Ontem, em uma rede social, vi uma notícia que me deixou com os olhos marejados. Em um restaurante na cidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, a dona notou que alguém havia mexido em seu lixo durante o dia e retirado alguns restos de comida.

O que ela fez? Colocou um cartaz na porta do restaurante (alto do post) pedindo que a pessoa se apresentasse durante o dia e ela lhe daria uma refeição. Nas palavras de Ashley Jiron, ela ficou bastante incomodada em ver que alguém teve de fazer isso em seus dejetos.

Vale lembrar que segundo a mesma matéria, hoje nos Estados Unidos nada menos que 17 milhões de famílias onde as pessoas não tem o suficiente para comer ou que precisam se preocupar em como conseguir a próxima refeição. Curiosamente, normalmente o primeiro alvo dos políticos locais (especialmente os republicanos) é o corte nos chamados food stamps”, uma espécie de cupons de comida para os mais pobres.

150413_hillary_clinton_getty_650x353Não por acaso, uma das bandeiras de campanha da pré candidata democrata Hillary Clinton à Presidência é a instituição de um programa social aos moldes do nosso Bolsa Família, considerado pela ONU exemplo mundial a ser seguido. O país ainda sente os efeitos da crise econômica de 2008/09, e como relatei quando estive em New York, as pessoas mais pobres lá tem muito mais dificuldade de atender ao menos as necessidades básicas que permitam a continuidade de suas vidas.

Vendo um caso emblemático destes nos Estados Unidos, fica impossível não pensar no momento brasileiro atual. Segundo relatório anual da FAO (a agência da ONU voltada à segurança alimentar), que aliás será em si tema de post brevemente, o Brasil saiu da condição de país onde existe fome em 2012, com 1,7% de seus habitantes em situação de subalimentação – a FAO considera 5% como limite

De acordo com o relatório, de 2002 a 2013 caiu em 82% o número de brasileiros considerados em situação de fome extrema.

Ainda segundo a FAO, tal evolução deve-se a uma série de fatores:

  • Aumento da oferta de alimentos: em 10 anos, a disponibilidade de calorias para a população cresceu 10%;
  • Aumento da renda dos mais pobres com o crescimento real de 71,5% do salário mínimo e geração de 21 milhões de empregos;
  • Programa do Governo Federal de Acesso à Renda;
  • 43 milhões de crianças e jovens com refeições;
  • Governança, transparência e participação da sociedade, com a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

Ainda segundo os dados divulgados pela FAO, a renda dos 20% mais pobres no Brasil cresceu três vezes mais que a renda dos 20% mais ricos entre 2001 e 2002. A parcela da população em extrema pobreza caiu de 25,5% para 3,5% no mesmo período (gráfico abaixo)

Os números mostram – e aqui faço um breve resumo, o trabalho da FAO aprofunda muito mais a questão – a evolução espetacular do país nestes últimos anos no combate à fome e à pobreza. Ao contrário do que muitos apregoam, o Bolsa Família, embora importante, não é o fator de maior importância, que em minha análise deve ser atribuído a outros dois fatores: o aumento real do salário mínimo e à geração de empregos.

Este avanço brasileiro também é fruto de uma série de políticas públicas implementadas de forma integrada, como o Bolsa Família, o aumento do salário mínimo, os programas destinados a fortalecer a agricultura familiar e à alimentação escolar. O Brasil se transformou em referência no combate à fome mundialmente.

Vejo estes dados, vejo a evolução da sociedade brasileira, vejo as camadas mais pobres tendo acesso a alimentos de forma sustentada e a outros bens de consumo e fica impossível não perceber como, entre outros fatores, há um componente indisfarçável de preconceito social não somente nos recentes protestos como no próprio ódio que muitos devotam ao partido do governo e a seus apoiadores.

FAO 1Obviamente, há muitos insatisfeitos com a situação econômica e com os seguidos erros cometidos pelo PT no governo – embora eu não concorde com a alegada leniência ao combate da corrupção, mas esta é outra história. A chamada “velha classe média” ganhou menos que as demais, como o próprio dado que coloquei acima mostra.

Mas é impossível não perceber nos protestos uma dose de mal disfarçado preconceito social. Por trás das palavras de ordem, existe um sentimento de que “os pobres tem de ser devolvidos ao seu lugar”, ou seja, sem acesso a alimentos, com subempregos e sem ter condições de dispor de bens de consumo.

Aliás, se esse caso de Oklahoma acontecesse aqui o mais provável seria o dono do restaurante pedir à segurança que aguardasse a noite para descobrir quem é – e mandar baixar o pau ou até coisa pior.

