Serrano – nascido a 23 de março do ano seguinte.

Já em 1956, falando dos bandeirantes caçadores de esmeraldas, um bicampeonato que elevava definitivamente a verde e branco da Serrinha ao patamar das grandes forças da festa. Em menos de dez anos de existência, afinal, a agremiação já somava seu sexto caneco.

Em 1966, em plena década de glória de um compositor – o maior deles – um enredo que não rendeu uma de suas melhores obras. O Império homenageou a Bahia. Muito mais marcantes foram desfiles como Aquarela Brasileira;  Os Cinco Bailes da História do Rio ou Herois da Liberdade, todos nos anos 1960. Mas as belezas, sabores e magia baianos renderam um terceiro lugar. Naqueles anos em que o G4 era quase obrigação, o Menino de 47 cumpriu seu papel.

Passam-se dez anos e, em 1976, a classificação fez justiça a um defile atribulado. Porém, a sétima posição no Carnaval não ofusca um dos mais belos sambas da antologia imperiana. A Lenda das Sereias foi gravado por grandes intérpretes da MPB e reeditado (novamente sem sucesso em termos de pontuação) em 2009. Ogunte, marabô, caiala e sobá; Oloxum, Inaê, Janaína, Iemanjá formam escalação imortal. E, assim, imortalizaram mais um ano terminado em seis.

No Brasil que se despedia da ditadura e abria os braços para a democracia, novamente os poetas imperianos cantam a liberdade. Aluisio Machado e Beto Sem Braço sacodem a avenida com “Eu Quero”. Nos deram o que era nosso. Um desfile maravilhoso, idealizado por Renato Lage, fez com que o Império entrasse firme na briga pelo título. Não deu. O honroso terceiro lugar, outra vez, dá a 1986 um lugar de destaque na memória afetiva da Corte Imperial.

O que dizer, então, do mar de lágrimas em que se transformou a Marquês de Sapucaí em 1996? Uma escola visivelmente problemática na plástica e no orçamento mas com um coração maior do que a Avenida. Um coração do tamanho do homenageado, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. O sexto lugar é a melhor posição dos últimos vinte anos. E como o nosso pão tem, insistentemente, caído com a manteiga pra baixo, naquele já distante 96 a sexta colocada não ia para o Desfile das Campeãs, como hoje. Desfilavam no sábado as cinco primeiras do Especial…

Talvez melhor assim. Aquela mágica noite não se repetiria. E, provavelmente, carros remendados e fantasias incompletas deixassem a falsa impressão de uma apresentação fraca.

Muda o século mas não a coincidência. Novamente, um ano terminado em seis reserva momentos de emoção e alegria. Com “O Império do Divino” vi uma escola madura, elegante, feliz, luxuosa até. Lamento muito que os jurados não tenham achado o mesmo. Sem medo de ser acusado de fanatismo. Merecíamos o Desfile das Campeãs em 2006.

Em 2016 a realidade é dura. Sétimo Carnaval seguido no Grupo de Acesso. Algo inimaginável para as turmas de 56, 66, 76, 86. Para quem viveu 96 e 2006 um passeio pelos grupos de baixo um pouco mais duradouro não era tão estranho. Mas tanto tempo assim?

Silas, o maior compositor, é o fio condutor de um enredo que não se propõe a ser uma biografia dele, Silas. Mas que, de certa forma, biografa as origens da própria escola e de sua região. Tem potencial para emocionar, para levar o Império Serrano de volta ao grupo de cima. Proporcionar mais uma página inesquecível dessa história linda. Desfilando no sábado, 6 de fevereiro (ok, pode ser que entre na Avenida depois da meia-noite. Mas, para todos os efeitos, é o desfile do dia 6).

Feliz 2016.

