Nesta segunda-feira, a nona coluna da série Sambódromo em Trinta Atos, do jornalista esportivo Fred Sabino, nos leva de volta ao empolgante desfile de 1992, no qual a surpreendente Estácio de Sá tirou da Mocidade um dos campeonatos “mais ganhos” da história, e a Viradouro fez um desfile inesquecível, mas marcado por um incidente lamentável.

1992: A exibição inesquecivelmente desvairada do Estácio

A fase pré-carnavalesca de 1992 vinha cercada de polêmica. Com o rebaixamento de quatro agremiações em 1991, a Liesa atingiu inicialmente o número desejado de 14 escolas desfilantes, mas uma questão jurídica impediu que o objetivo fosse alcançado na prática.

No ano anterior, a Acadêmicos de Santa Cruz desfilou sob um apagão no sambódromo e, como não foi julgada, se sentiu prejudicada, recorrendo então à Justiça para subir ao Grupo Especial. A Verde e Branco da Zona Oeste conseguiu ganho de causa e a elite passou a ter 15 escolas.

Alheias à confusão nos bastidores, as demais escolas se preparavam para mais um desfile. A expectativa geral era a do tricampeonato da Mocidade Independente de Padre Miguel. O enredo era abstrato, sobre os sonhos, e esperava-se mais um ótimo trabalho dos carnavalescos Renato Lage e Lílian Rabello. O samba então era popularíssimo e incansavelmente executado nas rádios.

Apesar do impressionante favoritismo da Mocidade, as outras escolas não deixavam por menos e prometiam bons desfiles. Vice-campeão de 1991, o Salgueiro contaria a história do café, enquanto a Imperatriz Leopoldinense, na estreia de Rosa Magalhães como carnavalesca da agremiação, celebraria os 500 anos da descoberta oficial do continente americano.

Um interessante enredo prometia ser mostrado pela Estácio de Sá: “Pauliceia Desvairada” levaria o público de volta à Semana de Arte Moderna de 1922. O samba já era considerado popular, mas havia certa dúvida em relação a como um tema eminentemente paulistano seria recebido no Rio de Janeiro.

Grande expectativa também causava a Unidos do Viradouro e seu instigante enredo sobre os ciganos. Depois da ótima estreia em 1991, o talento do carnavalesco Max Lopes e o melhor samba da safra prenunciavam um excelente desfile.

As duas maiores escolas do Rio de Janeiro também teriam enredos de fácil leitura. A Portela faria uma viagem pela cor azul e ainda uma auto-homenagem já que, convenhamos, azul como o da Portela não há. Já a Mangueira homenagearia Tom Jobim, num estilo de temática que sempre rendeu bons frutos à escola – basta lembrar de Braguinha, Caymmi e Chico (seis anos mais tarde).

A Beija-Flor tentaria voltar à briga pelo campeonato com um enredo sobre a história da televisão. Já a Unidos da Tijuca faria um passeio pela Baía da Guanabara e a União da Ilha viajaria pelas ilhas de todo o planeta. A Vila Isabel, por sua vez, questionaria o descobrimento da América, num enredo diametralmente oposto ao da Imperatriz. A Caprichosos fugiria das suas características de irreverência e faria um enredo sobre o artesanato brasileiro.

Completavam o Grupo Especial as três escolas que subiram do Acesso: Leão de Nova Iguaçu, num enredo sobre a escritora de novelas Janete Clair, a Tradição, com um tema sobre as flores, e a Santa Cruz, que abriria os desfiles com um passeio pela mística do número 4.

OS DESFILES

Apesar da boa bateria e da interpretação do cantor Sobrinho ao chato samba, a Santa Cruz fez um desfile problemático. O enredo idealizado pelo carnavalesco Ney Ayan, morto pouco antes do desfile, rendeu um bom conjunto de fantasias, mas, com a quebra de dois carros, a evolução foi para o beleléu. Carnavalizar um número, convenhamos, era difícil mesmo e a escola já era candidata ao descenso.

Segunda a desfilar, a Leão de Nova Iguaçu tinha um samba bem agradável sobre Janete Clair e o enredo foi bem desenvolvido, a despeito de uma certa irregularidade nas alegorias e fantasias.

A escola desfilou respeitando suas cores dourada, vermelha e preta e fez uma apresentação alegre, com destaque para a cadência da bateria. Mas a permanência no Grupo Especial não estava garantida.

epm92Primeira das grandes escolas a pisar a Sapucaí, a Estação Primeira de Mangueira fez uma ótima apresentação na homenagem a Tom Jobim. O samba, que não era tão prestigiado na fase pré-carnavalesca, cresceu demais na avenida graças a mais uma fortíssima interpretação de Jamelão, que ganhou o Estandarte de Ouro.