Incomoda claramente o fato de pessoas de menor renda estarem, por exemplo, frequentando aeroportos, comprando produtos de marcas consideradas “chiques” e frequentando outros lugares antes exclusivos das classes média e alta. Convivo com estes extratos em meu dia a dia e, em conversas privadas, é o que mais ouço – além de reclamações sobre o aumento do custo das empregadas domésticas.

Não há sentimento de inclusão em nossa elite. Ao contrário: a fome precisa ser perpetuada a fim de manter por um lado uma sensação de domínio e, por outro, o conceito de “exclusividade” e “escolha”. Tudo sob um discurso mal disfarçado de “meritocracia” – que a charge abaixo deixa mais claro o que significa.

meritocraciaO discurso dos líderes dos movimentos enaltecendo Miami, aliás, é um reflexo de algo imemorial: nossa elite sempre deu as costas ao país, nunca pensando em desenvolvimento interno. Miami é o modelo apologético de cidade, os Estados Unidos são o Eldorado – que, como o leitor pode ver no início deste post, é bem diferente do idealizado.

Neste quadro, o ódio ao PT e, especificamente, ao ex-Presidente Lula, tem a ver com isso: com a ascensão social de milhões de pessoas, com a erradicação da fome e com a promoção da cidadania pelo consumo – não pela política, mas aí é outra história.

Curiosamente, este movimento gerou um momento de oposição dupla ao governo: por um lado a elite clamando “que se devolvam os pobres aos seus lugares” e, por outro, estes setores da sociedade que ganharam ascensão social cobrando serviços públicos de melhor qualidade.

Por outro lado, tenho que ressaltar que esta nova classe média é profundamente conservadora, fruto a meu ver de dois fatores: à penetração cada vez maior das seitas neopentecostais na sociedade e ao próprio erro estratégico do PT em não levar o debate político à sociedade, sempre contemporizando com as forças que lhe fazem oposição.

br-protesto-12-abril-dilma-rousseff01Entretanto, estes últimos já não foram às ruas no último domingo, talvez por terem percebido que a luta dos líderes do movimento pela deposição imediata do governo tem como principal mote a volta à velha ordem. Esta é uma equação que o governo precisa enfrentar de frente, antes que seja tarde – e se precisa ir à arena política.

Retomando o assunto, a fome sempre me foi um tema muito caro e histórias como a que deu origem a este artigo sempre me emocionam profundamente. Meu trabalho de pesquisa acadêmica na antiga Faculdade de Economia e Administração da UFRJ (hoje Instituto de Economia) foi sobre segurança alimentar e minha monografia de final de curso teve como tema padrões alimentares. Também ajudei por curto período a “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e Pela Vida”, coordenada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, naquela que talvez seja a primeira tentativa organizada da sociedade civil para se enfrentar o problema de frente.

Infelizmente quando me formei era uma época de poucos empregos e minha trajetória profissional seguiu outros caminhos dentro da Economia, mas jamais esquecerei o dia que, por obrigações profissionais, tive de ir em 2001 ao aterro sanitário de Gramacho. O caminhão despejava o lixo e muitas pessoas naquele ambiente extremamente insalubre corriam atrás de restos de comida em decomposição e outros restos. Uma imagem de que jamais me esquecerei.

Até hoje o grande temor que tenho na vida é um dia não poder me alimentar ou, o que é pior, ver minhas filhas passarem por esta situação. Pode parecer retórica ao leitor, mas é isso. E toda e qualquer iniciativa que erradique a fome terá o meu apoio.

Porque a fome tira a dignidade do ser humano.

betinho fomeImagens: Getty, Uol, ViaGag9 e reprodução FAO

26 Replies to “Uma fábula, a fome e algumas referências ao Brasil”

  1. Concordo em partes, pois grande parte desses direitos (justos) não são acompanhados de deveres.

    Cito um exemplo: por que tem pessoas que só pagam taxa de água e luz?

    1. Rodrigo, isso entra um pouco quando eu falo que esta nova classe média e mesmo a ainda pobre está buscando melhores serviços públicos. Não é de uma hora para outra que isso ocorre, mas pelo menos aqui no Rio vejo movimentos neste sentido

      1. Sim. Melhores serviços públicos é algo que todo mundo tem de buscar. Mas você concorda comigo que um país igual se faz com direitos e deveres iguais a todos?

        Cito o exemplo da taxa porque é o mais emblemático, sem entrar em questões raciais, religiosas ou de escolha de gênero.

        Por que o morador de uma comunidade paga, sei lá, 30 reais de luz, independente do que gastar? Em São José dos Campos, onde minha mãe mora, eu cansei de ver moradores de bairros “carentes” lavando o telhado da casa com mangueira “pra refrescar a casa” (eu ouvi isso)!! Nas casas desses que pagam taxa te TVs, videogames, a cozinha é quase toda elétrica…

        Se tem como comprar, ótimo, tem mais é que consumir. Mas que pague o justo por isso.

