Eu já vinha querendo abordar este assunto há algum tempo, mas após as declarações do carnavalesco Jorge Carybé (Renascer de Jacarepaguá, ex-Portela e Mangueira, entre outras, foto ao alto) ao site especializado Tudo de Samba, isto se torna imperativo: a falta de condições financeiras e de estrutura das escolas do Grupo de Acesso do Rio de Janeiro.

Comecemos pelas finanças.

O carnaval do Grupo de Acesso carioca ganhou um grande impulso após o fim da Lesga, entidade que coordenava os desfiles até 2012 – e de triste memória, diga-se. Com a fundação da Lierj, a reestruturação dos desfiles com a divisão em dois dias e a transmissão para o Rio de Janeiro pela Rede Globo, é notório o aumento de visibilidade deste grupo e a melhoria da organização.

barracão_cubangoEntretanto, um problema histórico foi, de certa forma, agravado: a insuficiência de recursos de que estas escolas dispõem para preparar seus carnavais. A transmissão pela Rede Globo evidentemente aumentou a exposição do grupo e elevou o nível requerido dos desfiles, mas as fontes de recursos, que já eram insuficientes, tornaram-se ainda mais.

Vale lembrar que o Acesso encontra as mesmas dificuldades recentes do Grupo Especial: o aumento do dólar encareceu o preço dos materiais, a maioria importados, e muitas destas agremiações ainda confeccionam as próprias fantasias. Como ressalta o carnavalesco na entrevista, “o material novo vende no mesmo lugar do Especial e o preço é o mesmo, fazenda de trinta reais o metro e não temos grana para isso.”

Temos, então, uma questão dupla: o aumento da visibilidade e do público aumentou a exigência de um bom espetáculo, e as fontes de recursos não acompanham esta exigência.

Para o leitor ter uma ideia, uma escola deste grupo, que não irá disputar o título, está estimando gastar 1,2 milhão de reais. Somando-se as verbas oficiais (basicamente, subvenção e direitos de tv/ingressos) e outras fontes diversas, ainda faltam pouco mais de 200 mil reais para fechar o carnaval desta agremiação.

barracão_imperio1Dei um exemplo, mas posso dar outro: uma gloriosa escola deste grupo, sempre favorita apesar de suas crises internas, está reaproveitando quase tudo de carnavais passados, refazendo apenas os adereços de esculturas ou dando uma mão de pintura. Ferragens, madeirame e esculturas são praticamente todas já utilizadas em carnavais anteriores, especialmente nas irmãs “ricas”, as escolas do Grupo Especial.

Essa prática acaba se tornando imperativa, dada a falta de recursos. Na citada entrevista o carnavalesco da Renascer deixa claro isso, quando diz que as escolas se ajudam e vão trocando materiais: uma ripa de madeira que não serve a ele pode servir ao Império Serrano, com quem divide o barracão. Uma escola com uma situação um pouco melhor pode ajudar uma mais necessitada.

Para o espetáculo, está longe de ser o ideal. Mas com as limitações de recursos esta acaba sendo uma prática imperativa. As exceções são a Acadêmicos do Cubango, a Unidos de Padre Miguel (ambas com patronos endinheirados), o Império da Tijuca (que se beneficia de uma maior estrutura por ter estado no Especial ano passado), a Unidos do Porto da Pedra e a Estácio de Sá, que trazem enredos patrocinados. Estas tem um pouco mais de folga em seus orçamentos, mas ainda assim é insuficiente.

barracão_upadre_miguelA própria possibilidade de enredos patrocinados neste grupo é menor que o Especial, dada a menor exposição televisiva. Até o ano passado apenas o Rio de Janeiro e o portal da internet (G1) da Rede Globo viam o desfile ao vivo, o que diminui a exposição. Este ano as afiliadas da Globo poderão escolher entre o Acesso do Rio e o desfile paulista qual exibirão para suas praças, o que já aumenta a exposição nacional do grupo e de seus componentes.

Note-se, também, que o “calote” em enredos patrocinados também é bem comum neste grupo, infelizmente.

Em entrevista ao site especializado Carnavalesco, o presidente da Lierj, Déo Pessoa, reconheceu que as fontes de recursos são insuficientes e que o grupo, no início, pagou pela falta de credibilidade herdada da finada Lesga, de triste memória. Segundo o presidente da associação que organiza este desfile, a partir do ano que vem ele considera que haverá condições de pleitear um aumento nas fontes de recursos, pelo menos na subvenção oficial.

Mexer no contrato de tv, outra alternativa, é mais complicado: a assinatura foi por cinco anos (2015 será o terceiro) e desconheço a existência de uma cláusula de renegociação de valores.

Uma coisa é certa: este modelo financeiro das escolas do Grupo de Acesso é absolutamente insustentável.

O segundo ponto é a estrutura dos barracões.

