Nesta terça feira a coluna sobre direitos do consumidor do advogado Rodrigo Salomão nos traz as relações nem sempre amistosas entre planos de saúde e seus clientes.

Haja Paciente – Os Planos de Saúde

O tema da coluna de hoje vai entrar num assunto muito discutido nos últimos dias, com a chegada de alguns médicos cubanos ao país. Vamos aproveitar o gancho, então, para falar de saúde. Não falaremos do SUS, dos hospitais públicos e as respectivas atuações dos médicos do Brasil neles. Isso já foi feito inclusive aqui no “Ouro de Tolo”. Falaremos, portanto, da relação entre os planos de saúde privados e os consumidores.

Talvez em virtude de ser uma prestação de serviço ou pelo caráter extremamente pessoal da demanda, não pareça. Mas o fato é que nos nossos tribunais a relação médico-paciente é também uma relação considerada de consumo. Portanto, também coberta pelo nosso amigo CDC. Nada mais natural que os planos de saúde também se submetessem a esta lei especificamente e é assim que tem que ser.

Ocorre que, infelizmente, o caos no sistema de saúde brasileiro é tão grande que até mesmo muitos dos planos privados vêm provocando, com frequência, dificuldades a seus segurados, seja por falta de vagas em hospitais (sim, existe isso também no mundo privado!) ou então por pura ingerência abusiva e comercial. A verdade é que estamos capengando por todos os lados sem vislumbrar exatamente uma luz no fim do túnel.

A renda média do brasileiro aumentou, a tão falada “classe C” expandiu de maneira inédita, e, assim como diversos segmentos privados do país, as seguradoras de saúde passaram a olhar com bons olhos este mercado. Seria muito agradável esse tipo de inclusão se não fosse um detalhe: as mesmas seguradoras não se estruturaram, tampouco os hospitais, de modo a suprir o aumento da demanda. Consequência de tudo isso, os planos de saúde negam atendimentos e até cirurgias de risco com uma frequência cada vez maior. Incluiu, na verdade, apenas na fatura do boleto bancário. Porque a contraprestação vem falhando demais.

Felizmente, em relação ao assunto, o Poder Judiciário é bastante severo e praticamente uníssono nestas infindáveis batalhas envolvendo o consumidor e o plano de saúde. Mas ainda não tem sido suficiente. Por mais que realmente as liminares sejam deferidas quase que em 100% das ocasiões, as indenizações ainda são tímidas, de modo que acabam por não inibir a conduta do plano. Mas nem sempre é assim, o que gera uma ponta de esperança.

Trago a vocês o exemplo de um caso em que atuei (por questões éticas, não citarei nomes) contra um plano de saúde. A situação foi bem delicada (para não dizer cruel), pois envolvia uma criança de 5 anos, que precisaria operar urgentemente um cisto na região do pescoço. O plano era o mais caro possível dentro daquele seguro, mas, sabe-se lá por qual razão interna, a cirurgia não foi autorizada.

Pior: o procedimento duraria cerca de 12 horas, mas autorizaram apenas 3 horas. Meu cliente na ocasião ficou desesperado. O que eles iam fazer? Tirar a criança no meio da operação? Que tipo de gente faz isso? Situação bastante angustiante, convenhamos. Como ele tinha condições de arcar, pagou a operação (pela clara emergência, não adiantava brigar ali) e depois me procurou, querendo receber o valor pago e também danos morais.

Pois bem. Fui para a audiência e, chegando lá, a advogada da empresa, em off, foi bem clara: “Doutor Rodrigo, nós deveríamos oferecer um acordo para o seu cliente pela gravidade de tudo, mas não podemos. A empresa não oferece acordo para ninguém. Fico até sem palavras. Me desculpe.”. Me espantei um pouco com a sinceridade da colega, mas fiquei ainda mais pasmado com a conduta absolutamente atroz da seguradora. Resultado? Uma indenização que beirou os R$ 20.000,00.

Agora o melhor de tudo. Para minha surpresa, um ano depois, o filho menor deste meu cliente teve que fazer a mesma operação. O que aconteceu dessa vez? A empresa autorizou de imediato. Talvez seja por aí: na base da “porrada” no bolso.

A história dos parágrafos acima é boa para ilustrar que, antes de mais nada, temos visto os planos de saúde vislumbrando primeiro os seus lucros, o seu negócio e a sua rentabilidade antes de encarar a questão ética e moral de que há vidas em jogo. Por sorte, meu cliente tinha condições. E quem não tem? É de se lamentar tamanho desapego pela vida humana nessas proibições e estratégias comerciais absurda de sair negando tudo. Irresponsabilidade cujo preço a pagar pode ser bem caro. Quanto vale uma vida?

Para quem não tem condições de pagar uma cirurgia, no ato, deve-se buscar sempre as liminares no plantão judiciário. Lá mesmo costuma existir uma equipe da Defensoria Pública para tratar do assunto de tamanha urgência. A situação está tão escandalosa que existe (juro) uma fila no plantão apenas para casos envolvendo liminares de planos de saúde. Os Oficiais de Justiça (aqueles que intimam as partes do processo) já fazem as viagens até os planos por malote, com batelada, tamanha a quantidade de casos. Existem também sempre a opção de buscar, através de um advogado, a liminar no horário corriqueiro do Fórum (de 11:00 às 18:00h), em Varas ou Juizados Especiais Cíveis (como meu cliente fez comigo).

Mais dúvidas como proceder? Pode nos procurar aqui embaixo na caixa de comentários.

Diante de tamanho alarde, surge a pergunta: o problema da saúde do país é só no SUS? Parece que não. Falta um pouco da mentalidade de amar ao próximo. De buscar alternativas para ajudar a salvar vidas, a medicar com eficiência, bom planejamento, estrutura e qualidade. Enquanto o foco da mentalidade na saúde brasileira não mudar, as liminares não cessarão. O ciclo tende a não fechar nunca.

Por fim, encerro o artigo de hoje com uma declaração da Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, numa decisão judicial, que resume bem a questão: “a jurisprudência desta Corte vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada”.

Na mosca, Ministra. Estamos todos com a saúde debilitada.

3 Replies to “O Povo no Blog: “Haja Paciente – Os Planos de Saúde””

  1. Muito o artigo. Em momentos de duras criticas ao nossos sistema de saúde público (que realmente merece criticas por ingerências de administradores públicos), as vezes, algumas pessoas oferecem como solução entregar tudo à iniciativa privada, mas esquecem-se que o próprio serviço privado de saúde é deficitário (e caro, logo, nem todos poderiam pagar).
    Saudações!

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