Só faltam três quesitos para terminar a nossa série: os quesitos plásticos ou “quesitos do carnavalesco” como também são chamados. Em Alegorias e Adereços, Enredo e Fantasias as mudanças de julgadores foram radicais. Dos doze de 2014, apenas dois foram mantidos para 2015.

Decidi iniciar por Fantasias porque, junto com samba-enredo (alvo do primeiro post da série), foram os únicos quesitos nos quais todos os quatro julgadores foram substituídos.

Em fantasias também há dois subquesitos,  com notas variando entre 4.5 e 5: concepção e realização

Módulo 1

Julgador: Rodolfo Santos

Notas

Viradouro – 9.7 (realização 4.7)
Mangueira – 10
Mocidade – 9.9 (realização 4.9)
Vila Isabel – 9.8 (realização 4.8)
Salgueiro – 10
Grande Rio – 10
São Clemente – 9.9 (realização 4.9)
Portela – 10
Beija-Flor – 10
União da Ilha – 9.9 (realização 4.9)
Imperatriz – 10
Unidos da Tijuca – 9.9 (realização 4.9)

20150216_030721De pronto, repara-se que segundo o julgador todos os carnavalescos tiveram criações excelentes, pois nenhum décimo foi retirado de concepção.

Nesse caso, não tem muito jeito em fantasias. Se o julgador não tira pontos de concepção, ele vira um mero “fiscal de erros” e foi o que ocorreu aqui.

Todas as justificativas foram curtas e objetivas, apenas apontando problemas nas fantasias das alas tais como costeiro caindo, peças quebrando, esplendores se enroscando, etc.

Se o leitor considera isso um bom trabalho de julgamento, então dê os parabéns a ele. Eu não considero, até porque em alguns casos houve problemas de concepção em algumas escolas, apontados por outros jurados inclusive.

Santos simplesmente conseguiu neutralizar 3 dos 5 pontos de julgamento do quesito conforme escrito no manual e retirou todo o julgamento artístico do quesito.

Todas as fantasias feitas este ano estavam adequadas ao enredo?

Ao menos ele manteve o critério de descontos de 1 décimo a menos para cada dois problemas.

Única nota 10 da Mangueira no quesito.

Módulo 2

Julgadora: Helenice Gomes

Notas

Viradouro – 9.7 (concepção 4.8 e realização 4.9)
Mangueira – 9.8 (realização 4.8)
Mocidade – 10
Vila Isabel – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
Salgueiro – 10
Grande Rio – 9.9 (realização 4.9)
São Clemente – 9.9 (realização 4.9)
Portela – 10
Beija-Flor – 10
União da Ilha – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
Imperatriz – 9.9 (realização 4.9)
Unidos da Tijuca – 10

Bom trabalho da julgadora, atenta ao mesmo tempo à transmissão clara do significado das fantasias e a execução das mesmas, despontuando quantidades significativas de fantasia “quebradas” nas alas.

20150217_025432Única ínfima crítica é que a monotonia e repetição de ideias e formas usada para despontuar respectivamente Ilha e Imperatriz teria sido melhor encaixada em concepção do que em realização. Uma filigrana apenas.

Módulo 3

Julgador: Regina Oliva

Notas

Viradouro – 9.6 (concepção 4.9 e realização 4.7)
Mangueira – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
Mocidade – 9.8 (realização 4.8)
Vila Isabel – 10
Salgueiro – 10
Grande Rio – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
São Clemente – 9.7 (realização 4.7)
Portela – 10
Beija-Flor – 9.9 (realização 4.9)
União da Ilha – 9.7 (realização 4.7)
Imperatriz – 10
Unidos da Tijuca – 9.9 (concepção 4.9)

Mais uma julgadora que escreveu bastante e com pertinência nas justificativas. Nenhuma escola poderá reclamar que não sabe porque foi descontada ou que a justificativa não é pertinente ao quesito. Porém trago a este texto três das várias justificativas utilizadas que de alguma forma me chamaram a atenção.

Na Mocidade ela tirou um décimo das inúmeras moscas que vinham à frente das alas pois “elas carregavam placas com os nomes das alas ao invés de estarem ‘zumbizando’ conforme descrito e surgindo em lugares inesperados”.

20150217_050834Não deixa de ser uma visão interessante, mas o problema maior das moscas, em minha singela opinião nem era esse, mas evidenciar a dificuldade em entender os significados das fantasias por si só, sem legendas.

Na Grande Rio, encontrei a justificativa que mais quebrou a minha cabeça. Oliva descontou o que seria um erro do enredo pois “na simbologia dos naipes o ‘ouros’ representa a burguesia (comerciantes) e não a nobreza conforme descrito, sendo a nobreza representada pelas ‘espadas’”.

Achei estranho tal justificativa, afinal, logo no primeiro parágrafo da sinopse a Grande Rio deixa claro que “ouros” é o poder econômico enquanto “espadas” é o poder militar, sendo que normalmente quem compunha o corpo militar eram os nobres. Então fui ao Livro Abre-Alas e lá estava claramente a ala das baianas descrita como “Ouros para a Nobreza”

Só que a principal teoria da criação do baralho, no fim do Século XIV, informa que os naipes foram criados para representar os diversos segmentos da França. Então os “paus” seriam o povo, as “copas” seriam o clero, as “espadas” os militares (normalmente, nobres) e os “ouros” seriam a burguesia.

