Nesta quinta-feira, o jornalista esportivo Fred Sabino comenta o julgamento do Grupo Especial do Rio de Janeiro e discorre quesito a quesito os problemas vistos em algumas notas, além de fazer um balanço das colocações finais.

Um julgamento inaceitável

Já vi julgamentos estranhos mas muito do que aconteceu ontem no sambódromo foi absolutamente bizarro. Notas inaceitáveis para diversas escolas, tanto para o bem como para o mal, de julgadores que inexplicavelmente não viram erros crassos cometidos por algumas agremiações e injustamente ‘canetaram’ outras.

Se a vitória da Unidos da Tijuca não foi um absurdo, pois, apesar de a Portela ter sido superior, a escola do Borel realmente fez um ótimo desfile, outras colocações foram incompreensíveis, principalmente a do Império da Tijuca, absurdamente rebaixado mesmo tendo feito um desfile superior a São Clemente e Vila Isabel – aliás, as notas da escola de Noel nos quesitos plásticos foram um verdadeiro acinte.

Também causaram estranheza algumas despontuações de Portela, Beija-Flor e Mangueira em quesitos nos quais as escolas tiveram bom desempenho. Já o Salgueiro, apesar de ter feito um brilhante desfile, teve erros em harmonia e evolução que foram pouco apontados, o que mudaria a parte de cima da tabela.

Agora, um balanço quesito a quesito:

Enredo – Antes de tudo, vale frisar que as notas deste quesito não são atribuídas única e exclusivamente pelo fato de o enredo ser “legal” ou não, mas sim se foi desenvolvido da forma prevista e se as ideias foram passadas de maneira clara. Não foi um dos quesitos mais bizarros de 2014.

Fantasia – Eis aqui o grande absurdo da apuração. Isso porque a Vila Isabel, a despeito de ter desfilado com diversas alas desfalcadas e com fantasias incompletas e mal acabadas, foi despontuada em apenas 0,5 somando as notas válidas. Ou seja, para os péssimos julgadores deste quesito, a Azul e Branco teve um conjunto de fantasias no mesmo nível da Beija-Flor, que teve figurinos completos e superiores. A julgadora Lúcia Simas, então, abusou da incompetência: colocou a Vila no mesmo patamar (9,8) de Beija-Flor, Salgueiro, Imperatriz e São Clemente e acima do Império da Tijuca (9,6), todas com fantasias muito melhores. Com toda a razão, o presidente do Imperinho, Antonio Carlos Teles, afirmou: “Vou fazer um enredo de cueca. Não precisa mais de fantasia”.

Alegorias e Adereços – Outro julgamento vergonhoso. A Portela, a despeito de ter se apresentado com o conjunto alegórico mais bem acabado, luxuoso e pertinente ao enredo entre todas as escolas, não levou nenhum dez, o que a matou na briga pelo título. A Mangueira, que deveria ter sido despontuada apenas no módulo em que teve o incidente com o carro do índio na torre de TV, também não levou nenhum dez apesar de ter tido carros de muito bom gosto e acabamento. Da mesma forma, o Salgueiro, que teve um conjunto alegórico brilhante, foi despontuado por todos os jurados – talvez pelo denominado “carro da Nissan”, que estava abaixo dos demais. E a Vila Isabel, que teve alegorias mal acabadas e de gosto duvidoso, chegou a levar um dez e, para os jurados, esteve no mesmo nível ou superior do que Portela, Mangueira, Beija-Flor e Salgueiro. Além disso, a União da Ilha, que teve algumas alegorias apagadas (foto) e uma tombando no meio da pista, foi pouco despontuada para o que se viu.20140303_232514

Mestre-Sala e Porta-Bandeira – Este é um julgamento que não me sinto apto a opinar com precisão, pois, além de ser mais subjetivo, não consegui acompanhar todas as apresentações. Pelas notas, não houve algo discrepante demais que me chamasse a atenção.