        Esqueçam os radicais azuis e vermelhos. O que incomoda a tal “classe média” (de média não tem nada; eu ganho uma merreca e sou considerado médio pelo Governo; só aqui mesmo) é ver políticos (estaduais, federais e municipais) roubando e desviando cada vez mais sem dar nada em troca que beneficie a população: uma obra viária, melhor sistema de transporte, menos carga tributária…

        E incomoda mais ainda é quando ele vê que seu dinheiro está indo – justamente, diga-se – para programas sociais, mas que esses não são acompanhados de obrigações e projetos a longo prazo: obrigação da criança estudar, dos pais trabalharem – ou ao menos ter um comprovante de que estão buscando emprego, e não apenas “coçando”…

        E aí deixo uma pergunta para exemplificar: se tivéssemos escolas públicas de qualidade e professores muito bem remunerados, precisaríamos de cotas para negros?

        “Mas e o racismo”? Puna-se com prisão! Exemplar, de uns 15, 20 anos.

        No mais, é bom discutir com quem tem a mente aberta e tem argumentos para a discordância. Por isso visito o teu site todo dia.

        Abraço!

        1. Rodrigo, aí é que está: o Bolsa Família tem como condição a matrícula dos filhos na escola e aproximadamente 80% dos seus beneficiários trabalham. Sobre as “tarifas sociais”, acho que é um começo para quem não pagava nada originalmente. É o possível neste momento.

          Pessoalmente acho bem complicado ser contra as cotas quando eu olho o salão onde trabalho e de uns 100 empregados próprios termos três ou quatro negros somente. Ou conversar com todos os seus amigos e nenhum deles saber da existência de um gerente geral de banco negro, por exemplo. É complicado, muito. Meritocracia é igualar as oportunidades – e nossa sociedade, hoje, é bastante desigual sob este aspecto, o que torna necessárias políticas como estas.

          1. “Pessoalmente acho bem complicado ser contra as cotas quando eu olho o salão onde trabalho e de uns 100 empregados próprios termos três ou quatro negros somente”.

            Um ensino fundamental e médio público de qualidade resolveria esse problema em, pelo menos, 80%!

            “Sobre as “tarifas sociais”, acho que é um começo para quem não pagava nada originalmente. É o possível neste momento”.

            Até posso concordar contigo, mas pode apostar: todos esses que pagam apenas taxa fixa são os que mais gastam e não estão nem aí para a crise hídrica e elétrica!

          2. Não é o que vejo aqui no Rio, até porque o fornecimento de água em diversas comunidades carentes ainda tem deficiências

  2. Meu caro Pedro,

    Admiro sinceramente seus textos, e considero esse mais um das belas redações que merecem destaque, com enfoque nos ganhos brutos do governo atual nesses últimos 12 anos. Li com carinho sincero, respeito e me levou à reflexão sobre tudo, e sou parceiro seu na luta pessoal e voluntária pelos mais carentes, seja participando de projetos isolados, militante ou apoiador.

    Sou professor universitário (UFRJ) e médico, de carne e osso como qualquer ser humano, talvez tenhamos vividos épocas da história coincidentes, sou um amante de movimentos de estruturação de comunidades carentes, e um assumido ex-apoiador do PT quando em seus passos iniciais antes de vê-los como sinônimo de ambição. Infelizmente só consigo enxergar esses pontos abordados em seu texto como positivos no retrato que tivemos no decorrer desses longos anos. Para o restante, na maioria de todos os outros setores, especialmente na questão relacionada ao RESPEITO ao Brasil (ressaltando a educação e saúde para os quais sou testemunha diário), sinto-me sem esperança alguma. Não vejo nenhuma estratégia efetiva e com real adequação que nos retire da estrada do regresso. Independente da irracional luta de classes tanto exaltada desde 2002, o que considero um retrocesso à ignorância mantida em pleno 2015, vejo que o PT acertou perfeitamente em investir de forma “inocente” num dos entraves que marcavam nosso país – a Fome. E certamente, devemos concluir que a estabilização econômica possibilitada pelos governos anteriores (convenhamos que um governo é sempre um processo em transformação, e não inventores de fórmulas mágicas e inéditas curadoras) possibilitou que diversos problemas graves pudessem ser melhorados, mesmo que ao custo perfeitamente estratégico de uma aquisição não tão inocente de um retorno eleitoral efetivo ou de tratamentos paliativos. Mas concordo plenamente que era uma emergência e tem sido efetiva, mesmo com todos os viéses.

