No fim de ano, as retrospectivas chovem por todos os lados. O Ouro de Tolo resolveu entrar nessa e eu fui o responsável por hoje fazer a do Carnaval Carioca.

Retrospectivas carnavalescas são um pouco diferentes, pois como a folia já é no início do ano, ela já começa agitada, com as escolas já em temporada de ensaios, de quadra e de rua.

O desse ano não foi diferente e começamos o ano já na forte preparação para um Carnaval na qual a grande expectativa era quanto as atuações das “velhas senhoras” Portela e Mangueira que haviam trocado de diretoria após desfiles nada competitivos consecutivos de ambas. Mas antes do desfile as notícias balançaram bastante o mundo carnavalesco.

Foi exatamente da Portela que surgiu a primeira notícia digna de nota do ano, ainda no dia 8 de janeiro: faltando mais de um mês para o carnaval 2014, a escola já divulgou que o tema de seu enredo para 2015 seria os 450 anos da cidade do Rio de Janeiro, que se completarão duas semanas depois da folia do ano vindouro.

20140309_015304A notícia tomou de surpresa a todos. Outras escolas reclamaram, disseram que também queriam verba da prefeitura para falar do tema. Logo após, surgiram boatos que a Ilha também estava em negociação.

A Imperatriz logo disse que também queria falar dos 450 anos para receber patrocínio da prefeitura. O presidente da LIESA propôs um sorteio entre as interessadas. A Portela se defendeu que já havia firmado compromissos. A Prefeitura se calou e assim o assunto foi posto na ‘geladeira’ porque todos ainda precisavam se focar nos desfiles de 2014 antes de pensar em 2015.

Mal essa história foi esquecida, o então vice-presidente do Salgueiro, Marcello Tijolo, foi baleado saindo do trabalho e ficou internado em graves condições. Ele se recupera, as notícias surgidas demonstram consistentes melhoras e, de repente, há uma grave piora e ele falece. Uma história com muitas interrogações e poucas certezas que abalou o pré-carnaval e tirou um pouco do brilho do mesmo.

Quando nada mais se esperava de janeiro, eis que uma terceira bomba surge no dia 31: uma decisão da justiça cassa o mandato de Paulo Vianna como presidente da Mocidade faltando pouco mais de um mês para o desfile. Assumiu como presidente o seu vice, Vô Macumba.

Após um janeiro tão intenso, fevereiro foi um mês mais “normal”. As escolas andando para terminar seus barracões, preparando e fazendo seus ensaios técnicos. Tudo para fazer o melhor possível nos desfiles de começo de março. Mas dois barracões na Cidade do Samba chamaram bastante a atenção por motivos opostos.

A Mocidade, bastante atrasada, corria como uma louca para fazer seu barracão em pouco mais de um mês com o dinheiro aportado pelas novas pessoas que chegaram junto à nova gestão. Os caminhões não paravam de chegar e sair trazendo materiais. Entre estes, madeira e muito isopor, que costumam ser mais usados em fases bem anteriores da construção dos carros, o que demonstra o grande atraso.

20140303_224329Algumas escolas, com barracões mais adiantados chegaram a doar mão de obra para ajudar a Mocidade a terminar seu trabalho. Entre as que puderam se dar a este luxo, depois quase uma década de barracões constantemente atrasados, a Portela.

Enquanto isso, a outra escola atrasada, Vila Isabel, continuava mergulhada em grave crise política e seu barracão não andava. Alias, não andou até o fim do carnaval: os carros alegóricos passaram mal-produzidos, inacabados e muitas alas com fantasias incompletas.

Assim, chegamos ao carnaval. A Viradouro ganhou com justiça a Serie A, devolvendo Niterói para o Grupo Especial. Enquanto isso o grupo especial teve um desfile equilibrado, no qual não houve uma campeã clara. Salgueiro e Tijuca mantiveram o nível de ponta de seus últimos desfiles, mas com falhas, e pelo título receberam a concorrência da Portela, que confirmou sua ressurreição com um belíssimo desfile. Já a Mangueira não fez um desfile tão bom e não poderia esperar outra coisa além do meio da tabela. A Ilha fez seu melhor desfile desde Festa Profana (1989), mas insuficiente para competir pelo título; enquanto a Grande Rio ressurgiu com um belíssimo trabalho do carnavalesco Fábio Ricardo em um enredo patrocinado bastante complicado.