A divisão cromática, ao contrário do desfile de 1991, respeitou mais as cores da escola, e o conjunto de alegorias e fantasias contou muitíssimo bem o enredo, que fez um passeio pelos grandes sucessos do artista, sem esquecer, claro, da paixão de Tom pelo Rio, sobretudo Ipanema.

Um dos destaques era a apresentadora (ainda) infantil Angélica, no alto do carro “O Boto e as Rosas”, sobre a canção “O Boto”, que falava sobre a natureza, uma das paixões do artista.

Aos 65 anos, Tom Jobim, apesar de receoso em relação à altura da alegoria, desfilou no carro “Tom e a Natureza”, no qual estava sentado diante de um piano branco cercado por bastante verde e componentes fantasiados de borboletas. No fim, o carro “Passarim” mostrava diversos pássaros fora das gaiolas, num belo simbolismo do que Tom pedia.

Mesmo com 5 mil componentes, a Mangueira não cometeu os equívocos de outros anos em evolução e, com a volta do lendário mestre de harmonia Xangô, fez seu mais equilibrado desfile desde o vice-campeonato de 1988.

Depois da Mangueira, a Imperatriz Leopoldinense levou o público a um passeio pelas inúmeras riquezas e histórias das Américas no belo enredo “Não existe pecado abaixo do Equador”, da carnavalesca Rosa Magalhães – que iniciaria uma trajetória de quase duas décadas na agremiação de Ramos.

Nesta primeira concepção à frente da Imperatriz, Rosa já mostrou a que veio, e deixou claro o seu estilo de Carnaval: muito cuidado com alegorias e fantasias, e criatividade no desenvolvimento do enredo, sem falar na coerência da divisão de alas e na exposição das ideias.

A bateria teve uma apresentação muito firme, com o naipe de tamborins “falando” bem alto e um andamento rápido mas adequado. Mas, apesar de uma empolgada atuação do cantor Preto Joia, que se firmava definitivamente na escola, o samba não caiu tanto no gosto popular como havia acontecido com a Mangueira.

O que empolgou mesmo foi uma ala coberta por um enorme tecido verde-água que, conforme os componentes evoluíam, dava um efeito como o balanço das ondas do mar. No fim a Imperatriz deixou excelente impressão em seu desfile e tinha plenas chances de brigar em cima.

Quinta escola a desfilar, a Caprichosos de Pilares homenageou o artesanato brasileiro e se apresentou com alegorias e fantasias de bom gosto e acabamento. Mas dois problemas atrapalharam: fantasias de uma ala não chegaram a tempo do desfile e alguns componentes desfilaram assim mesmo, o que renderia perda de pontos.

Além disso, o samba-enredo, embora muito correto, não tinha o jeito alegre como é a cara da Caprichosos. Por outro lado, a bateria agradou com o andamento bastante cadenciado – na época, isso ainda era comum nas escolas…

salgueiro92Quem passou irreverente foi o Salgueiro, com um excelente enredo sobre a história do café. O carnavalesco Mário Borriello, que assumiu o barracão depois da saída de Flávio Tavares, optou por alegorias que tentavam tratar o tema com bom humor, mas que acabaram formando um conjunto de altos e baixos.

O abre-alas, no entanto, eu considero excepcional, com uma enorme escultura de um preto velho socando o café no pilão – veja mais no Cantinho do Editor. O grande salgueirense Haroldo Costa, diga-se de passagem, diz que essa alegoria foi uma das que mais o deixou emocionado em tantos anos de desfiles.

O conjunto de fantasias estava superior ao de alegorias e o samba muito bom foi sustentado, como sempre, com brilhantismo pela bateria do Mestre Louro. O intérprete Quinho, fugindo um pouco das suas características, até que se conteve mais nos cacos e, com isso, teve uma condução ainda mais segura.

Os 5 mil desfilantes desfilaram bastante animados e com uma evolução precisa do começo ao fim de uma apresentação que credenciava a Vermelho e Branco (cujas cores foram respeitadas no conjunto visual) a ficar nas primeiras colocações.

Havia uma expectativa muito grande para a passagem da sétima escola da noite, a Unidos do Viradouro. O enredo “E a Magia da Sorte Chegou” era cercado de grande otimismo por parte de componentes, público e imprensa, já que o mundo cigano era de extrema riqueza.