    Refleti sobre o que colocou com alguns rótulos como citado quanto ao menor movimento de protestos no último dia 12/04/2015, até porque existe uma imunidade importante aos movimentos populares por parte da elite política. Ou a presença maciça de policiais ao redor do planalto é uma mera medida de proteção? A “elite” desistiu? Fogo de palha? Tais medidas (os protestos) infelizmente não os atinge, mesmo que todos nós saibamos, apesar de muitos insistirem em enxergar assim, que é um movimento não somente de “elites”, né?! Talvez outras atitudes como greves ou similares surtam mais efeitos, mesmo que tenhamos a emergência forte de respostas comuns como rotular atualmente as greves como inconstitucionais. Agora as greves não se aplicam mais, o governo não aprova.

    Mas enfim, são discussões bem enriquecedoras de uma população inteira acostumada a assistir, julgar e pouco agir, independente da classe social, concorda?! Não somos franceses, fato. Assusto-me ainda com afirmativas em que cita que as denominadas elites ou classes “mais favorecidas” são acostumadas a não pensar no desenvolvimento interno. Então como conseguiríamos explicar o decréscimo agudo e exorbitante da qualidade de ensino no país? Como seria possível compreender crises econômicas atuais? O que temos nesses 12 anos é a realmente a melhor situação política-econômica-educacional-moral que o Brasil já viveu em toda a história brasileira? As “elites” realmente nunca investiram no histórico do país?

    Que saibamos separar o joio do trigo, não adianta utilizarmos apenas um dos pratos da balança. Por favor, tenhamos mais cuidado em várias afirmativas e dissertações, a imparcialidade é um exercício constante.

    Bom caminho a todos, seja lá para onde for. Espero estar bem (ou totalmente) enganado nos meus “achismos” ou “vivencismos”, mas minhas esperanças já esgotaram há tempos. O PT caprichou nesse ponto. E já que citamos Miami/Orlando, já deixei de ser Alice há mais de 10 anos.

    Abraços

    Rafael.

    1. Caro Rafael, para termos uma saúde e educação “Padrão Fifa” hoje haveria a necessidade de um investimento que o PIB do país não suporta. O colunista Gustavo Cardoso escreveu dois artigos sobre isso bem didáticos ano passado.

      No mais, embora não concorde com todos os seus argumentos, acho que são interessantes pontos de debate. Abraços

  3. Boa abordagem do Rodrigo Vilela, não é criando cotas que vamos solucionar um problema que vai muito além das raças. Termos poucos negros em universidades não é a causa, e sim consequência direta da falta de investimentos significativo em ensino médio e fundamental, especialmente nos últimos 12 anos, tempo suficiente para isso. Facilitar a entrada de negros em ensino superior é capacitar quem? Ou é afirmar que são menos favorecidos? Sinceramente, para mim, medidas como essas são racismos oficializados. Falo isso justamente por ser negro filho de pai negro e caminhamos até onde chegamos sem precisar de “facilitações” …

    E complementando meus pensamentos … um belo texto lido hoje (abaixo)

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    O fracasso da ‘pátria educadora’

    O Globo onlne – 16/04/2015 – 13h02

    Roberto Freire

    O desmantelo que caracteriza o governo de Dilma Rousseff, refletido pela ampla rejeição à presidente verificada nas últimas pesquisas, atinge também a educação. Aquela que talvez seja a área mais importante para o futuro do país, contemplada pelo marqueteiro oficial com o slogan “pátria educadora” como palavra de ordem, é uma das que mais sofrem com o descaso, o abandono e a incompetência de quem não tem nenhum compromisso com o Brasil, apenas com seus próprios interesses.

    O resultado de tamanha desfaçatez não demorou a aparecer, e a peça de ficção construída pela propaganda enganosa do PT ruiu mais uma vez. Segundo um relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o país cumpriu apenas duas das seis metas fixadas em 2000 pelo Marco de Ação Educação Para Todos (EPT), compromisso firmado por 164 nações, para o período até 2015.

    Os únicos objetivos alcançados pelo Brasil, na esteira de avanços que já haviam sido conquistados durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foram a educação primária universal (primeiro ciclo do ensino fundamental, do 1º ao 5º ano) e a paridade de gênero (mesma proporção entre meninas e meninos) nas escolas.

    O estudo ainda aponta que o Bolsa Família – cantado em prosa e verso pelo lulopetismo como a solução de todos os problemas – “não enfrenta os desafios” dos mais pobres na área educacional, embora melhore suas condições de vida de forma imediata e temporária. Também não se alcançou um nível razoável de expansão da educação infantil (creche e pré-escola), especialmente para as crianças mais vulneráveis, nem se ofereceram condições para que os jovens concluam o ensino médio no tempo adequado.