Há muita controvérsia quanto a esta teoria, mas o fato é que conforme a divisão estabelecida pela própria escola em seu primeiro parágrafo da sinopse, única menção aos significados dos naipes, ela não dá a menor impressão de querer discutir tal teoria majoritária. Logo, realmente o fato apontado pode ser considerado um bizarro erro de enredo.

Ainda sim, continuei achando que isso seria um erro para se descontar em enredo, pois um é erro de argumentação, e não em fantasias, já que a fantasia refletia exatamente a justificativa da escola para a fantasia em si.

Então fui ao Manual do julgador. O primeiro ponto na parte de concepção de fantasias diz que o julgador deve considerar “a concepção e adequação das fantasias ao enredo, as quais devem cumprir a função de transmitir as diversas partes do conteúdo deste enredo”.

Com este “ponto de verificação” fica impossível questionar a justificativa da julgadora. Mas isso cria um ponto interessantíssimo para discussões futuras em relação ao melhoramento do julgamento.

Se a própria escola interpreta errado seu próprio enredo, ela deve perder ponto apenas no quesito Enredo ou também deve perder pontos em Fantasias e Alegorias e Adereços? Sou da opinião que isso deve ser descontado apenas em Enredo.

O mais interessante é que Regina Oliva foi a única julgadora de qualquer dos quesitos a reparar, ou pelo menos a escrever, tal erro.

A terceira justificativa que ressalto aqui é a da União da Ilha, a qual reproduzo abaixo.

“Ala 17, 19 e 21: Realização: O material utilizado para a confecção destas fantasias não causaram um visual estético esperado. Faltou mais criatividade na elaboração das mesmas. Quanto a concepção, a forma e a criação artística não foram bem elaboradas”

20150217_025518Foi uma justificativa muito leve para se descontar 3 décimos em 5 possíveis. Até dá para se perceber que a julgadora seguiu sua linha de descontou e tirou 1 décimo para cada ala com problema. Ainda sim, mesmo sendo em três alas, o problema é o mesmo que se arrastou por 3 alas. Houve um exagero no desconto da realização, ainda mais que mesmo a julgadora relatando também problemas de concepção, decidiu não descontá-la na Ilha.

Única nota 10 da Vila Isabel no quesito.

Módulo 4

Julgadora: Desirée Bastos

Notas

Viradouro – 9.6 (concepção 4.9 e realização 4.7)
Mangueira – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
Mocidade – 9.9 (realização 4.9)
Vila Isabel – 9.8 (concepção 4.9 e realização 4.9)
Salgueiro – 10
Grande Rio – 9.9 (realização 4.9)
São Clemente – 9.9 (realização 4.9)
Portela – 10
Beija-Flor – 10
União da Ilha – 9.8 (concepção 4.8)
Imperatriz – 9.9 (concepção 4.9)
Unidos da Tijuca – 10

Julgadora bastante criteriosa e com olho clínico, terminando suas observações finais com algo que sinto falta em vários outros julgadores: a explicação do próprio método de atribuição de notas.

Bastos, vinda da Escola de Belas-Artes, é a prova que precisamos de mais julgadores com tal formação Ela ficou bastante atenta com tons, formas e cores escolhidas pelas escolas e a contextualizando no conjunto do desfile. Isso ficou bem claro especialmente na Viradouro e na Mangueira. Além disso, demonstrou um conhecimento cultural amplíssimo, o que a ajudou em verificar erros de concepção na Vila Isabel (Sagração da Primavera) e na Imperatriz (a savana estilizada do filme Rei Leão) que nenhum outro julgador reparou.

O único questionamento que pode ser feito é quanto a justificativa da União da Ilha, que transcrevo abaixo.

“Concepção: a escola apresentou diversas alas inspiradas em clássicos da literatura e personagens da mitologia. No entanto, ao invés de realizar uma versão original de todos esses personagens, optou por reproduzir as versões já conhecidas dos estúdios de animação americanos Alas (12, 13, 15, 20 e 21) (-0,2).”

Aqui vejo dois problemas: o primeiro é igual ao de Regina Oliva para a mesma União da Ilha: apesar de serem em 5 alas, o problema é o mesmo. Seria o caso de se retirar dois décimos?

O segundo é que tenho a impressão que tal “falta de originalidade” foi proposital em um enredo que satirizava a beleza. Afinal, nos filmes americanos, tudo é belo e lindo e a vida é uma felicidade sem fim.

20150216_225413Infelizmente não posso me aprofundar no assunto porque a LIESA até hoje, mais de um mês após o carnaval, apenas disponibilizou o Livro Abre-Alas das escolas de domingo. Ou seja, estamos sem nenhuma informação do Livro Abre-Alas das escolas de segunda-feira.

De qualquer forma, Bastos fez um trabalho primoroso de avaliação e julgamento.

Finalizando o quesito, mesmo com a troca dos quatro julgadores, o quesito fantasia foi outro quesito a ter um bom julgamento, tendo apenas o julgador do módulo 1 destoado dos outros três.

3 Replies to “Justificando o Injustificável – Fantasias”

    1. Leonardo,

      Muito obrigado pelo link. Mas a LIESA poderia facilitar e colocar um atalho para cada dia em sua página dedicada aos abre-alas de 2015.

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