Samba-enredo – Entre tantas aberrações, finalmente um quesito julgado com um pouco mais de coerência. Mas… A União da Ilha tem motivos para reclamar, pois foi prejudicada neste quesito, afinal seu samba-enredo recebeu duas notas 9,7, um exagero. E a Unidos da Tijuca, que tinha um samba mediano, levou notas muito altas. No mais, um julgamento correto, principalmente por parte do jurado Alexandre Wanderley, que, sem exagero, foi o mais preciso de todos os 40 julgadores, canetando quem deveria e dando dez a quem merecia. Para nós que gostamos de samba-enredo não deixa de ser um alento o quesito mais importante do Carnaval ser julgado de forma mais adequada.

Harmonia – Outro quesito mal julgado. Afinal, Portela e Unidos da Tijuca, que foram perfeitas durante todo o desfile, com as alas cantando o tempo todo em ótimo entrosamento com o carro de som, foram despontuadas. Já o Salgueiro (principalmente) e a União da Ilha, que foram irregulares ao longo da pista, receberam notas mais altas.

Evolução – Depois dos quesitos plásticos, foi o pior julgamento. Salgueiro e União da Ilha, que tiveram claríssimos problemas e correram demasiadamente da metade para a frente do desfile, além de terem tido buracos visíveis, foram pouco ou nada despontuados. Portela e Unidos da Tijuca, que foram perfeitas no quesito e evoluíram de forma coesa e constante do começo ao fim, foram despontuadas por algum jurado – nos dois casos, a nota foi descartada.

Conjunto – No geral, não foi um quesito tão mal julgado, exceto pelo Império da Tijuca, que foi massacrado injustamente pelos jurados, e pela Vila Isabel, que, pelos inúmeros problemas, deveria ser mais despontuada, afinal, como o próprio nome diz, Conjunto é uma visão geral do desfile, analisando todos os aspectos.

Comissão de frente – Outro quesito no qual as notas foram muito distorcidas. A Mangueira, que teve uma das melhores comissões do ano, a ponto de ser agraciada com o Estandarte de Ouro, não levou nenhum dez, incrivelmente. Outra que recebeu despontuações inconcebíveis foi a supercriativa comissão da União da Ilha. Injustiças à parte, penso que, a exemplo do que ocorre na Série A, os tripés deveriam ser proibidos pois esses monstrengos que têm sido usados descaracterizam o quesito, que a priori serve para apresentar a escola; além de que são elementos tão grandes que me parecem mais carros alegóricos disfarçados.

Bateria – Não foi um dos piores julgamentos do ano, mas as baterias de Mangueira e Mocidade (principalmente) foram despontuadas indevidamente. Insisto que, mais do que as paradinhas e bossas, que, concordo, dão molho aos desfiles, o maior valor deste quesito deveria ser dado à cadência da bateria e à manutenção do ritmo durante o desfile. Nisso, ninguém esteve melhor do que a Beija-Flor, que corretamente recebeu quatro notas 10, e a Mocidade, lamentavelmente despontuada. Outras baterias em ritmo de frevo foram pouco canetadas. Pena.

Antes das considerações finais, deixo claro aqui que o objetivo dos textos de Carnaval do Ouro de Tolo não é denegrir a imagem de nenhuma escola ou defender alguma outra, mas sim alertar para erros que vêm sendo cometidos no julgamento dos desfiles, seja agora ou no passado (o que sempre apontamos na série Trinta Atos).20140302_000032

Torcemos para que os jurados sempre deem as notas mais corretas possíveis e, até que provem o contrário, acreditamos na isenção e boa índole dos julgadores. Mas fato é que ocorreram aberrações no que foi um dos julgamentos mais bizarros já vistos na história dos desfiles. Que a Liesa tome atitudes para melhorar o julgamento e os maus julgadores não façam mais parte do quadro para os próximos anos.

Sobre as colocações, na comparação com o que escrevi logo após os desfiles, acertei quatro das seis escolas que voltarão no sábado. Sobre Salgueiro e Ilha, insisto que houve falhas nos quesitos que não foram despontuadas como deveriam e a Beija-Flor não deveria ter ficado fora do Desfile das Campeãs (sempre deixando claro que se levando em conta os quesitos). A Mangueira, a despeito de ter feito uma apresentação fria, que me deixou desapontado como torcedor, não teve um julgamento dos mais adequados e poderia disputar a última vaga com a Grande Rio.