    Outro drama agravado nos últimos anos é o analfabetismo. De acordo com a Unesco, o país não alcançou a meta de redução de 50% e concentra 38,5% dos analfabetos na América Latina. Dos 36 milhões de adultos latino-americanos que não sabem ler nem escrever, 14 milhões são brasileiros. Vale lembrar que também o IBGE já havia registrado, entre 2011 e 2012, um vergonhoso aumento no índice de analfabetismo do país, após 15 anos de quedas consecutivas, com um acréscimo de cerca de 300 mil pessoas ao grupo daqueles que são incapazes de se comunicar pela escrita.

    A opção profundamente equivocada dos governos Lula/Dilma de apenas transferir recursos e bolsas para a área educacional, ao invés de criar programas consistentes e de qualificação, fez com que o Brasil regredisse e atrasasse o desenvolvimento de milhões de crianças e adolescentes. Para o PT, e isso ficou claro nos últimos 12 anos, o que importa é a quantidade de novos cursos, faculdades e universidades país afora, e não a qualidade do ensino oferecido aos jovens brasileiros. Infelizmente, pagaremos durante algumas décadas por tanta irresponsabilidade.

    A “pátria educadora” anunciada pela presidente da República não se sustenta para além da propaganda nem se ampara nos fatos, que insistem em desconstruir essa realidade edulcorada. Trata-se de um lema que não diz nada, de um mero deboche contra os brasileiros, de um engodo falacioso criado sob medida para tentar ludibriar os cidadãos. Mas a esmagadora maioria do povo brasileiro, que tem ido às ruas contra o atual governo e o PT, não se deixa mais enganar.

    ​Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

    1. Oi, Rafael. As cotas, do meu ponto de vista, não são para “solucionar” o problema — é (tentativa de) medida reparadora (séculos depois) por séculos de escravidão.

      Além disso, só de ter colocado essa questão em pauta (cotas?) já foi algo importante, pq surgiram propostas de ampliar para todos os pobres e etc.

      Sobre educação:
      Nosso país investiu pesadamente, durante décadas, em DESeducação. Colhemos hoje o que plantamos até meados dos anos 90, com maciça desvalorização do ensino básico e de professores.

      Recuperar isso não é nada simples, e infelizmente não é mera questão monetária (mais recursos) — a questão é muito mais complexta que as bravatas do Roberto Freire. Nós temos gerações de professores mal formados, que reproduzem essa má formação. Como quebrar esse ciclo? Para termos educação de qualidade para todos, precisamos de professores de qualidade para todos. Não temos.

      O governo federal (desde FHC até Dilma) dá passos tímidos, irrisórios, em direção a uma melhor educação — ainda assim estancou-se aquela crescente desvalorização do setor. Ou seja, menos ruim.

      1. Se todas as medidas sociais fossem igual o ProUni, estaríamos bem.

        Por que o ProUni? Ele privilegia quem não tem dinheiro. Não interessa se é branco, negro, índio, amarelo; católico, evangélico ou espírita; paulista, carioca, baiano ou amazonense. É quem tem menos dinheiro e pronto. Tem que cumprir uma pá de exigência? Sim. Mas premia a justiça – até porque, se não estudar, pega DP e perde a bolsa.

        Resultado: eu fui bolsista, passei sem pegar nem exame e me formei. Não me fiz de coitadinho muito menos me exibi perante aos outros. Mostrei, com capacidade e muito estudo, que só precisava da chance de cursar uma faculdade. Tive. A partir daí, projeto nenhum faria nada que não fosse minha obrigação. É assim que tem que ser.

        O problema das medidas do atual Governo é as pessoas se acomodam nos projetos de assistencialismo e não querem saber de mais nada.

        Oras, somos todos seres humanos, dotados de inteligência natural. Não podemos forçar uma situação de “naturalidade” na base da obrigação. Ela deve ser igualitária, com condições iguais a todos (seja de saúde, educação, moradia, segurança, transporte…) – com as devidas punições a quem desrespeita este ou aquele grupo.

        Por isso é que surgem os Bolsonaros e os Wyllys da vida falando o que não devem.

        1. Rodrigo, no que toca aos programas sociais, existem dois Brasis: o real e o veiculado pela grande imprensa. Óbvio que existem aperfeiçoamentos a serem feitos, mas se você for no relatório da FAO que está linkado neste post verá que a situação real é bem diferente.

          1. Exato, Migão.

            E sobre o que o Marco disse, é só reduzir o número de deputados, ministérios e partidos políticos que sobra bastante dinheiro para investir em educação. Com educação de qualidade, os outros setores evoluirão!