Quando Quinzinho começou a cantar o melhor samba do ano, e a bateria comandada por Mestre Marçal e Paulinho de Pilares entrou para valer, as expectativas começaram a se confirmar (o Migão já comentou sobre esse desfile no blog). A comissão de frente com os Reis Magos, primeiros ciganos da Era Cristã, impressionou de cara, bem como o abre-alas, com uma enorme coroa, símbolo da escola.

Viradouro 92_carro que pegou fogoO carnavalesco Max Lopes fez naquele desfile um de seus mais brilhantes trabalhos em décadas de serviços prestados ao Carnaval do Rio, com um requinte extraordinário de fantasias e alegorias, que passaram por diversas vertentes ciganas e países como Egito, Índia, Hungria, Rússia e Espanha, com cada setor muito bem identificado pelas vestimentas.

Quando a Viradouro já se credenciava a brigar pelo título com muita força, dois incidentes aconteceram. O primeiro, até normal num desfile, foi em evolução, quando descompassos provocados pela exibição do casal de mestre-sala e porta-bandeira e pela entrada da bateria no box já fizeram a escola correr. E, depois, como já sabemos, uma tragédia aconteceu.

Na verdade, uma tragédia sem mortos, mas uma tragédia pelo que causou a uma das melhores apresentações vistas nestes 30 anos de sambódromo. O carro da Rússia (na foto, a réplica trazida pela Grande Rio em 2010), que tinha huskies siberianos e era feito em fibra de vidro e algodão, simbolizava com perfeição o efeito da neve típica daquela região. Mas o incêndio oriundo num gerador consumiu o carro em instantes – leia mais curiosidades sobre o incêndio no Cantinho do Editor.

FOTO-129VIRADOURO1992CARRO-DA-RUSSIA-PEGA-FOGO-NA-APOTEOSEA alegoria ainda estava chegando à dispersão e os destaques saíram às pressas, com alguns se ferindo. A alegoria em chamas foi largada na Praça da Apoteose (foto) e um caminhão de bombeiros entrou na pista no meio dos desfilantes. O incêndio foi debelado e por sorte ninguém morreu, mas o caos tomou conta do restante do desfile.

Com garra, apesar do lamentável acidente, a Viradouro acabou estourando em 13 minutos o tempo regulamentar, já que a evolução parou para que os bombeiros apagassem o incêndio. Pena, porque era um desfile digno de título, mesmo com mais nove escolas ainda a se apresentar.

Depois do alívio pelas notícias de que não havia mortos no incidente da Viradouro, a Beija-Flor de Nilópolis encerrou o desfile de domingo com o enredo “Há um ponto de luz na imensidão”. Nem de longe a escola lembrou seus grandes carnavais.

Joãozinho Trinta recorreu a efeitos especiais até pertinentes ao enredo, mas o conjunto alegórico era irregular e o samba não ajudava. Para piorar, dois componentes desfilaram nus (só com purpurina e tinta prateada cobrindo as genitálias) e a escola provavelmente seria punida.

A primeira a desfilar na segunda-feira foi a Tradição, que voltava à elite após dois carnavais no Acesso. Lamentavelmente não foi uma boa exibição. O enredo sobre as flores poderia ter sido melhor desenvolvido e a chuva prejudicou o acabamento de alegorias e fantasias, que já não eram brilhantes e estavam pesadas.

Nem o samba-enredo, ponto forte na primeira passagem da escola pela divisão principal, era dos mais poéticos ou vibrantes. Para piorar, houve problemas de evolução.

Outra que se apresentou de forma decepcionante foi a Unidos de Vila Isabel. A falta de recursos, que já vinha sendo um problema desde o título de 1988, ficou ainda mais patente, e o enredo crítico ao descobrimento da América não pôde ser desenvolvido a contento.

Apesar de os componentes terem cantado com força o limitado samba, a Vila teve um de seus piores desfiles. As fantasias e alegorias deixavam clara a falta de dinheiro no barracão e nem mesmo uma alegoria com um canhão de laser empolgou.

estacio92bEmpolgação não faltou à Estácio de Sá, que já vinha obtendo colocações de destaque nos carnavais anteriores e prometia muito com o enredo do carnavalesco Mário Monteiro sobre os 70 anos da Semana de Arte Moderna de São Paulo. E, de fato, as expectativas mais otimistas ainda foram excedidas e a Vermelho e Branco fez uma apresentação inesquecível.