Já a Vila realmente estava tão mal que seu presidente pediu nos alto-falantes da Sapucaí antes do desfile para os jurados “não julgarem a Vila pelo que eles verão, mas pela história da Vila Isabel”. Não é que o pedido deu certo? Em meio a um péssimo trabalho de alegorias, um dos piores que já se viu nos últimos dez ou 15 anos, a jurada Helenise Guimarães ainda teve coragem de dar uma nota 10 para a escola em Alegorias e Adereços.

A polêmica em torno dessa nota foi tão grande que todos se esqueceram dos 40 pontos conseguidos no quesito pela Tijuca apesar do acabamento bastante inferior dos carros dessa em relação a outras escolas. Ao fim, a Vila se safou de um rebaixamento, o qual deveria disputar décimo a décimo com a São Clemente. Só que a amarelo-e-preto também se safou e, para surpresa de 19 em cada 20 pessoas, a emergente Império da Tijuca foi a rebaixada.

padremiguel2Outras notas absurdas, mas que foram esquecidas porque a escola conseguiu se manter na Serie A egressa do Grupo B, foram as notas de samba-enredo dadas ao clássico “Os Sertões”,  samba Estandarte de Ouro do Grupo Especial de 1976 da Em Cima da Hora, reeditada neste ano pela mesma. Pois os jurados da Série A de samba-enredo deram dois 9,6 e um 9,9 ao samba que muitos consideram o melhor de todos os tempos…

Passado o carnaval, muita gritaria contra o rebaixamento da Império da Tijuca e algum choro pelo 7° lugar da Beija-flor, ela que primeira vez desde 1992 ficou fora do desfile das campeãs, veio março, aquele típico mês de marola no meio carnavalesco, no qual são poucas as notícias e muitos os boatos da “silly season” do carnaval.

Porém, no meio de boatos, mesmo não sendo tanta surpresa (a especulação era antiga), a notícia que mais impressionou a todos foi a saída do carnavalesco-sensação e atual campeão Paulo Barros da Unidos da Tijuca para a Mocidade. A ideia é resgatar a alma inovadora que sempre permeou a escola de Padre Miguel e fazer uma retomada da escola em moldes parecidos ao da Portela.

Mas o que realmente gerou muita conversa de pé-de-ouvido foi o valor do salário anual oferecido pela Mocidade. Alguns falaram em 1,5 milhão, outros em 2 milhões de reais. Não se sabe oficialmente até hoje qual foi o valor acertado, mas esses valores chegam a ser surreais, se comparamos com o que o uma escola costuma gastar para fazer um carnaval no Grupo Especial: 8 milhões (10 para uma escola de ponta).

20140913_021236Mas surreal foi mesmo o enredo que a Portela escolheu para homenagear a cidade do Rio. A Majestade foi a primeira a revelar o título de seu enredo, ainda em março, quando anunciou que iria trazer um olhar de Dali e seu surrealismo para abordar a cidade do Rio de Janeiro. A Portela também foi a primeira a divulgar a sinopse, no final de maio.

Entre esses dois acontecimentos, duas eleições de presidente nas Escolas de Samba do Especial ocorreram. A Vila Isabel finalmente pôs um ponto final em sua guerra interna com a aclamação em chapa única de Elisabete Aquino, a Beta, histórica componente da escola e chefe do atelier da mesma em eleição tranquilíssima.

O Salgueiro também reelegeu em chapa única a atual presidente Regina Celi, porém de forma nem tão tranquila. Houve a inscrição de duas chapas de oposição, uma delas encabeçada pelo intérprete de longo tempo da escola, Quinho. Ambas as chapas foram impugnadas por falta de assinaturas necessárias de sócios em dia, fato que foi contestado por Quinho na justiça. O processo ainda não obteve sentença, mas o pedido cautelar feito por Quinho foi negado.

Entre o fim de abril e o início de junho, as escolas foram revelando seus enredos e ficou claro que as discussões sobre enredos de 450 anos da cidade realmente foram esquecidas. Não houve nenhuma atitude nem da LIESA, da Prefeitura ou das escolas e após a Ilha anunciar seu enredo sobre beleza, ficou claro que a Portela ficou como a única escola a tratar do tema dos 450 anos da cidade no Grupo Especial – e sem patrocínio da Prefeitura (talvez por isso mesmo as outras tenham desistido).

