O leitor mais atento sabe que as resenhas de livros neste blog ficaram um pouco de lado. Por causa especialmente da falta de tempo e pelo fato de minhas leituras terem se tornado caóticas – neste momento devo estar em umas sete ou oito simultâneas.

Entretanto, este “O Príncipe da Privataria”, recém lançado pela editora Geração Editorial, não poderia deixar de ser abordado neste espaço. Escrito pelo jornalista Palmério Dória – que não chega a ser meu amigo mas com quem tenho alguma relação, em redes sociais – é um panorama do Governo Fernando Henrique Cardoso e especialmente dos inúmeros prejuízos ao Brasil cometidos pelo mandatário.

Vou me utilizar de uma imagem forte, mas que fará o leitor entender a importância da publicação: se Fernando Henrique Cardoso (FHC) fosse americano e fizesse o que fez no exercício do cargo, provavelmente estaria terminando seus dias em uma prisão federal americana, acusado de traição. Como estamos no Brasil, ele passa seu ocaso advogando as vantagens da maconha e dando conselhos pela imprensa amiga.

O livro é um misto de apurações recentes, análises de fatos ocorridos e em muitos momentos relembra reportagens da época, mas enfocando sob outra perspectiva. Fatos e atitudes que pareciam soltas no tempo acabam tendo outro significado.

Um dos grandes méritos de Dória é, em conjunto com o entrevistado no livro Fernando Siqueira (presidente da Aepet, Associação de Engenheiros da Petrobras) trazer a público algo que se comenta a boca miúda faz tempo: que o incêndio da Plataforma P-36, em março de 2001, na melhor das hipóteses foi causado por sabotagem. Os indícios são fortes e cabem perfeitamente dentro da estratégia do governo de então de desacreditar a companhia para permitir sua venda. Esta seria feita de forma fatiada, a fim de diminuir a resistência popular à medida.

O exemplar também lembra o episódio da troca do nome da Cia para “Petrobrax”, a fim de facilitar a pronúncia pelos estrangeiros – futuros donos? Dória e Siqueira contam como se conseguiu mobilizar a opinião pública contra a mudança – afinal abortada. O livro diz que Francisco Gros foi o único prócer tucano a defender abertamente a privatização da Cia – considerada a “segunda bandeira nacional” – mas fazendo uma pesquisa rápida se vê que o (hoje semi arrependido) Luiz Carlos Mendonça de Barros também defendeu, como mostra matéria da Folha Online em abril de 2001.

Outro mérito do livro é desnudar o processo de compra de votos para a emenda da reeleição em 1997. O “Senhor X”, que gravou deputados à época explicitando que venderam seus votos a favor da emenda, se revela e dá uma entrevista reveladora ao livro. Narciso Mendes, hoje empresário no Acre, deixa claro que o então ministro das Comunicações e operador do PSDB Sérgio Motta (falecido em 1998) era o operador do esquema de compra de votos. Narciso explica com detalhes o que ocorreu naquela época, que, se levado à frente, poderia perfeitamente levar ao impeachment de FHC – mas foi abafado. Narciso é claro quando diz que ao menos 150 deputados foram comprados para votar a favor da emenda da reeleição.

Aliás, em diversos episódios narrados fica claro que perto de Sérgio Motta, PC Farias e Delúbio Soares não passam de alunos do jardim de infância. O leitor entenda como quiser.

Vale ressaltar também que o modelo de privatização da telefonia foi feito às vésperas de uma revolução tecnológica que haveria no setor. O Brasil é hoje o único país importante no cenário internacional cujo setor está inteiramente nas mãos de estrangeiros. Ou seja, é uma perda de soberania incontestável.

Também encontramos uma boa explicação para as recentes explosões de bueiros no Rio de Janeiro. Quando privatizada, a Light mandou embora de cara 40% dos funcionários, além de reduzir o investimento em manutenção ao mínimo. Os empregados mandados embora tinham em suas mentes o mapa da rede subterrânea, não documentadas. Daí…

Outra história inacreditável foi a venda da Vale do Rio Doce, vendida por um valor irrisório. O simbolismo da venda da Vale era o de indicar que para agradar aos parceiros internacionais tudo estava à venda. Com isso, o subsolo do país foi alienado e está sendo depletado a taxas altas – as reservas previstas para 400 anos devem se esgotar até o final deste século. Além disso, o país vende minério e compra produtos manufaturados com aço a 8 vezes o preço de venda.

Merece destaque a história do filho do presidente com a repórter Miriam Dutra, da Rede Globo – que depois um exame de DNA mostraria não ser filho dele. É mostrada toda a blindagem da imprensa ao presidente e as dificuldades enfrentadas pela revista Caros Amigos, que publicou a história em 2000.

Fica claro, também, que em seu segundo mandato FHC não passava de títere de quem realmente mandava, que era o pessoal do FMI (Fundo Monetário Internacional). Palmério Dória mostra documentos onde fica claro não somente que o país estava quebrado seis meses antes das eleições de 1998 como depois estava totalmente subordinado ao órgão – a ponto de até discursos do presidente serem submetidos à aprovação do órgão.

Fico longe de esgotar aqui os assuntos tratados, mas é indispensável para se entender não somente aquele período como se comprovar que, ao contrário do que é dito pela grande imprensa, a corrupção no Brasil não se iniciou em 2003. Na Livraria da Travessa, custa R$31.

Relembrar para que não se repita.

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