Desde os primeiros versos entoados pelo cantor Dominguinhos, o público ficou enlouquecido com o samba-enredo, que, além de popular, contava muito bem o enredo em homenagem aos grandes artistas que emplacaram o Modernismo no Brasil, como Villa Lobos, Di Cavalcanti, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Ronald de Carvalho, entre outros. O nome do enredo, “Pauliceia Desvairada”, remetia ao título de um livro de Mário de Andrade.

A comissão de frente formada por componentes com pernas de pau é inesquecível até hoje, e o abre-alas retratando o Theatro Municipal da capital paulista (foto) ficou imponente, a despeito de um problema no letreiro de neon ter deixado a iluminação da palavra Estácio falhando em parte do desfile.

estacio92cOutra alegoria que chamou muito a atenção, e até hoje é lembrada pelos amantes dos desfiles de escola de samba, foi a do Trem Caipira (foto). O carro, embora não tão gigante, era muito bem resolvido e teve um grande efeito, até porque fazia o clássico “piuí” no meio da pista.

As fantasias também apresentaram o enredo com correção, tinham diversas cores, sem deixar de lado o Vermelho e Branco da escola, e permitiam ainda uma evolução vibrante durante todo o tempo, sem que os componentes se cansassem.

Um dos momentos mais bacanas foi a passagem da ala das crianças, com fantasias brancas de pierrots. A alegria dessas crianças chegou a ser comovente, numa pura demonstração do que é carnaval na essência.

Com incrível euforia, o público nos setores de arquibancada até fez coreografia para acompanhar o samba, que, além de empolgante, tinha um refrão central que era um chiclete para os ouvidos (peço perdão pela expressão): “Me dê, me dá/Me dá, me dê/Onde você for/Eu vou com você!”.

sargentelliA catarse era tanta, que a modelo Luciana Sargentelli, filha do grande Oswaldo Sargentelli, não parou de sambar em cima de um dos carros alegóricos (foto) mesmo com os pés sangrando por ela ter pisado em pedaços cortantes que se soltaram do acabamento. Além da própria beleza, a garra de Luciana até hoje é lembrada.

Quando a escola chegou à Praça da Apoteose, parecia que o desfile ainda estava começando, tamanha a energia de componentes e público, que não parava de cantar “é campeã”. Simplesmente memorável, e a Estácio era candidata séria ao título, principalmente depois dos problemas da Viradouro e por nenhuma outra escola ter brilhado tanto.

Depois do fantástico desfile do Estácio, a Unidos da Tijuca fez uma correta apresentação exaltando a Baía da Guanabara. O samba-enredo também era popular e o público gostou, embora não tenha se empolgado como na passagem estaciana – o carro de som cantou o samba num tom muito mais alto do que o do disco, o que não me agradou.

No ano da Rio 92, a preocupação ecológica esteve presente, já que a baía já era muito poluída – infelizmente continua…

mocidade92Quinta agremiação na programação de segunda-feira, a bicampeã Mocidade Independente de Padre Miguel entrou cheia de confiança em busca de mais um título. Confiança até demais, eu diria. O enredo “Sonhar Não Custa Nada, ou Quase Nada” prenunciava mais um grande desfile e os integrantes, sobretudo diretoria, já falavam em tri ainda na concentração.

De fato, foi um desfile excepcional, com os carnavalescos Renato Lage e Lílian Rabello outra vez dando um show de competência na concepção plástica e de conteúdo da escola.

O carro dos sonhos infantis era simplesmente espetacular e a Mocidade não esqueceu dos diferentes tipos de sonhos, até os eróticos e mesmo os pesadelos. O samba era popularíssimo e estava na boca do povo, mas a empolgação não foi tão grande como no desfile do Estácio.

De qualquer forma, a qualidade do desfile da Mocidade era indiscutível e o tricampeonato se mostrava um sonho (desculpem o trocadilho) palpável.

A União da Ilha fez o penúltimo desfile de 1992. Para conduzir o enredo, o carnavalesco Luiz Fernando Reis criou um personagem chamado Insulano de Tal, que viajava por diversas ilhas do planeta e chegava à melhor de todas, claro, a Ilha do Governador.

Com boas fantasias e alegorias um tanto irregulares, a Tricolor fez uma apresentação simpática, mas foi atrapalhada por problemas na iluminação da Sapucaí – saiba mais no Cantinho do Editor.

A Ilha entrou na avenida com boa parte do sistema de iluminação apagado. Para piorar, quando a comissão de frente já estava no meio da pista, houve uma pane total. Em poucos minutos, todas as luzes ficaram acesas, mas houve nova queda total quando a bateria deixava o box.