Na parte de baixo, insisto que o que fizeram com o Império da Tijuca foi vergonhoso, pois a escola passou com tranquilidade melhor do que São Clemente e Vila Isabel e não merecia ser rebaixada. Sobre a querida escola do bairro de Noel, fico triste por ter visto um desfile tão lamentável. Seja por qual motivo for, é inaceitável que uma escola tradicional e da grandeza como é a Vila chegue ao desfile de forma tão patética nos quesitos plásticos. Acabou que na apuração essas falhas não foram despontuadas como deveriam ser e a escola se salvou. Tomara que em 2015 a escola reaja.

Já no Grupo de Acesso, uma vitória merecida da Unidos do Viradouro, mas causaram surpresa a enxurrada de notas dez e a diferença para as demais escolas. Fico muito feliz pela Em Cima da Hora ter sido salva do rebaixamento, mesmo com as inaceitáveis notas que o antológico samba “Os Sertões” recebeu – apenas um dez e um inacreditável 9,6.

De resto, convido vocês a continuarem lendo a ‘Trinta Atos’, afinal ainda faltam algumas semanas para o fim da série. E agradeço a todos pela leitura durante esta ótima cobertura carnavalesca do Ouro de Tolo, convidando a ler os posts diários sobre diversos assuntos.

13 Replies to “Sabinadas: “Um julgamento inaceitável””

  1. Eu acho que houve uma evolução na avaliação de samba-enredo. Antigamente não tiravam ponto de nenhuma candidata ao título, sob a alegação que o samba funcionou, dando uma desculpa de harmonia para justificar uma nota de samba-enredo.

    O Problema do Samba-Enredo é que o 10 da Império da Tijuca é 9,8; O samba da Unidos da Tijuca foi avaliado, o que não acontecia há alguns anos. E perdeu mais pontos do que obras superiores, o que foi uma evolução.

    Acho que da sua análise você exclui as notas da Império da Tijuca, que de fato, foram uma excrecência. A escola tirou um 10, dois 9,9 e o resto só 9,8 para baixo. Se vc for falar de Império da Tijuca não sobra 1 nota que preste.

    Ama análise que faço todos os anos é o “peso dos quesitos”.

    Calculo da seguinte forma

    1 – Somo as notas descontadas de todas as escolas em cada quesito.

    2 – Somo tudo e vejo o desconto geral de todas as escolas em todos os quesitos.

    3 – Quesito a quesito, pego o total descontado no quesito, multiplico por 10 e divido pelo total geral. Quanto maior o número, maior o peso do quesito ao fim da apuração.

    Obtive o seguinte resultado, classificando os quesitos do maior para o menor peso.

    1 COMISSÃO DE FRENTE 8,7 1,345
    2 ALEGORIAS E ADEREÇOS 8,0 1,236
    3 SAMBA-ENREDO 7,8 1,206
    4 CONJUNTO 7,3 1,128
    5 HARMONIA 6,4 0,989
    6 ENREDO 6,2 0,958
    7 FANTASIA 6,2 0,958
    8 EVOLUÇÃO 5,4 0,835
    9 BATERIA 5,1 0,788
    10 MS & PB 3,6 0,556

    1. Os dois quesitos avaliados mais pesadamente foram Alegorias & Adereços e Comissão de Frente. E Samba-enredo foi o 3º avaliado com mais rigor o que é positivo. Em anos anteriores, essa mesma análise revelava um grande peso para Alegorias e Fantasias. Fantasia foi apenas o sétimo quesito mais descontado, e Alegorias perdeu o 1º Lugar para Comissão de Frente. Consequencia direta da CF da Tijuca em 2010 e consequente “Alopração” do quesito. A caixa de pandora do quesito foi aberta no ano anterior, com a CF da Vila, com 30 pessoas. Para a Escola não ser penalizada, falaram que o máximo eram 15 visivéis, e daí, veio a Tijuca 2010 e deixou a coisa em um patamar enlouquecido. As Alegorias não são mais a prima-dona da avaliação, mas continuam pesando muito. Chamo a atenção Sabino, que vc não gostou da avaliação dos dois quesitos.