      2. Simples!

        A curto prazo: programa de bolsas integrais ou parciais para quem quer cursar Magistério. Incentivos para a profissão (desde a ingressão em cursos extra-curriculares com programa de bolsas e descontos até a compra de material didático que auxilie – em Cubatão os professores ganham um notebook para auxiliar as aulas).

        Implantação imediata de leis que protejam o PROFESSOR e o faça ser respeitado em aula – e não o aluno folgado que tira zero e quer matar a professora por isso – inclusive com penas DURÍSSIMAS a quem desrespeitasse professor em sala de aula.

        Punição de diretor ou secretário que apoiasse o aluno em um caso desses, inclusive com prisão.

        Reforma das escolas – muitas são um lixo.

        Fiscalização SEVERA do destino dos recursos, autorização de que empresas pudessem fazer parcerias com as escolas públicas (ex: empresa X banca toda a merenda escolar em troca da publicidade e de poder usar o nome da escola para campanhas; empresa Y banca a reforma das cadeiras e mesas em troca de colocar seu nome nelas). Prisão perpétua para quem desviasse dinheiro da educação, independente da desculpa dada.

        Rede municipal somente para Berçário, Maternal e Ensino Fundamental. Rede Estadual somente para Ensino Médio/Técnico.

        A médio prazo: igualdade de salário em todo o país, nem que para isso o Governo tivesse que complementar a renda dos professores. Piso nacional de, no mínimo, dois salários mínimos LÍQUIDOS para professores da rede municipal e dois mínimos e meio para os da rede estadual. E é pouco ainda. Mas seria um começo.

        Limite de aulas para cada um deles, para que não precisem ficar trabalhando os três períodos em troca de uns trocados a mais (se já tem o piso aumentado, o foco passa a ser mais professores). Com mais professores dando menos aulas (aí depende da escola, da aula e do ano letivo, nenhum poderia passar de, sei lá, seis aulas diárias; não faço a mínima ideia se é muito ou não) o professor teria mais tempo para a elaboração de aulas mais complexas, que fizessem o aluno pensar. Ajudaria no planejamento de todo o semestre. Evitaria afastamentos por estresse, descarregando o uso do INSS.

        A longo prazo: concursos para novas pinturas nas escolas (cores/logotipos/uniformes), como forma de transformar as escolas em locais onde realmente a criança queira estar. Aqui em São Paulo as escolas só são identificadas pelo nome naquela letra básica do Governo. Seria um atrativo que cada uma delas tivesse um logo próprio – atrativo inclusive para designers.

        São algumas ideias que eu tive. É um bom debate. Afinal, um país decente só se dará com uma educação decente! E, por tabela, chances iguais a todos!!!

          1. Sobre aplicação de verbas para a a educação, só faço a observação que o governo federal acaba levando a culpa por coisas que são atribuição das esferas municipal e estadual. Nem acho que seja roubalheira, é gestão pouco eficiente mesmo.

      3. Com todo respeito ao leitor Rafael, artigo do Roberto Freire eu olho, dou uma risada e passo ao próximo assunto.

  4. Pedro Migão, desculpe, mas mediante a vivência como professor universitário de uma das universidades daqui, considero o texto poderia ser escrito por qualquer outro realista e testemunha do que vemos dia-à-dia nas universidades, independente do autor. E assino embaixo. Lamento se as opiniões contrárias às suas são dignas da sua indiferença. Imagina se todos fizessem o mesmo com seu texto somente porque é escrito pelo Pedro Migão? Simplesmente desconsiderarei seu último post, não li isso, vc não precisa disso. Sim, eu tenho certeza que vc não precisa disso, meu caro. As críticas ou contrariedades constroem até mais do que os elogios.

    Quanto ao que o Marco Abi colocou, já ouvi todas essas justificativas a favor das cotas e investimentos em educação, e não vi fundamento na maioria delas em peso. Afinal:

    a) Ter mais negros em universidades indicará o que (quando mudarem as taxas)? Que o Brasil é um país menos desigual às raças? E …? É real isso? Muda o retrato mas não muda o conteúdo ou a raiz? Temos que começar do final para o início? Tem sentido isso? É isso que queremos? É copiar um sistema externos, e tentar buscar na escravidão dos séculos anteriores um sistema de compensação? Já conversaram com os negros sobre isso (eu por exemplo)? Eles precisam disso mesmo? Não seria muito mais simples usar toda essa visibilidade de CSF, cotas, universidade para todos em reais investimentos em ensino fundamental e médio? Por que o ensino nesses níveis era tão apropriado e digno, e não é mais? Me dê razões por que não se investe no ensino básico até hoje!!! A culpa é sempre dos governos anteriores? 12 anos e nada? Mais uma medida temporária eterna? Estamos somente colhendo imediatismo, mais uma vez em mais uma área para a coleção.