Apesar dos problemas, a Ilha continuou evoluindo com garra ao som do grande intérprete Aroldo Melodia e da sempre impecável bateria de Mestre Paulão.  De qualquer forma, a agremiação não conseguiu um desfile que a credenciasse aos primeiros lugares.

Desfile Portela 1992 ÁguiaA entrada da última escola, a Portela, foi cercada de tensão. Com a iluminação do sambódromo ainda em pane, o presidente Carlinhos Maracanã bradava que a escola não entraria na pista até o problema ser resolvido, enquanto o mandatário da Liesa, Capitão Guimarães, exigia o início do desfile.

Com meia hora de atraso e, só com a iluminação enfim funcionando a contento, a deslumbrante águia portelense bateu asas e adentrou a Sapucaí para conduzir o enredo “Todo Azul que o Azul Tem”. E o carnavalesco Silvio Cunha, assim como em 1991, fez um belo trabalho na concepção estética da Majestade do Samba.

A história de uma das cores da mais vitoriosa agremiação do Carnaval do Rio foi muito bem contada desde o surgimento do azul, na Pérsia, e, no fim, a escola fez uma auto-exaltação, lembrando nomes como Natal e Clara Nunes.

O samba, apesar de não ser tão bom como o de 1991, foi bem cantado pelos componentes e a Portela fez um dos melhores desfiles do ano, embora um pouco abaixo de Estácio, Mocidade e Viradouro.

REPERCUSSÃO E APURAÇÃO

Na apuração, a disputa realmente ficou entre Estácio e Mocidade, já que a Viradouro estava fora da briga devido ao incêndio. Desta vez, a emoção superou a técnica e a Vermelho e Branco conquistou seu primeiro, e até agora, único título no Grupo Especial, para alegria e alívio de Dominguinhos, que estava para lá de nervoso durante a contagem das notas.

A Mocidade terminou na segunda posição, a 1,5 ponto da Estácio, seguida por Imperatriz, Salgueiro, Portela, Mangueira e Beija-Flor, que obteve seu pior resultado desde 1976 após ter perdido dois pontos pela “genitália desnuda” de dois componentes.

A Viradouro, com os 13 pontos perdidos em cronometragem, mais as despontuações decorrentes do incêndio em evolução, harmonia e alegorias, ainda assim terminou em nono lugar, sem riscos de descenso. Caso não tivesse perdido os pontos em cronometragem, a escola teria terminado em terceiro. Imaginem vocês se o incidente não tivesse ocorrido… Talvez tivéssemos uma outra campeã. Mas não era para ser, e o Estácio mereceu o título.

Na parte de baixo da tabela, caíram a Leão de Nova Iguaçu (num dramático desempate com a Vila Isabel  no quesito bateria), além de Tradição e Santa Cruz.

Subiram para o Grupo Especial a Acadêmicos do Grande Rio e a Unidos da Ponte, num dos desfiles do Acesso (e safra de sambas) de melhor nível, com uma acirradíssima disputa nas primeiras colocações.

Mesmo sem subir com o terceiro lugar, o Império Serrano foi para a avenida com um lindo samba de protesto sobre a sua história – o último composto pelo lendário Beto Sem Braço antes de sua morte (o Migão já escreveu sobre esse desfile).  O trecho “Sou Império, sou patente/Só demente é que não vê/Do samba sou expoente/Abra meu livro, pois tu sabes ler …” é emblemático, embora alguns tenham achado exagerado.

O Arranco do Engenho de Dentro acabou em quarto e o samba foi dos então jovens André Diniz e Evandro Bocão, que se consagrariam anos depois na Vila Isabel. A Rocinha, outra com um grande samba, ficou em quinto (o Migão também já fez uma coluna sobre o desfile).

RESULTADO OFICIAL

POS. ESCOLA PONTOS
Estácio de Sá 298,5
Mocidade Independente de Padre Miguel 297
Imperatriz Leopoldinense 294,5
Acadêmicos do Salgueiro 294
Portela 292,5
Estação Primeira de Mangueira 292
Beija-Flor de Nilópolis 288,5
Unidos da Tijuca 284,5
Unidos do Viradouro 281,5
10º União da Ilha do Governador 280
11º Caprichosos de Pilares 279
12º Unidos de Vila Isabel 270,5
13º Leão de Nova Iguaçu 270,5 (rebaixada)
14º Tradição 264 (rebaixada)
15º Acadêmicos de Santa Cruz 236,5 (rebaixada)

carnaval_senna

O Desfile das Campeãs foi marcado por uma presença para lá de ilustre: o tricampeão mundial de Fórmula 1 Ayrton Senna esteve no camarote da Brahma e, depois, eufórico, desceu para a pista na apresentação do Estácio – reza a lenda que o piloto, um raro consumidor de bebidas alcoólicas, estava um tanto quanto “calibrado”.