Houve ainda outros enredos dignos de nota nesta época de revelações, como o enredo Afro da Imperatriz, o primeiro da escola desde o longínquo 1979, e o polêmico enredo da Beija-Flor sobre o país Guiné Equatorial. Ao mesmo tempo que marca a volta da Beija Flor aos temas africanos depois de 8 anos marca uma ode a uma ditadura violenta que dura o mesmo tempo da seca de enredos afro da Imperatriz, a mais longa da África.

Outro enredo de destaque foi o da Mocidade: finalmente Paulo Barros emplacou seu enredo sobre o último dia do mundo, algo que ele já queria levar para a avenida fazia dois ou três anos.

Mas a grande novidade dos temas foi da Viradouro que, invertendo a lógica que se segue há anos, não fez samba-enredo da sinopse, mas fez sinopse do samba-enredo. Alias, nem do samba-enredo, dos “sambas de meio-de-ano”. A escola anunciou que sua sinopse seria inspirada nas composições de Luiz Carlos da Vila “Nas Veias do Brasil” e “Por um Dia de Graça”, que nunca foram feitas para a avenida, que seriam fundidas para fazer o samba enredo da escola.

Durante a divulgação dos temas e das sinopses, tiveram que apressar as festas de sorteio da ordem dos desfiles da Serie A e do Especial, que voltaram a ocorrer separadamente após dois anos, porque durante o período tradicional, meio de junho, teríamos a Copa do Mundo. Não uma Copa qualquer, mas uma Copa no Brasil. Qualquer outro evento ficaria em segundo plano.

Assim foi feito: o da Série A foi sorteado no dia 31/05 e o Especial no dia 9 junho. Péssimas notícias para duas escolas tradicionalíssimas: Mangueira e Império Serrano, que ficaram em posições complicadíssimas em seus grupos. Sobrou a 3ª de sexta-feira para a Serrinha e a 2ª de domingo para a Estação Primeira.

O tempo foi passando, julho chegou, as escolas da Serie A, que fizeram suas finais de samba-enredo antes, em setembro, já estavam com seus concursos a todo vapor.

Mas o que todos se perguntavam era: “E a Grande Rio?”.

Pois é, a Grande Rio dominou todas as conversas sobre carnaval entre julho e agosto. Isso porque enquanto todas as outras escolas já haviam divulgado suas sinopses e as mais adiantadas também já começavam seus concursos de samba-enredo, não havia nenhum sinal sequer do tema do Enredo da escola de Duque de Caxias, muito menos da sinopse.

Muitos temas eram especulados, Uberaba, Ubá, SENAC, SENAI; mas nenhum anunciado. Julho passou inteiro, agosto já rompia sua metade e nada. As outras escolas já contavam várias rodadas eliminatórias do concurso e os compositores de Caxias nem podiam começar seus trabalhos.

Começou a haver forte especulação sobre uma encomenda de samba por parte da Escola, por absoluta falta de tempo para composição e disputa, e enquanto isso a pergunta só ecoava “E a Grande Rio?” “E a Grande Rio?” “Será que um enredo patrocinado é tão importante assim para a escola?”

Até que no dia 20 de agosto finalmente a Grande Rio revelou o seu tema: um interessante enredo sobre baralhos. Segundo a escola, um tema autoral do carnavalesco Fábio Ricardo sem qualquer patrocínio, mas de temática muito parecida com o da escola paulistana Gaviões da Fiel que passará no Anhembi neste 2015.

Detalhe: a data é tão atrasada que nem Nilo Figueiredo, em seus nada saudosos tempos de Portela, ousou fazer nada parecido. O tema mais atrasado da era Nilo saiu em 22 de julho. Foi em 2010 para o Carnaval 2011.

Fabinho teve que correr com a sinopse, que foi entregue apenas dois dias depois. A Grande Rio não encomendou samba e preferiu sacrificar o tempo de disputa na quadra para os compositores terem mais tempo para preparar suas músicas. Assim os compositores só precisaram entregar os sambas no dia 13/09 e a escola teve apenas um mês de disputa na prática (quando o normal são 8 ou 10 semanas dependendo da escola, às vezes até mais).

Depois do fim do suspense caxiense, pudemos presenciar aos poucos em setembro a construção de uma das melhores safras de samba-enredo da história da Serie A. As finais se sucediam e um samba melhor que o outro era escolhido, formando uma coleção comparável a histórica de 1992.