      Me chamou a atenção positivamente a valorização do quesito samba-enredo, no qual vc podia fazer um samba 10x pior que o do Boni, que dificilmente tiraria menos de 9,7. Ficou mais fácil para o chão compensar o poderia financeiro. A AValiação perdeu o viés de alegorias e luxo em fantasias, mas o viés de espetáculo está mais forte do que nunca !!! PElo menos, o samba ganhou um pouco de valor.

      No outro extremo do peso…

  2. MS & PB e Bateria são quesitos que historicamente as escolas são pouco descontadas. Eu não entendo muito dos dois, mas é fato que MS & PB é um quesito no qual talvez haja um nível que não tenha muito o que se descontar, e como são duas pessoas apenas, isso talvez torne a coisa muito pessoal. Para se pesar nesse quesito, talvez se comece a tirar ponto adoidamente da Fantasia. Apesar do baixo peso, gosto como está. Bateria é a essência das escolas que acredito que haja um nível de excelência aí também. E é o quesito que mais mexe com a auto-estima da escola se mal-avaliado.

    Bom, para mim o rigor na avaliação de samba-enredo foi a principal evolução no julgamento deste ano (Fora a Império da Tijuca, mas que é ponto fora da curva…).

    Um ponto que me incomoda muito é a falsa idéia de excelência que a LIESA quer passar. A idéia é o mesmo tipo de promoção que a Globo faz do “tá tudo lindo, maravilhoso…” Notas de 9 a 10 para dizer que o nível de excelência do desfile é absurdo, tanto que o pior que passar é digno de 9, eu acho tosco. Na verdade era mais fácil tornar o 9,1 em 1 e voltar com o sistema de notas de 1 em 1, de 0 a 10, ao invés de pensar em psicológico. E parece que se radicalizou ainda mais este conceito, pois não houve notas abaixo de 9,5. (Teriam sido úteis para alguns quesitos da Vila, mas deixa resultado para lá…). Espero que a perda de peso de Alegorias se deva a menos descontos mesmo, e que não tenha havido orientação da LIESA para não haver notas abaixo de 9,5 (Eu tenho certeza que houve…)

  3. As principais falhas para mim são o não-julgamento de algumas escolas em determinados quesitos. Tijuca não é julgada nos quesitos que dependem de PB há algum tempo. Não tinha como a escola não perder pontos em alegorias, por exemplo. Apesar do peso menor, foi o quesito que decidiu, visto que Portela e Salgueiro, superiores no quesito, deixaram pontos importantes ali. Beija-Flor foi julgada finalmente, e talvez até mais do que esperávamos uando este dia chegasse !!! O Samba do Boni deu o azar de ser feito no primeiro depois de muitos anos que o quesito foi julgado de verdade (Fora as notas da escola que já falei…)

    Império da Tijuca não foi julgada. Foi linchada. E Vila Isabel foi mantida a fórceps… Mas acho o problema da escola que abre é insolúvel. Na verdade, acho que não é a escola que abre; e sima sua força política e dinheiro. Viradouro por exemplo, provavelmente se manterá se julgarem que a escola vai agregar mais valor ao GE do Especial que a SC.

    Todo exemplo de escola que subiu e se manteve nos últimos anos são de escolas que subiram com dinheiro e força política por trás. A Viradouro parece ter feito um milagreno ano da Dercy, mas já subiu grande e com muito mais dinheiro que a Mangueira tinha na mesma época. Grande Rio também. A Vila mudou-se até o horário dela para ela ficar, botando uma escola grande para abrir.

    Ou seja, o julgamento para mim está melhorando no que é possível melhorar e no que quer se melhorar. Não é possível que gente que julga isso desde antes de eu acompahar carnaval de nota baixa em harmonia para A Império da Tijuca “pq tá sem parâmetro.” Outra questão básica era isolar os jurados entre os desfiles de Domingo e segunda. Básico e fácil de resolver !!!

    1. Só esclarecendo que também achei o desfile da Beija-Flor chato, mas escrevi baseado única e exclusivamente nos dez quesitos. ABS!

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