Maior ídolo do esporte brasileiro na época e um dos atletas mais populares do mundo, Senna sambou de forma um tanto desajeitada, para não dizer esquisita, com passistas e usou um chapéu de um dos integrantes da bateria, fazendo a festa dos fotógrafos.

Minha falecida tia Silvia estava no camarote da Brahma nesse dia e, segundo ela viu, o tricampeão autografou a camisa de uma mulher na altura do busto usando o corpo da mesma como apoio. A moça, claro, estava sem sutiã e com a blusa encharcada.

Na época eu tinha apenas dez anos e isso não me interessava muito, pois eu na verdade queria um autógrafo de um dos meus ídolos e, na confusão, minha tia não se tocou. Obviamente levou um sonoro esporro, coitada… Até porque Ayrton viria a falecer dois anos depois, sem voltar a pisar no sambódromo.

CURIOSIDADES

– Foi a última vez que o grande intérprete Sobrinho foi o cantor principal de uma escola do Grupo Especial, pela Santa Cruz. Em 1993 e 1994, ele foi apoio de Jamelão na Mangueira.

– Como havia ainda a incerteza quanto à participação da Santa Cruz no Grupo Especial, a faixa com o samba-enredo da escola foi gravada no disco do Acesso. Diga-se de passagem, foi a última vez que o famoso grito de guerra de Sobrinho “vai meu rrrrrrrrrrritmo!” foi ouvido numa gravação.

– O Carnaval de 1992 foi o último de Joãozinho Trinta como carnavalesco da Beija-Flor, e ainda por cima com o pior resultado: sétimo lugar. Depois do desfile, houve divergências entre João 30 e a direção da escola em relação a um projeto social comandado pelo carnavalesco. Em 1993, Joãozinho não assinaria nenhum desfile no Grupo Especial.

– Um dos repórteres da Globo na concentração era Marcelo Rezende. Mas, não. Naquela época ele não dizia “corta pra mim”, “corta pra 18” ou “lente nervosa”…

– Foi a primeira e única apresentação da Leão de Nova Iguaçu na elite do Carnaval carioca, e, diga-se de passagem, com um rebaixamento injusto.

– Neguinho da Beija-Flor conquistou a última vitória dele como compositor de samba-enredo na agremiação de Nilópolis.

CANTINHO DO EDITOR – por Pedro Migão

Sobre o incêndio, reproduzo história que contei na coluna Samba de Terça” que abordou este desfile:

“Poucos dias antes do desfile, um dos carnavalescos, Max Lopes, mostrou o barracão a um grupo de ciganos que fora convidado especialmente para este fim. Ao final da visita, um dos líderes do grupo virou para Max Lopes e disse que “estava faltando uma fogueira, que toda festa cigana tem fogueira e que deveria haver alguma representação desta em um dos carros”. 

O carnavalesco disse que não iria alterar o projeto e depois da partida do grupo teria feito o seguinte comentário: “eu já estou homenageando os caras, ainda querem se meter no meu trabalho?” Deu no que deu…

Após o desfile da Mangueira, Tom Jobim deu uma declaração que foi mal interpretada e que gerou uma crise entre ele e a Mangueira. Ele havia sentido muito medo em cima do carro e declarou que se a escola voltasse, ele não gostaria de voltar. A declaração foi interpretada como um desejo de que a Mangueira não voltasse ao Desfile das Campeãs, o que criou um imenso problema. E a escola acabou não voltando mesmo…

Na apuração, a Portela vinha sossegada em terceiro até o último quesito, Mestre Sala e Porta Bandeira, quando tomou notas muito baixas e acabou em quinto.

A queda de luz foi causada por um carro da Mocidade que esbarrou em um fio de alta tensão na dispersão, matando uma pessoa. Ainda houve uma outra polêmica sobre a colocação de um dos carros da escola na área onde a União da Ilha deveria estar fazendo a armação de seu desfile. Reza a lenda que um dos diretores da escola insulana teria ameaçado dar um tiro no pé de Castor de Andrade…

A safra do Grupo de Acesso talvez seja a melhor de todos os tempos do grupo, com vários sambas que se tornaram clássicos. Além dos já citados Império Serrano, Rocinha e Arranco, tínhamos Grande Rio, Ponte, Lucas, Jacarezinho, São Clemente e a extinta Unidos de Campinho com grandes sambas.