Obs: para quem quiser mais detalhes desta safra, recomendo minhas duas colunas sobre ela: sexta-feira e sábado.

Já em outubro, todas as atenções ficaram com as finais de samba-enredo do grupo Especial. A safra que resultou foi polêmica, com alguns a classificando como boa, outros como razoável mesmo que inferior em relação à dos anos anteriores e outros como péssima. Discussões à parte a unanimidade é que não parece não haver nenhum samba arrasa-quarteirão na safra apesar da popularidade que vem sendo alcançada por algumas composições.

Como polêmica pouca é bobagem e o Carnaval Carioca estava há algum tempo sem uma, Novembro já nos reservou uma bomba logo em seu começo.  Em reunião Plenária, a LIESA resolveu extinguir por quase unanimidade oficial (único voto contra foi da Unidos da Tijuca) o quesito Conjunto e dos 36 jurados restantes dos outros 9 quesitos, vetar 20 deles para não mais fazerem parte do corpo de jurados para 2015. Uma renovação de mais de 50% na mesma tacada. Claro que a boataria de quem seria prejudicado e quem seria “ajudado” na nomeação desses novos jurados começou instantaneamente.

A LIESA ainda não divulgou a lista dos Jurados para o Carnaval 2015 nem divulgou publicamente os 20 nomes a serem trocados; apenas os próprios jurados foram avisados. O que se comenta em off atualmente é que alguns quesitos tiveram todos os seus 4 jurados vetados, entre eles alegorias e adereços e samba-enredo. Interessante notar que, enquanto os jurados do 1º quesito vem sendo bastante criticados por suas notas, os jurados de samba-enredo foram bastante elogiados, especialmente em 2013 e 2014.

Ou seja, a se confirmarem estas notícias, as escolas teriam agido com a mesma incoerência que permeariam as notas dos jurados das quais elas tanto reclamam.

20140304_051638Já em Dezembro a grande notícia foi a ousadia da LIERJ (Liga das escolas da Serie A) em fazer diferente da LIESA e abrir a festa de lançamento do CD para o público em um grande evento no Terreirão do Samba. Apesar da data não ter sido boa – coincidiu com o tradicionalíssimo “Trem do Samba” rumo a Oswaldo Cruz – a ideia foi aprovada, todos gostaram e o sucesso da festa parece ter despertado na LIESA a ideia de também abrir ao público sua festa. Resta agora conciliar as datas, pois serão três eventos que costumam ocorrer na mesma semana e que, se ocorrerem de forma concomitante, se matarão mutuamente.

De resto, o carnaval está passando dezembro tranquilo com todos os barracões da Cidade do Samba caminhando a contento, mesmo que sem tanto luxo como nos outros anos devido ao não fechamento de certos patrocínios que eram tradicionais para a LIESA como Unimed e Coca-Cola e à proibição dos “puxadinhos” nos barracões da Cidade do Samba.

Como estamos no mundo do samba, o ano não podia encerrar sem uma polêmica e a desse ano veio semana retrasada na Unidos de Vila Santa Tereza, escola da Serie B (3ª divisão do carnaval carioca).

Em decisão nunca vista antes, dois dias após a escola anunciar um samba na final como o vencedor do concurso de samba-enredo da escola, a presidente da Vila Santa Tereza avisa que o samba vencedor não é mais o vencedor e que o hino oficial da escola para 2015 seria o segundo colocado no concurso, pois o resultado da eleição do vencedor teria sido resultado de uma fraude de alguns diretores da escola que participaram da votação.

Apesar da forte decisão e dos termos utilizados, se há alguma prova mais contundente no sentido de fraude, nada foi mostrado ao público ainda, fato que causou grande indignação aos compositores antes vencedores, que entraram na justiça contra a Presidente da escola.

É um assunto tão intrigante e estranho que até o mundo naturalmente fofoqueiro do samba está evitando “meter a colher”. De qualquer forma, é um fato altamente inusitado para encerrar o ano do Carnaval Carioca.

Assim chegamos ao romper do ano, que já anuncia a proximidade do Carnaval 2015 para começar tudo de novo e não se acabar na quarta-feira.

A cobertura do carnaval 2014 do Ouro de Tolo: http://www.pedromigao.com.br/ourodetolo/tag/carnaval-2014/

A cobertura de 2015: http://www.pedromigao.com.br/ourodetolo/tag/carnaval-2015/