20 Replies to “O Seis”

  1. Grande Carlos Gil! Ótima ideia e texto! Mas , como diria o Guimarães Rosa, “pão ou pães, é questão de opiniães”. Acho o samba de 1966 o segundo melhor do Silas e acho o samba de 1976 apenas mediano. Não foi, para mim, nem o melhor sobre Iemanjá e sereias naquele ano. Perde para o Mar Baiano de Lucas. Saudações imperianas!!!

  2. Confesso que não tinha me tocado no que anos de finais 6 nos trazem boas lembranças e é verdade. Particularmente, de todos os desfiles citados, o que mais me emociona é o samba de 96 que eu acho fantástico e que é um soco no estômago da gente.

    Quero aqui parabenizar pelo ótimo texto, abraços!

  3. ótimo texto! só uma coisa a acresentar: antes do Império em 2009, a Inocentes reeditou “Lenda das Sereias” em 2006 – acho que foi citado discretamente, mas sei lá.

  4. Depois do carnaval de 2012 me parece tão inusitada essa relação Império-Inocentes que acho que deletei essa informação da memória (um samba imperiano cantado pela tricolor de Belford Roxo). Não me lembrava mesmo.

    1. Inclusive uma das alegorias da Inocentes naquele ano era um barquinho de oferenda a Iemanjá que, se fosse lançado ao mar, o orixá devolvia na hora…

        1. Eu tenho a foto deste barquinho em casa. Era uma coisa pavorosa, nível tripé do CTI da Grande Rio de 2013

  5. Caro Luciano, à primeira vista pode parecer assim. Viradouro e Império Serrano são, na teoria, as forças do grupo. Mas o Carnaval, especialmente na Série A, passa longe da teoria. Faz alguns anos que a Unidos de Padre Miguel bate na trave e faz desfiles com orçamentos bem mais vultuosos que as duas “grandes favoritas”. Colocaria nessa lista de escolas com muita força para subir a Paraíso do Tuiuti. Portanto, dito isso, acho que tanto Império quanto Viradouro não podem cair na armadilha de que estão apenas competindo entre si. Abraços.

  6. Carlos Gil, porque a Globo não lhe coloca para comentar/narrar o carnaval das Séries A e Especial? Você entende do assunto, curte o samba e tem o conhecimento justo e necessário para equacionar informação e opinião nos desfiles de escola de samba. Gosto do trabalho do Luis Roberto, mas creio que você poderia conferir mais atrativos para a transmissão. Parabéns pelo seu trabalho!

  7. Oi Victor, vou estar nas transmissões da Série A. Na reportagem. E é possível que no G1, nas Campeãs, também. Ali mais direcionado a narração e comentários. Abraços.

  8. Belíssimo texto! Mas considero o Samba de 1966 uma obra antológica. Das melhores que Silas já fez.

    1. Também gosto muito deste samba, que tem uma bela gravação do Rixxa naquela série que a Sony fez com sambas históricos em 1993

  9. Se a Série A tivesse Desfile das Campeãs meu G6 palpiteiro seria (não necessariamente nessa ordem) Império Serrano, Tuiuti, Viradouro, UPM – essas quatro, pra mim estarão entre as cinco primeiras em condições normais – Cubango e, na sexta “vaga”, poderia até pintar uma surpresa. Na teoria, teríamos Império da Tijuca e Caprichosos vindo de bons carnavais. Mas não apontaria Curicica e Porto da Pedra como candidatas ao descenso não. Acredito que venham bem melhores que ano passado. Curicica tem um barracão com bom andamento, pelo que sei. Santa Cruz precisa sair da zona de (des) conforto. Não sei se vai ser esse ano. Por outro lado, acho difícil que o excelente samba leve a Renascer a brigar pelo acesso. Vejo a escola na turma da metade pra baixo. Rocinha luta para se manter. E vai ser briga boa aí. A Alegria está trabalhando direitinho, reaproveitando muito material. A Série A tende a ser equilibradíssima. A crise afeta todo mundo e vai valer muito a criatividade e a capacidade de reciclar dos carnavalescos.

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