Aliás, este 2013 a Rocinha “esquentou” com este samba de 1992 e vi muito “entendido” de samba enredo nas frisas me perguntando que samba era este…

A escultura do Preto Velho trazida pelo Salgueiro iniciaria uma longa jornada pelos desfiles cariocas, tendo passado por várias escolas e em vários anos – a ponto de admiradores do carnaval chegarem a dizer que a escultura sabia vir sozinha para a Sapucaí… Anos atrás a Tradição fez uma réplica, menor, que hoje se encontra no carnaval de Cabo Frio.

O então presidente da Estácio de Sá Acyr Pereira Alves – que seria assassinado anos depois – colocou pessoas nos setores das arquibancadas com o objetivo de inflamar a torcida. Funcionou.

Muitos componentes da Mocidade cantavam da seguinte forma o samba enredo: “Eu vejo a lua no céu / A Mocidade ser tri / De verde e branco na Sapucaí”

O Arrastão de Cascadura foi o vencedor do Grupo B, que desfilou na Sapucaí na terça feira de Carnaval daquele ano.

Abaixo, a capa do Jornal do Brasil da Quarta Feira de Cinzas daquele ano:

Carnaval 92

Links

O desfile campeão do Estácio de Sá em 1992

A ótima exibição da vice-campeã Mocidade

https://www.youtube.com/watch?v=df2iXb1_ty0

O lindo, porém, desastroso desfile da Viradouro

A homenagem da Mangueira a Tom Jobim

https://www.youtube.com/watch?v=Y4kWJjDwrT8

Fotos: O Globo, Extra e reprodução de internet

23 Replies to “Sambódromo em 30 Atos – “1992: A exibição inesquecivelmente desvairada da Estácio””

  1. Uma coisa interessante, tanto em 1992 quanto 1993, a Unidos da Tijuca desfilou depois das campeãs que levantaram a arquibancada, Estácio e Salgueiro. Tijuca não tinha lá muita sorte e sempre pegava o público “cansado”.

    1. Na minha opinião, não tem nada a ver isso de “público cansado”. Quando é pra empolgar, a ordem das escolas invaria. O importante é a vibração e a energia que tá sendo emitida.

  2. Excetuando os independentes, vejo uma grande maioria dos torcedores que acham justíssimo o título da Estácio, quando a emoção se sobrepôs ao luxo e à técnica. O samba de ambas eram populares e funcionaram na avenida. Daí no ano seguinte vemos um Salgueiro repetindo o feito da Estácio e a “Mocidade da vez” foi a Imperatriz. E sempre tem um bando de “entendedores” questionar a vitória do “Ita”. Daí eu pergunto: quem se lembra do samba, do enredo e do desfile “impecável” da Imperatriz-93? Deixo esse questionamento aqui com a absoluta certeza de este será bem respondido na próxima segunda-feira.

    1. Eu lembro porque sou torcedor da Imperatriz. O Salgueiro entrou com o título ganho porque o samba era um assombro de popularidade. A diferença foi a mínima da época – meio ponto. Então, se o Salgueiro tivesse terminado empatado com a Imperatriz, não seria injusto. Mas opinião é opinião.

      1. Já escrevi a próxima coluna e, embora não tenha questionado em nenhum momento o título salgueirense, penso que o desfile da Imperatriz poderia ter conquistado o caneco não fosse aquela apresentação mágica do Salgueiro.

        1. Então, esse é o ponto. Na matéria desta semana fica claro que a Mocidade poderia ter conquistado o tri em 1992 que não teria sido absurdo. Me parece que em 1993 acontece a mesma situação. Ainda que a Imperatriz tivesse sido a campeã de 93 e o Salgueiro o vice-campeão, o que fica é a dúvida se esse desfile deixou algum legado, alguma marca na história do carnaval que o fizesse tão merecedor assim. Mal ou bem, ao menos o samba da Mocidade-92 se eternizou na memória afetiva dos foliões. Então porque muita gente acha que o Salgueiro-93 não foi merecedor, mas a Estácio-92 sim? Espero ter sido claro no meu ponto de vista. E claro, aguardando com ansiedade o próximo capítulo da série.