    b) Ter aprovação automática em escolas de ensino fundamental e médio, melhora em que a educação no país? Termos mais titulados sem conteúdo algum? É isso mesmo que achamos adequado? Até quando? Já foram no 8o ano de escolas públicas em comunidades e conversaram com os alunos? Já viram as consequências disso?

    c) Termos mais universidades melhora em que a situação no país se elas são criadas sem a infra-estrutura mínima para um funcionamento e trabalho adequado? Já visitou essas novidades e já visitou a estrutura das antigas atualmente? O curso de Medicina na UFRJ de Macaé, por exemplo, não tinha nem Anatômico por mais de 03 anos após a criação. Mais de 03 anos!!! Sabiam que até hoje, os alunos de Macaé vão para o Campus Fundão para ter aulas em vários períodos (geralmente no 6o período em diante) pois não tem Hospital Universitário lá e nem estrutura para completar o curso. É para quem acreditar nesses “investimentos”, vocês?

    d) Ganhar notebook é medida efetiva para qual instituição? Ter infra-estrutura e sistema de informática deveria ser obrigação da instituição, patrimônio da instituição, estar disponível lá na sala de aula com equipe de audio-visual funcionante, e não para agradar professores que vão levar isso para casa e quiça utilizar isso em salas de aula. Os salários adequados poderiam proporcionar que cada um adquirisse seus notebooks se assim desejarem, dinheiro público é patrimônio público, ou assim deveria ser, né?! Os governos que têm passado por Brasília esqueceram desses detalhes, fato, e botaram no bolso. Realmente, verba é algo complicado.

    E mais uma vez, desculpe ter opinião diferente do Migão e do Marco, mas essa luta do BEM PT contra o MAL FHC é muito irracional para mim. Não faz sentido algum. Como coloquei antes, o Brasil é um processo, uma história, não uma fórmula mágica lulista que mudou o Brasil e está tentando curar de males anteriores. Discurso de marketing primoroso (admiro mesmo) da gestão atual. Qualquer livro coerente mostra o histórico dessas tentativas de bilateralização que agora tem se aplicado até na bilateralidade de classes e até mesmo de raças. Repito, até mesmo de raças e em pleno 2015! Resgatar a escravidão “extinta” em 1888 com uma compensação em 2015? Vai mudar em que o país, gente? Vai tornar a consciência de quem mais tranquila? É esse o objetivo? Pessoal, por favor. O processo de decaimento da educação se arrasta por décadas, já foi de excelência, e medidas imediatistas não vão resolver em nada a situação do país. Exemplo, vejo na UFRJ (a renovação das bolsas mais recente foi em dezembro de 2014), as bolsas-auxílios universitárias virando bolsas-universidades para alunos que não têm a mínima pressa em terminar os estudos e todo interesse em manter os auxílios por anos. Países se negando a receber alunos brasileiros para novos CSF devido ao descaso e desinteresse em estar em sala de aula por parte dos contemplados. Adianta usar dinheiro público desse jeito e anunciar como conquistas e avanços significativos? É desse jeito que se estimula novos profissionais a se formarem e se capacitarem?

    E, por fim, parece que estamos voltando àquelas mesmas discussões vazias da época de eleição, parecemos torcidas de times de futebol, tentando apitar o jogo no papel do juiz e bandeirinhas. Seria muito mais gostoso se todos olhassem de fora e vissem que nenhum dos dois formatos servem mais para o país, não somos ainda Argentina, não somos ainda Venezuela, ou qualquer outra infelicidade dessas, sabemos que precisamos de novidades reais, concretas, objetivos fundamentados. Sugerir um Brasil sofrido com o “mal do século” entre 1994 e 2002, ou mesmo o exaltar como a perfeição histórica, assim como manter do jeito que está e defender a situação temerosa, para mim (usando uma expressão que gostei muito quando li), é desonestidade intelectual nossa (me coloco nesse ponto também, não devo vestir nenhuma camisa, não, não devo para o bem do país e meu tb). Podemos ser mais. Somos mais do que isso. Lembro, a imparcialidade é um exercício constante e talvez a melhor solução para nosso país.

    Abraços meus caros, amo sinceramente vcs e admiro a discussão, mas sem mais brigas de times ou camisas, e mais respeito às palavras, referências, textos e acreditando no crescimento conjunto. Críticas também nos fazem crescer, talvez mais do que os elogios, independente de onde estejam publicadas, seja no Ouro de Tolo ou qualquer outra fonte.