Novamente, nas palavras do carnavalesco da Renascer de Jacarepaguá: “O barracão é uma merda. Eu amo esse prefeito Eduardo Paes, (…) voto nele, todo ano promete a cidade do samba com essas escolas faveladas e nada acontece. Ficamos aqui numa merda, num calor, numa sujeira, cada ratazana que parecem meus gatos e querem exigir espetáculo à altura do Grupo Especial, já que passa na Tv Globo. Mas eles prometem que vão fazer cidade do samba na Mangueira, não sei onde, e a gente vive neste inferno. Só olhar, parece bom mas não é. Tem terra, não tem um piso adequado, não temos sala, banheiro, não tem nada e mesmo assim pensamos que bom que não estamos no relento.”

Traduzindo o desabafo do carnavalesco: as escolas deste grupo estão em barracões improvisados, longe da estrutura da Cidade do Samba de que dispõem as escolas do Grupo Especial. Além de estarem em barracões improvisados, as agremiações ainda lidam com outra questão: elas terão de desocupar os espaços que ocupam após o carnaval, por conta das obras de revitalização da região portuária do Rio de Janeiro.

Paulo Menezes, Carnavalesco do União do Parque Curicica
Paulo Menezes, Carnavalesco do União do Parque Curicica

Existe a promessa por parte da Prefeitura no sentido de se construir uma “Cidade do Samba 2”, já há pelo menos dois ou três anos. Se falou em Benfica, se falou em local próximo à Quinta da Boa Vista, mas até agora não saiu do terreno das promessas. É outro fator que impede o crescimento do nível dos desfiles deste grupo, pois não há a estrutura adequada para a preparação de alegorias (especialmente) e fantasias.

O próprio presidente da Lierj, na entrevista citada, reconhece isso: “Tivemos a promessa de dois espaços para a Cidade do Samba 2, mas não vingou. Eram promessas do prefeito. O que eu sei é que estamos sofrendo muito. A condição de trabalho está cada vez pior. Temos consciência que estamos atrapalhando as obras na região. Não teremos para onde voltar depois do carnaval. Pedimos encarecidamente ao prefeito uma ajuda.”

A própria Rede Globo, em seu telejornal “Bom Dia Rio”, vem fazendo uma ótima série escola a escola com as dificuldades enfrentadas pelas escolas deste grupo com a falta de recursos – tanto financeiros como de estrutura em seus barracões – e mostrando os “jeitinhos” que elas dão para conseguir colocar seus carnavais na avenida. Aqui o leitor pode ver o capítulo mais recente, dedicado à Acadêmicos de Santa Cruz, mas toda a série está disponível no canal de vídeos do programa.

Ou seja: as escolas deste grupo estão vivendo um drama para colocar seus carnavais na avenida, tanto em termos financeiros – principalmente – como na falta de condições de trabalho. As fontes de recursos (excetuados patrocínios de enredos) não suprem sequer 50% dos valores necessários a um carnaval para se disputar o título e a ascensão ao Grupo Especial. Urge uma atenção a este quadro, de forma a haver um equilíbrio financeiro entre as receitas e as despesas necessárias para se colocar o carnaval na rua da forma que se faz necessário.

29_MHG_RIO_3001_carandiruHoje, este equilíbrio não existe.

Finalizando, uma nota sobre o Grupo Especial: notícia no jornal O Dia informou ao grande público que o governo do Estado resolveu – a menos de um mês do carnaval – não repassar a sua parcela de subvenção para as escolas deste grupo – em 2015, seriam aproximadamente R$500 mil para cada escola.

Além de prejudicar um planejamento financeiro já feito para o carnaval deste ano com este corte “em cima da hora”, somando-se à provável perda do patrocínio da Petrobras às escolas (ainda não confirmada oficialmente) significa uma perda considerável que pode criar dificuldades ao fechamento financeiro das agremiações do grupo principal.

Mas este é assunto para outro artigo.

Imagens: Carnavalesco

10 Replies to “O drama financeiro das escolas do Grupo de Acesso”

  1. Olá! Trabalho na programação da TV Globo e não existe essa de que cada afiliada vai poder escolher qual desfile vai passar na sexta e no sábado. O sinal do acesso não estará disponível para todo o Brasil, apenas para o estado do Rio. Se houver alguma transmissão, vai ser por negociação individual de cada afiliada. Aqui na praça onde trabalho, por exemplo, não foi dada escolha. Vamos de SP.

    1. Prezado Guilherme, a informação me foi dada por fonte da emissora aqui no Rio. De qualquer forma, fica registrada a sua ressalva. Abraço

    2. Guilherme Ferreira também concordo com vc 95% escolheram o desfile de São Paulo. acho que talvez partes de Minas Gerais, Espírito Santo ou algum lugar do Nordeste deva ser na Série A

        1. Ee confirmou essa da Série A dividindo com o Grupo Especial Paulista, era boataria, não existe isso, pois a Globo sempre achou o desfile da LIERJ, um quanto como regional, só para o Rio de Janeiro mesmo. e todas as afiliadas mesmo tendo o direito de escolha vão mesmo de SP, mesmo. não há motivos dessa divisão.

  2. Incrível o jogo de empurra da Prefeitura nessa questão. É inconcebível se exigir um carnaval de nível dessas escolas diante a total falta de infraestrutura para realização dos seus carnavais. E justamente num momento em que temos uma transmissão televisiva de maior visibilidade, o espetáculo perde plasticamente. Inacreditável que não haja ainda um local para as escolas retornarem após seus desfiles.

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