          1. Bom, pelo menos no meu caso, achei os dois títulos (Estácio e Salgueiro) merecidos. Mas isso não me impede de achar Mocidade e Imperatriz dignos de título caso tivessem sido realizados em outros anos, sem a concorrência desses dois desfiles inesquecíveis. É isso…

          2. Penso por aí também, mas duro é pensar que nenhum dos dois seria campeão nos dias de hoje, em nome do tecnicismo…

          3. Exato, exato. Obviamente não sou contra uma escola estar bonita plasticamente, mas às vezes me pego pensando se não seria legal dar mais valor aos quesitos de pista (samba, evolução, harmonia, MS e PB, bateria). De que forma? Tendo mais notas válidas nesses quesitos, já que aquela história de pesos gerou confusão em 1990. Sei lá, é uma ideia…

          4. Perfeito teu ponto de vista em comparar “Estácio x Mocidade” com “Salgueiro x Imperatriz”. Só que, para alguns, há dois pesos e duas medidas. Uma pena.

            Acrescento mais casos parecidos (independente de merecimento – e apenas sendo a minha opinião): Mangueira x Vila Isabel em 1988, Imperatriz x Beija-Flor em 1989, Mangueira x Beija-Flor em 2002 e, porque não, Unidos da Tijuca x Grande Rio e Beija-Flor em 2010, onde pela primeira vez – minha opinião, reitero – uma comissão de frente carregou um desfile campeão.

      2. Xara, não foi teu caso. Mas eu entendi o que o Eickhoff disse.

        1992. A emoção vence a tecnica. Justo.
        1993. A emoção, de novo, vence a técnica. Roubado.

        Essa diferença de opinião é que não dá pra entender!

    2. Sou Mocidade e, merecimento ou não deixado de lado, o fato é que a escola verde e branco foi arrogante demais, coisa que NUNCA combinou com a gente. Resultado: uma pessoa morta, queda de luz e vice-campeonato!

    3. Me desculpe, mas discordo que a Mocidade tenha empolgado menos que a Estácio. Inclusive, tem um samba que é muito mais lembrado que o da Estácio, ainda que o da alvirrubra tenha aquele refrão-chiclete.

  3. Pedro.
    Faltou essa no curiosidades

    – O Carnaval de 1992 foi o último de Vilma Nascimento como porta-bandeira, ela defendeu o pavilhão da Tradição naquele desfile tendo Julinho (atualmente na Unidos da Tijuca) como mestre-sala, depois do desfile ela passaria o cargo a sua filha Danielle (que atualmente defende as cores da Portela).

  4. Primeiramente, parabéns pelas colunas. Sou de São Paulo e aprendi a amar o Carnaval em 1991 com o Chuê Chuê do Renato Lage.

    Sou torcedor da Mocidade Independente no Rio e Mocidade Independente em São Paulo…rsrsrs.

    Segue uma curiosidade do desfile de 1992:

    “Barracão da Mocidade em 1992, o corre-corre é intenso nos ultimos dias que antecedem o Carnaval. Chega o Sr. Castor de Andrade e pergunta ao então carnavalesco Renato Lage:
    – E aí como estamos?
    Na intenção de agradar o “chefe”, Renato responde:
    – A escola está linda doutor, tem tudo pra ser campeã. Afinal como diz nosso enredo: sonhar não custa nada.
    E Castor irônico:
    – Pode não custar pra você meu filho, mas pra mim está custando um dinheirão, coisa de uns US$ 2,5 milhôes!.

    Do livro: “Nada Não e Outras Coisas. Autor Marceu Vieira, Editora MAUAD, 1999”.

    https://books.google.com.br/books?id=x0qUsOnJ43IC&pg=PA36&dq=mocidade+independente&hl=pt-BR&sa=X&ei=e6WZVMW5HciuggSL7IOgBA&ved=0CEQQ6AEwCDgK#v=onepage&q=mocidade%20independente&f=false

  5. Olá,

    Por quais escolas a escultura do Preto Velho passou?Foi exatamente o mesmo carro feito pelo Salgueiro e depois repassado para outras agremiações ou foi apenas a mesma figura desenvolvida por outros carnavalescos?A São Clemente foi uma delas? Um forte abraço.

  6. Acho que somos quase da mesma idade..tinha 12 anos e ja desde o tupinicopolis em 87 era louc pela mocidade.chorei muito nessa quarta feira de cinzas apesar de “escondida”sambar muito ..a pauluceia desvairada la vou eu..fazer poemas d cantar minha emoçao..lindo..mas o desfile que mais revejo ate hoje e que convenhamos foi antologico foi o da viradouro.nao era pra ser..mass..marcou.cigano reii..tratratratratra ..e de arrepiar.amo muito o carnaval carioca apesar de ser mineira que bom ter lido isso.parabens..me senti em casa..modestia a parte.

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