    Somos um só país e estamos todos no mesmo barco. Aconteça o que acontecer, afundaremos ou sobreviveremos juntos.

    Migão, te admiro mesmo, fica chateado comigo não ;)

    Abçs

    Rafael S. Duarte.

    1. Oi, Rafael. Ter cotas e investir no ensino fundamental não são excludentes. Vc pode ter os dois. Ter cotas, do meu ponto de vista, acelera a inclusão social de uma parcela da sociedade que foi excluída durante todo o processo histórico brasileiro.

      Melhorar o ensino básico trará resultados daqui a algumas gerações — as cotas ajudariam gerações que não foram beneficiadas pela melhoria do ensino básico (a grosso modo). É mais ou menos na mesma linha do peixe / vara de pescar.

      Não se investe em ensino básico pq isso não é prioridade de governo algum até hoje. Não existe essa bobeira de que é tudo culpa do governo anterior (o gov FHC inclusive conseguiu aumentar expressivamente a quantidade de crianças na escola), faltam mesmo são medidas fortes no setor. Repito, isso não é prioridade dos governos brasileiros.

      Sobre os demais tópicos colocados (aprovação automática, notebook, etc.), não entendi pq entraram na pauta.

      Tb não sei exatamente pq vc me incluiu nesse fla-flu de BEM PT contra o MAL FHC. Sugiro reler o que escrevi.

      1. Marco,

        Bacanas suas respostas. Obrigado pela boa abordagem é discussão. Apenas algumas pautas entraram a mais mediante algumas colocações dos outros amigos aqui, como o Rodrigo. E quis partilhar a realidade que estamos vivendo na educação universitária mediante o marketing fantástico que recebemos pela mesma mídia criticada. Continuo concluindo que aumentar a proporção de negros em uma sala de aula não altera em nada o retrato real que temos de desigualdade social, medida facilitadora para tampar o sol (os reais problemas) com a peneira (cotas). Acho consistentemente mais digno e primoroso os tornar todos capazes de competir desde o berço para depois vir a obter resultados fundamentados e não temporários e não resolutivos. Quando vamos começar a mudar a real estrutura? Daqui há mais 20 anos? Compensar exclusão social com cotas raciais eh, para mim, Rafael, negro, não nascido em berço esplêndido nem filho do Lula, uma ofensa à minha capacidade de competir baseado em minha estrutura educacional. É ao mesmo tempo tentar afirmar que todos os negros/pardos são desfavorecidos e todos os brancos são favorecidos, o que eh um erro bizarro numa sociedade em que sempre exaltamos a diversidade das cores. Mas essa é a minha opinião e vivência como negro/pardo. E respeito a sua Marcos.

        Enfim, adicionalmente, ressalto que li com carinho e respeito os textos do Gustavo Cardoso em maio de 2014, como sugerido pelo Pedro, discussão e visão bem interessantes, parecem tranquilamente fundamentados, apesar de terem sido escritos antes da Copa, das eleições e da pior crise moral e de corrupção da história do país. As colocações me passaram a leve (ou consistente) impressão de que o governo é isento de culpa, não há solução, e que não temos muito o que fazer a não ser trabalhar e estudar mais, para produzir mais e aí sim podermos dar condições do governo poder administrar melhor as contas públicas e termos educação e saúde de qualidade. E que isso não é falado pelo governo como uma estratégia para não gerar insatisfação … Bem, releio o resumo do que escrevi e acho que não vale à pena eu me alongar sinceramente. Gestão é tudo em qualquer empresa ou instituição, seja de pequeno, médio ou grande porte, independente dos recursos.

        Abraços meus caros, continuarei rezando, estudando e trabalhando por dias melhores,

        Rafael.

      2. “Ter cotas e investir no ensino fundamental não são excludentes. Vc pode ter os dois. Ter cotas, do meu ponto de vista, acelera a inclusão social de uma parcela da sociedade que foi excluída durante todo o processo histórico brasileiro”.

        Qual a lógica de colocar um negro em uma universidade à força? Como disse o Rafael, é só pra ter número? Qual o conhecimento que ele adquiriu para estar lá e se destacar?

        Não tem desculpa. Melhoras no ensino – e no nível de educação do povo – se dá com uma base forte, e não com maquiagem.

        Ah! E existem brancos pobres também.

        1. Rodrigo, hoje as cotas nas universidades são, primeiramente, por renda. Dentro destas, por raça

    2. Rafael, quem citou o notebook fui eu. Em Cubatão, sim, os professores ganham um e usam nas aulas. Tanto que a cidade é uma das que mais evoluiu o seu ensino.

      E sim. Se os professores não usam em aula, eles têm que devolver!

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