O estado de São Paulo vive uma das suas piores estiagens da sua história. Pouca chuva no ano de 2014 e a falta de planejamento do governo do estado criaram um barril de pólvora no interior. Durante a campanha eleitoral para governador deste ano, a oposição bateu na questão da falta de água. O governador saiu pela tangente. Geraldo Alckmin batia na tecla de que, nas cidades abastecidas pela Sabesp, a água não faltava e que a culpa era de São Pedro.

O reservatório Cantareira não existe mais. O volume morto do reservatório bate recordes negativos a cada dia. Na primeira semana após a eleição, o nível era de pouco mais de 5,0%. Dez dias depois, esse nível é de 4,3% e caindo. A chuva não vem e a situação piora a cada dia.

Culpar São Pedro pela crise hídrica do estado é fácil e exime de culpa os verdadeiros culpados pelo problema instaurado no mais rico estado da Nação. Porém, ao contrário do que o governador fala, a culpa é sim do seu governo. Segundo a relatora das Nações Unidas, Catharina de Albuquerque, é sim do governo. Em entrevista à Folha de S. Paulo, a portuguesa disse que parte do problema não poderia ser previsível, mas a seca em si era prevista.

No passado, em 2012, a Sabesp enviou um relatório para a Bolsa de Nova York onde alerta os investidores sobre a estiagem e o impacto para as finanças a partir de abril de 2014. O relatório foi enviado para Comissão de Valores Mobiliários também em abril. A Sabesp admitiu que há dois anos observa chuvas abaixo da média e que tomou uma medida mais firme para enfrentar o problema apenas em fevereiro deste ano.

O futuro ainda é incerto. Os investimentos da Sabesp em abastecimento devem ser menores nos próximos dois anos. Segundo matéria da Folha de S. Paulo de 14 de março de 2014 mostra que os investimentos aplicados este ano pela companhia são de cerca de R$981,1 milhões. Em 2016, eles devem cair para R$784,4 milhões.

Sabesp(19)A Sabesp, em 1994, se tornou uma empresa mista com 50,3% das ações do estado e 47,7% com investidores brasileiros e estrangeiros. O estatuto social da Sabesp determina que os acionistas podem receber 25% do lucro líquido anual da empresa. Em 2003, um ano após Geraldo Alckmin ser reeleito governador, 60,5% do lucro líquido foram para o caixa dos acionistas. Desde então, o payout nunca foi registrado abaixo a 26,1%.

Dados divulgados em março de 2014 pela Diretoria Econômico-Financeira e de Relações com os Investidores apontam que, nos últimos dez anos, um terço do lucro líquido da empresa foi para os acionistas. O montante gira em torno de R$ 4,3 bilhões, o dobro do que a Sabesp investe anualmente em saneamento básico.

O governo do estado ignorou e aqueles que poderiam agir atrasaram. Dois dias após a reeleição, ainda em primeiro turno, de Geraldo Alckmin, o Ministério Público de Campinas e Piracicaba resolveram agir. Ajuizaram uma ação civil onde ressaltou a necessidade de coibir o uso indiscriminado da segunda parte do volume morto, pela Sabesp. O Ministério Público pede uma vazão de 3,75 m³/s para a bacia do PCJ.

Até hoje, 35 cidades paulistas adotaram o racionamento de água, atingindo cerca de 3,8 milhões de pessoas. Outras cidades adotaram outros sistemas. Americana adotou o rodízio de reservatórios para igualar a distribuição por toda a cidade. Nova Odessa também já usa o volume morto da sua represa, que abastece 60% da cidade.

A cidade de Itu virou um verdadeiro barril de pólvora em busca da água. Mesmo antes do primeiro turno das eleições, a cidade já passava por protestos de moradores. A cidade virou um caos com protestos violentos e que chegaram até a prefeitura da cidade. Passada a eleição para governador, os protestos continuam e, agora, a situação piorou. Na última semana, protestos praticamente todos os dias na cidade. No último protesto, 250 pessoas fecharam as rodovias SP-75 e SP-79. Moradores atearam fogo em pneus e houve confronto com a polícia.

Após o Ministério Público ter ajuizado a ação contra a utilização do segundo volume morto, a situação da água ficou mais caótica na região de Campinas. Uma das regiões mais ricas e populosas do estado está há dias com regiões sem abastecimento de água. A cidade governada pela dobradinha PSB/PSDB passou o primeiro final de semana após as eleições com parte da cidade na seca. A região Sudoeste da cidade ficou sem o abastecimento por mais de quatro dias. A Sanasa, autarquia municipal responsável pelo abastecimento, diz que não há racionamento na cidade e que os desabastecimentos são pontuais.

Os moradores de Campinas também protestaram contra a falta de água. Na última terça-feira, 150 pessoas interditaram trechos de dois bairros que estão sem água. A Sanasa enviou caminhões-pipa para auxiliar no abastecimento da região.

Entre o dia 10 e 14 de outubro, a empresa reduziu a captação três vezes porque o nível baixo do rio fez aumentar a concentração de resíduos e impossibilitar o tratamento de água com quantidade máxima de produtos químicos permitida pela legislação.

A falta de água fez com que os moradores buscassem água por mais de 15 km a pé no dia mais quente do ano na cidade. O caso foi flagrado pela reportagem da rádio CBN Campinas que acompanhou os moradores da região dos DICs que tiveram que buscar água em uma mina na cidade de Itupeva. A fila para encher os galões passava de duas horas.

Ultima aparição de Jonas Donizette foi em evento do PSB. Ele aparece em pé no canto atrás de Carlos Siqueira.Se não bastasse a seca, incêndios começaram a surgir pela cidade. No dia 05, um incêndio danificou um galpão abandonado no bairro São Bernardo. Em 24 horas, três casos foram registrados na cidade de Campinas. No dia 14, um incêndio atingiu um supermercado no parque Jardim Viracopos, na noite do mesmo dia, outro numa fábrica de colchões no Jardim Montreal. O Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim foi vítima na manhã do dia 15. Em Valinhos, um incêndio atingiu uma área na segunda de manhã e só foi controlado na tarde de terça-feira.

Enquanto Campinas passa por tudo isso, a Sanasa se calou e só se pronunciou com a imprensa nessa quarta-feira. O prefeito foi procurado por diversos órgãos, mas Jonas Donizette (PSB) não está na cidade há dias. A última aparição pública dele foi dia 08, em Brasília, no evento do partido de anúncio do apoio ao presidenciável Aécio Neves.

Ao que parece, para os legisladores do estado, o problema não é a falta de água e tudo está bem já que o perigo maior era o PT chegar ao poder.

[N.do.E.: o jornalista Henrique Brazão passa a assinar uma coluna quinzenal nesta revista eletrônica a partir de hoje]

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